É curioso que no mesmo dia em que Frederico Varandas ensaiou uma espécie de fuga para a frente que nada teve de prudente em relação ao investimento desmesurado feito em Rúben Amorim, “prometendo” que só a valorização do jovem Matheus Nunes vai pagar tudo o que o Sporting terá de mandar para Braga, João Félix tenha aparecido a dizer que Bruno Lage “é como um pai” para ele. Se não fosse um tipo avisado para não embarcar em todas as teorias da conspiração que por aí aparecem, até poderia achar que tudo tinha sido combinado – e não, é claro que não foi e que todas estas declarações têm de ser vistas à luz do que dizem os homens do futebol, que nem sempre é o que dizem as pessoas comuns. Porque se em política, como diz o aforismo, “o que parece, é”, em futebol aquilo que parece não tem de ser. Pode ser ou não.
A frase de João Félix é caraterística do futebol e da forma que os seus protagonistas têm para demonstrar gratidão. Bruno Lage apostou no miúdo – o próprio já contou que quando Luís Filipe Vieira lhe disse que ia ficar à frente da equipa, fez a viagem do Seixal para casa a pensar como é quer conseguiria encaixar o miúdo no onze – e o miúdo, que meses depois valeu 126 milhões de euros na saída para o Atlético Madrid, ficou agradecido. A questão, no entanto, é que o Benfica não teve de contratar um treinador de 10 milhões de euros para valorizar João Félix – o que me leva ao problema fundamental. Até acredito que Rúben Amorim seja um excelente treinador – e tudo o que ele mostrou até aqui faz supor que pode vir a ser – mas não é líquido que Matheus Nunes venha a valorizar assim tanto nem, sobretudo, que fosse preciso gastar 10 milhões de euros num treinador para que ele pudesse conhecer tamanha valorização. Aliás, vou dizê-lo de outra forma: se Matheus Nunes for o craque que Varandas acredita que ele é, valoriza com Amorim, como valorizaria com Jorge Silas, com Marcel Keizer ou com Tiago Fernandes.
Sei que o futebol é muito feito da capacidade que cada um, cada indivíduo ou cada clube, tem para agarrar as oportunidades. Ainda me lembro da forma como Luís Duque acreditou que José Mourinho, na altura a ser ostracizado pelo Benfica de Vilarinho, por ser uma herança de Vale e Azevedo, seria a solução para o futuro do Sporting e fez quase tudo para o levar da Luz para Alvalade. Não fez tudo, porém. Não teve, por exemplo, a coragem de enfrentar o escrutínio das massas, que se manifestaram contra o despedimento de Inácio e a contratação do treinador que tinha festejado os golos que o Benfica marcara aos leões – o que até era normal, pois se ele era treinador do Benfica… O resultado foi o que se sabe: Mourinho já não entrou em Alvalade, foi cumprir uns meses sabáticos a Leiria e acabou por ser campeão da Europa no FC Porto, enquanto que o Sporting não voltou a ganhar um campeonato a partir da primeira época que o Special One começou nas Antas. Já lá vão 18 anos e é o maior jejum da história leonina.
Varandas parece ter, nesse aspeto, duas vantagens face a Duque: por um lado, convicção no valor de Rúben Amorim, que ele garante que vai estar “num dos maiores clubes europeus” dentro de pouco tempo; por outro, a coragem de apostar nele, mesmo tendo de desembolsar os tais dez milhões de euros para o ir buscar a Braga. Ainda assim, o presidente do Sporting tem mesmo de encontrar quem lhe explique que para se defender do tal escrutínio das massas que Duque não superou há regras que ele não pode ultrapassar. Uma delas é a que diz que não deve colocar pressão palpável em cima de jogadores ou treinadores. Mesmo que seja uma pressão positiva, de demonstração de crença, a verdade é que em caso de fracasso ela se transforma em pressão negativa, de cobrança. Ao dizer o que disse, Varandas já subiu a fasquia para a avaliação de Rúben Amorim e de Matheus Nunes. E isso é a última coisa de que tanto um como o outro precisam neste momento.
Porque isto já não é futebol. É política. Onde, já sabem, “o que parece, é”. E aqui, o que parece é que o presidente do Sporting está a sentir-se apertado.
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