Zivkovic ainda não foi utilizado em qualquer partida oficial no Benfica nesta época e encabeça um curto leque de jogadores sem minutos nas pernas em 2019/20 no futebol português. Em pleno mês de outubro, com sete jornadas disputadas no campeonato e numa fase em que a grande maioria dos clubes soma já cerca de dez jogos realizados, são poucos os treinadores que não lançaram em campo todos os jogadores do plantel. Zivkovic é um caso único no plantel dos encarnados. Há outros que ainda não jogaram, mas não têm o estatuto que o sérvio já deveria ter: são eles Svilar (tem alinhado na equipa B), Conti (lesionado), Ebuhei (a regressar de uma lesão) e João Ferreira (jovem da equipa B).
Quando olhamos para as equipas do principal escalão nacional, encontramos mais alguns jogadores a viver uma situação semelhante. A começar pelos guarda-redes, Vaná (FC Famalicão), Trigueira (Moreirense), Helton Leite (Boavista) e André Moreira (Belenenses SAD) não participaram em nenhum minuto de competição oficial nesta temporada. No entanto, é de notar que é mais natural algo deste género acontecer na posição de dono da baliza, sendo que normalmente existem três opções e os treinadores preferem manter uma aposta constante aí. Depois, existem também os casos de Loum (FC Porto), Mattheus Oliveira (Sporting), Idris (Boavista), Rosic (Moreirense), Halliche (Moreirense), João Meira (Vitória FC), Nuno Pinto (Vitória FC), Alex (Vitória FC) e Vasco Rocha (FC Paços de Ferreira). Os jogadores aqui mencionados estão sem minutos e tal não tem por base paragens prolongadas por lesão.
No entanto, é mesmo o nome de Zivkovic que se destaca, até por aquilo que o internacional sérvio já mostrou dentro das quatro linhas com a camisola do Benfica. O emblema da Luz leva onze encontros oficiais realizados, entre campeonato, Liga dos Campeões, Taça da Liga e Supertaça. Desses compromissos, em nenhum deles Zivkovic mereceu sequer uma chamada ao banco de suplentes. Durante a pré-época, o médio tinha alinhado 195 minutos divididos por quatro jogos e até marcou dois golos. É nesta fase que se começa a pensar nas razões para este ‘desaparecimento’. Falta de empenho nos treinos, problemas de conduta pessoal, soluções melhores no plantel (Rafa e Cervi têm sido as opções para a esquerda, com Seferovic, De Tomás, Vinícius e Jota na frente…), mera opção tática do treinador, ou algo mais?
Pois bem, quando o mercado de transferências deste verão estava prestes a terminar falou-se na possibilidade de uma saída de Zivkovic, que acabou por não se confirmar. Jorge Paixão, treinador da equipa de reservas do Shenzhen FC, acredita que a exclusão de Zivkovic poderá dever-se a isso mesmo. “É estranho ter um jogador deste nível sem minutos até outubro. Trata-se também de um atleta com grande potencial, internacional. É uma situação nada fácil de gerir. Penso que o caso do Zivkovic é também fruto de alguma ‘guerra’ que está a ter com o clube e poderá ser uma ordem do próprio clube para que não seja utilizado, tentando forçar a saída”, disse-nos o técnico que já comandou o SC Braga, Farense, Olhanense, CD Mafra, entre outros.
No caso do jogador sérvio, deve também ser salientado que nunca chegou a ser indiscutível quando Rui Vitória estava ao leme dos encarnados. Zivkovic chegou ao Benfica em 2016/17 e na primeira época na Luz participou em 24 partidas, 17 delas com o estatuto de titular. Na temporada seguinte esteve em campo em 30 compromissos, 22 deles a jogar de início. Em 2018/19, com Rui Vitória durante uns tempos e Bruno Lage a terminar a campanha, o número de titularidades baixou para apenas 14 num total de 30 aparições dentro das quatro linhas. Assim se percebe que Zivkovic ainda não conseguiu chegar ao patamar de Cervi, primeiramente, e Rafa posteriormente, no que diz respeito à hierarquia de extremos para o corredor esquerdo. Em tempos, o sérvio ainda foi opção para o centro, quando Rui Vitória jogava com um meio-campo a três, mas foi de curta duração.
O que deve fazer o jogador
A questão que fica: o que passa na mente de um jogador que está até outubro sem somar qualquer minuto? Tozé Marreco já passou por essa mesma situação quando alinhava no Alavés, em plena Liga Espanhola durante 2008/09, e contou-nos como viveu esses momentos. “Cada caso é específico e de análise isolada. O jogador tem de perceber se o treinador efetivamente conta com ele. Os treinadores têm obrigatoriamente de fazer as escolhas, mas também sabemos que por vezes alguns nomes nem sequer entram na lista. Seja por razões táticas, de características individuais, a melhor solução para a equipa, ou o treinador entender que simplesmente não é o momento e que a equipa está melhor assim”, começou por referir.
O ex-avançado, que conta com passagens por Académica, FC Famalicão, GD Chaves, CD Tondela, entre outros, considera que cada situação em específico merece um olhar detalhado, de forma a que se perceba qual a melhor solução. “A análise tem de ser bem ponderada e o próprio atleta perceber o que tem de fazer para melhorar. Eu na altura acabei por sair porque percebi que o treinador não contava comigo. É o futebol. Mas os atletas e agentes têm de ter cuidado nesta análise.”
Tozé Marreco identifica a comunicação entre as partes como um fator fundamental para que a falta de utilização de um jogador não acabe por causar mau-estar no próprio plantel, situação que pode afetar os objetivos de uma época. “Na teoria é fácil dizer que o jogador tem de continuar a trabalhar para ter a sua oportunidade. Acho que tem de haver abertura e sinceridade de ambos os lados – treinador e jogador – para gerir este tipo de situações. Os treinadores nada têm de justificar, mas pessoalmente acho que têm de ser os jogadores que a nível emocional têm de ter mais cuidado e apoio. Efetivamente só existe uma solução, treinar bem para mostrar que está pronto. O treino é a melhor amostra de compromisso e empenho. E nunca, mas nunca, dar razão para que o treinador possa apontar falta de empenho ou atitude em algum momento”, atestou o ex-futebolista.
Carlos Saleiro não passou por essa situação exata, mas recorda-se de tempos em que era lançado nos jogos já na compensação ou que nem ia para dentro das quatro linhas. O ex-atacante, formado no Sporting, reconhece que a confiança de um atleta vai abaixo quando está muito tempo sem jogar e que por vezes perdem-se carreiras dessa forma.
“Nunca tive uma situação dessas, mas algo parecido, como por exemplo ser suplente uma época inteira e entrar a cinco minutos do fim e às vezes na compensação. Isso para um avançado, em termos anímicos e psicológicos, não ajuda. Começa a desgastar, já vais para o jogo a saber que vais entrar aqueles minutos ou nem vais a jogo. A cada partida que passa, começas a ir-te abaixo, a tua confiança deixa de existir e perde-se um jogador”, referiu Saleiro. O ex-futebolista apontou ainda que “esse jogador pode dar a volta pela mudança de treinador, uma lesão de um colega da mesma posição, ou então torna-se muito difícil e tem de mudar de clube”.
No que diz respeito à atitude que um jogador nesta situação deve tomar, Saleiro identifica a comunicação aberta – tal como já o tinha feito Tozé Marreco -, assim como o trabalho psicológico que se deve levar a cabo numa equipa para ter um atleta sempre disponível para ser chamado à competição quando necessário.
“O que se pode fazer nestas situações? Continuar a trabalhar para jogar, ajudar a equipa e estar bem fisicamente. Tem de se trabalhar mais a parte psicológica nos momentos em que o jogador não é utilizado e obviamente depois tem que ver com o tempo de contrato que tem. Se estiver em final de contrato e não está a jogar, só se vê uma saída… se tiver mais tempo de contrato, talvez uma conversa com o treinador ou o diretor desportivo pode ajudar. Ainda assim, penso que tem de andar muito à volta deste trabalho psicológico levado a cabo pelo treinador e pela estrutura até para ter todos os jogadores disponíveis, porque se utiliza apenas 12 ou 13 jogadores durante toda a temporada as coisas não vão funcionar. É preciso que todos estejam a cem por cento física e psicologicamente”, salientou Saleiro.
O que deve fazer o treinador
Depois de abordada a atitude a tomar por um jogador que chega a esta fase da época sem qualquer minuto nas pernas, chega o momento de se escrever sobre o treinador do atleta em questão. Até porque é através de uma gestão cuidadosa de um plantel que se conquistam troféus, situação que já foi várias vezes comprovada. No entanto, entra também em equação o facto de que o atleta em questão poderá estar sem jogar meramente por opção técnica. Por isso mesmo, a forma como o timoneiro da equipa toma conta do caso é fulcral para o desfecho do mesmo.
Armando Evangelista considera que “em primeiro lugar será necessário contextualizar a situação do jogador. Se estivermos a falar de um atleta que foi aposta do treinador, se é um jogador com provas dadas e com potencial é preciso entender as razões para a não utilização ou a falta de rendimento nos treinos que leva o treinador a não apostar nele.” O técnico que esteve no FC Penafiel em 2018/19 prosseguiu a apontar esses mesmos motivos. “Falta de motivação para treinar, problemas de adaptação, problemas pessoais e familiares, o jogador que está a ser utilizado na sua posição está muito bem e com um rendimento alto…”
A partir dessa identificação, é necessário traçar um “plano de reabilitação” para o jogador, tal como destaca Armando Evangelista. “Conversas privadas com o treinador ou outro elemento – equipa técnica ou departamento médico -, traçar novos objetivos individuais – objetivos esses encorajadores e aliciantes, mas alcançáveis -, isto para o motivar a continuar a melhorar o empenho ao nível do treino, até que apareça uma oportunidade. Tudo isto só será válido se o jogador vir no treinador uma pessoa coerente, assertiva, justa e verdadeira. Se não se verificar pode levar à rutura entre as partes”, aproveitou para alertar o técnico.
Jorge Paixão corrobora esta tese de recuperação do jogador em questão, através do trabalho realizado pelo treinador no dia-a-dia de um plantel. “O técnico tem de saber gerir a situação com o clube, a direção e o jogador. São casos que os treinadores têm de saber gerir para não deixar cair o futebolista. Também para que não extravase para o plantel, de forma a que não prejudique o trabalho da equipa. A qualquer momento as coisas podem mudar e poderá ter de utilizá-lo”, disse Jorge Paixão, referindo-se também a casos em que a falta de utilização poderá dar-se graças a um desentendimento do atleta com a direção do clube. “Cabe ao treinador recuperar o jogador nessas fases e prepará-lo da melhor forma para quando for chamado corresponder. É um papel de gestão dos recursos que tem ao dispor e o técnico tem de ter capacidade de gerir, para o bem do grupo e do clube que defende”, considerou ainda.
Estamos a meio de outubro e com isso aproxima-se a passos largos o fim do ano, que traz consigo a abertura da janela de transferências em janeiro. Caso a situação de Zivkovic no Benfica se mantenha igual até lá, tanto o jogador como o clube terão aí uma oportunidade ideal para resolver o caso de forma benéfica para ambas as partes, seja através de um empréstimo ou até mesmo de uma saída a título definitivo. Ainda assim, até pode ser que o peso hierárquico no plantel de Bruno Lage mude até essa data e tal poderá começar já na sexta-feira. O Benfica desloca-se ao terreno do Cova da Piedade para a Taça de Portugal e o treinador poderá aproveitar o compromisso de menor grau de exigência para lançar em campo alguns jogadores menos utilizados. Zivkovic, sem qualquer minuto até agora, pode vir a convencer o técnico de que merece mais, caso vá a jogo.