Demorou, mas uma explicação mais concreta acerca do que o Benfica queria – e ainda quer – fazer através da OPA à SAD chegou ontem, em ambiente controlado, na entrevista que o presidente Luís Filipe Vieira concedeu ao canal do clube, a BTV. A ideia, garante Vieira, é seguir o exemplo do Bayern Munique e, em vez de um ou vários investidores, ter “baluartes” a pagar muito dinheiro pela presença como parceiros capitalistas do clube. Até podia funcionar. Mas nunca agora nem desta forma, que é pouco clara, porque favorece investidores que entraram nas SAD em nome da paixão ou da amizade. Para o compreender basta perceber por que é que esses “baluartes” nunca subscreveram o capital dos clubes portugueses.
Dinheiro é dinheiro. Não há dinheiro de Classe A e dinheiro de Classe B – e poucos poderão explicar isso melhor do que o próprio Luís Filipe Vieira, que é um “selfmade man” e começou a sua fortuna praticamente do zero. Mas por alguma razão Vieira quer ter “baluartes” dentro do capital da SAD do Benfica e não investidores individuais do calibre de José António dos Santos ou José Guilherme, dois homens com os quais até mantém boas relações e tem ou teve negócios em comum. O mesmo sucede no FC Porto, aliás, cujos maiores acionistas individuais são os desavindos irmãos Oliveira. A questão, aqui, no entanto, não é de amizade ou de confiança, mas sim de prestígio. Para o explicar, Vieira recorreu ontem ao exemplo do Bayern, ainda que se tenha enganado na argumentação, dizendo que o clube bávaro alienou dez por cento do seu capital a cada um dos “três baluartes” financeiros. Na verdade, os alemães venderam 8,33 por cento a cada um dos seus três pilares (Adidas, Audi e Allianz), recolhendo com a operação de alienação de 25% do capital (que durou de 2002 a 2014) um total combinado de 277 milhões de euros.
O que Vieira diz querer não é os 95% da SAD para o clube. Quer comprar para revender. Quer manter o controlo da SAD – o Bayern manteve 75% do capital nas mãos dos seus membros – e, ao mesmo tempo, capitalizar muito bem a alienação da parte que cede ao público. Quererá que o investimento numa SAD seja algo de que as grandes empresas se orgulhem e não uma esmola equiparável às operações-coração ou a mais um par de empréstimos obrigacionistas que já admitiu vir a fazer se precisar de responder a questões de liquidez devido aos efeitos da pandemia. Mas, por alguma razão, quando as SAD dos três grandes clubes portugueses chegaram aos mercados não apareceram esses “baluartes” e, além de sócios individuais, movidos a paixão, os subscritores do capital foram empresas com as quais os clubes já tinham relações próximas, como a Olivedesportos, que lhes comprava os direitos televisivos e a publicidade nos estádios, a Somague, que estava nos concursos para a construção dos novos estádios, ou o BES, que era um dos principais sponsors do futebol em Portugal. Não se foi mais além disso.
A diferença entre o que se passa na Alemanha, onde a legislação obriga, por exemplo, os clubes a manterem mais de metade do seu capital, e o que sucede em Portugal e no Benfica pode até ter começado por ser a colocação em bolsa das sociedades portuguesas quando elas não eram ainda suficientemente maduras, atraindo investidores com base em argumentos como a paixão, a amizade ou o sentido de risco e de oportunidade. Houve precipitação. E isso levou à construção de um tecido acionista difícil de desmantelar. Porque se Álvaro Sobrinho, por exemplo, terá entrado no Sporting a pensar no que o investimento poderia vir a dar-lhe a ganhar – e certamente venderá se vir que é o melhor a fazer, do ponto de vista racional – já José António dos Santos e José Guilherme terão entrado no Benfica por um misto de paixão pelo clube e confiança em que o amigo Vieira não os desiludiria. É por isso que, a bem da clareza, a operação que Vieira quer fazer não é concretizável. Porque mesmo que agora explique que a seguir queria vender por mais, para a fazer teria de comprar ações a dois amigos muito acima do valor de mercado – e mesmo assim sujeitar-se a que estes lhe digam que não vendem. Ora esse é o tipo de operação à qual nenhum “baluarte” quer ver-se associado.
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