A vida de treinador na Liga Portuguesa é feita de malas às costas. A longevidade ao leme de um clube não é sinónimo de ser técnico no principal escalão nacional, que é dos campeonatos europeus em que se passa menor tempo como timoneiro de uma equipa. Com as recentes saídas de Julio Velázquez, Custódio Castro e Bruno Lage de Vitória FC, SC Braga e Benfica, respetivamente, são agora 16 as trocas no comando técnico nesta época. Na última década, só por uma vez houve mais despedimentos do que em 2019/20: em 2016/17 foram 19.
A reta final do campeonato fez as três vítimas referenciadas acima, para os lugares dos quais entraram Lito Vidigal, Artur Jorge e Nélson Veríssimo. Lito Vidigal que até foi um dos despedidos ao longo da temporada, mais precisamente do Boavista. Para além dele, também Filó (FC Paços de Ferreira), Marcel Keizer (Sporting), Jorge Silas (Belenenses SAD), Augusto Inácio (CD Aves), Sandro Mendes (Vitória FC), Nuno Manta Santos (Marítimo e acabou por ainda treinar o CD Aves nesta época), Vítor Campelos (Moreirense), Sá Pinto (SC Braga), Pedro Ribeiro (Belenenses SAD), António Folha (Portimonense) e Jorge Silas novamente no Sporting, conheceram a porta da rua. O único que saiu, mas escapou ao despedimento foi Rúben Amorim, pelo qual o Sporting pagou os dez milhões da cláusula de rescisão para o levar de Braga.
Com três jornadas por disputar e sem se avistarem novas mudanças de treinadores até ao fim da Liga Portuguesa, são apenas sete os timoneiros resistentes no cargo. Sérgio Conceição (FC Porto), Carlos Carvalhal (Rio Ave), João Pedro Sousa (FC Famalicão), Ivo Vieira (Vitória SC), João Henriques (Santa Clara), Vítor Oliveira (Gil Vicente) e Natxo González (CD Tondela) continuam no trajeto iniciado no começo da temporada, alguns deles até antes disso. Ao invés, o SC Braga é o emblema pelo qual já passaram mais técnicos em 2019/20. Ao todo, foram quatro, o mesmo número do que Sporting e Vitória FC, só que leões e sadinos tiveram um interino pelo meio, nas figuras de Leonel Pontes e Meyong, respetivamente.
Só em 2016/17 encontramos números superiores aos desta época se olharmos para toda a última década de futebol em Portugal. Nessa temporada foram 19 as trocas nos comandos técnicos dos clubes: Paulo César Gusmão (Marítimo), Erwich Sánchez (Boavista), Julio Velázquez (Belenenses SAD), Nuno Capucho (Rio Ave), Pepa (Moreirense), Carlos Pinto (Paços de Ferreira), Fabiano Soares (Estoril Praia), José Peseiro (SC Braga), Jorge Simão (GD Chaves), José Mota (Feirense), Manuel Machado (Nacional), Petit (Tondela), Lito Vidigal (Arouca), Pedro Gómez Carmona (Estoril), Augusto Inácio (Moreirense), Pedrag Jokanovic (Nacional), Manuel Machado (Arouca), Quim Machado (Belenenses SAD) e Jorge Simão (SC Braga).
Um dos factos a verificar nestas trocas é que quando um treinador sai de um clube em Portugal, existe elevada probabilidade que venha a arranjar emprego no espaço de um ano noutra equipa do campeonato. Esta dança de cadeiras parece ser um ciclo sem fim e nesta temporada assistimos a isso com Jorge Silas, Nuno Manta Santos e Lito Vidigal. Outra das razões pode passar pela carência de projetos desportivos que mantenham a confiança mesmo quando os resultados não são os mais desejados. Por exemplo, em Setúbal assistiu-se a um trajeto nada contínuo na seleção dos treinadores: primeiro esteve Sandro Mendes, cuja imagem de marca assentava na consistência defensiva em detrimento do poderio no ataque; depois chegou Velázquez, que gosta de ter bola e jogar um futebol positivo; quando isso deixou de surtir efeito foi chamado Lito para tentar fazer o papel de herói, numa reviravolta de mentalidade que traz de novo a força da defesa como primazia.


Para que se entenda a dimensão que as trocas de treinador têm, nenhuma das restantes ligas de top-10 da UEFA tem números semelhantes aos da portuguesa em 2019/20. Aquela que mais se aproxima é a italiana, com 13 saídas de treinadores até este momento em que vai com 31 jornadas disputadas. Na Série A assistiu-se aos despedimentos de Di Francesco (Sampdoria), Marco Giampaolo (Milan), Aurelio Andreazzoli (Génova CFC), Igor Tudor (Udinese), Eugenio Corini (Brescia Calcio), Fabio Grosso (Brescia), Carlo Ancelotti (SSC Nápoles), Vincenzo Montella (Fiorentina), Thiago Motta (Génova), Walter Mazzarri (Torino FC), novamente Corini e outra vez no Brescia, Leonardo Semplici (SPAL 2013) e Rolando Maran (Cagliari Calcio). Depois de Itália aparece a Rússia com onze trocas de treinadores, à qual se seguem Espanha (dez), Alemanha (nove), Bélgica (oito), Inglaterra (seis), França (cinco), Holanda (cinco) e Ucrânia (cinco).

Esta vida de malas às costas que é consequência de ser treinador em Portugal fica explicada através de um recente estudo do Observatório do Futebol (CIES), onde se verifica que o tempo médio dos técnicos no comando dos clubes no campeonato luso é dos mais curtos entre as principais ligas. Ao calcular há quanto tempo os treinadores dos clubes a 1 de junho estavam no respetivo clube, verificou-se que a média em Portugal está cifrada nos 261 dias. Numa lista liderada pelo País de Gales, onde a média ao leme de uma equipa é de 943 dias, são várias as ligas que surgem acima da portuguesa: Suécia (890 dias), Escócia (648), Inglaterra (537), Espanha (506), Holanda (382), França (375), Ucrânia (360), Bélgica (354), Itália (351), Alemanha (336), Áustria (336) e Rússia (336). No que toca a campeonatos com algum nome, apenas a Grécia (229), Argentina (182), Brasil (168) e Turquia (152) estão abaixo do português.
Outra das características da Liga Portuguesa é a curta presença de treinadores estrangeiros. Com o despedimento de Julio Velázquez, já muito depois de Marcel Keizer, Natxo González ficou como o único técnico sem nacionalidade portuguesa no campeonato. Ao invés, Portugal é um dos principais exportadores de treinadores para esse mundo fora. São 25 os portugueses que treinam entre as 128 ligas de 91 países que entraram no estudo do CIES. Acima dos portugueses estão apenas os argentinos (68 espalhados por 22 países), espanhóis (41 em 21 países), sérvios (34 em 24 países), alemães (27) e italianos (27).