A questão do recomeço dos campeonatos vai e volta de forma incessante – e assim sucederá enquanto não houver decisões finais. Leu bem: decisões, assim mesmo, no plural, que cada federação e cada Liga vai tomar as suas, sem qualquer jurisprudência, porque cada federação e cada Liga tem os seus próprios problemas e vicissitudes. Fala-se agora na hipótese que eu já tinha avançado aqui há dias, porque dela se falava também no estrangeiro, em Inglaterra sobretudo, e que passa pela realização de uma super ponta final da Liga, concentrando toda a gente na mesma região, de forma a minimizar risco de deslocações e de cadeias de contágio. E que, se tudo for complementado com testes regulares aos jogadores, a cada três dias, por exemplo, pode reduzir a possibilidade de vermos futebolistas infetados caírem numa quarentena que afetaria a verdade desportiva.
É a solução ideal? Claro que não. Ideal era não haver pandemia.
Havendo pandemia e sabendo nós que a vacina pode demorar um ano, talvez seja a solução possível. E escusam de vir falar-me da intenção da Liga belga ou da Liga escocesa em dar já por terminada a época ou da decisão do primeiro ministro holandês em proibir atividades desportivas antes de Setembro. Cada um sabe de si – e quem insiste na cópia das soluções do estrangeiro fá-lo quase sempre porque defende uma agenda própria também. Cada um sabe aquilo que tem em casa e as motivações em nome das quais as decisões são tomadas. E sim, por trás dessas escolhas há sempre fatores como o peso político de cada clube (na Escócia, por exemplo, o Rangers acusa o Celtic de mandar nos votos dos outros) ou a importância relativa dos direitos de TV e da bilheteira nos orçamentos dos clubes, que muda de Liga para Liga.
Em abstrato, também eu acho que não se devia jogar mais esta época, não atribuir os títulos e aproveitar as classificações atuais para definir vagas europeias e subidas de divisão e para reformular todo o edifício competitivo do futebol português. Em concreto, porém, olho para os números que A Bola apresentou ontem – acerca do que representa cada variável na receita global dos clubes – e percebo que, excluindo as vendas de jogadores, a soma dos direitos televisivos e dos prémios da UEFA vale 65,9% das receitas do Benfica, 55,9% das receitas do FC Porto e 48,9% das receitas do Sporting. Creio que à medida que se desce na classificação o peso das receitas da TV cresce mais e mais.
Devem as decisões ser tomadas só em função disso? Claro que não. Como dizia aquele mítico anúncio de água mineral, “a saúde está primeiro”. Mas podemos deitar essa noção para o lixo, como se ela valesse zero? Também não. Tal como na polémica entre confinamento contínuo e defesa da economia, também aqui as decisões devem ser ponderadas e os graus de abertura podem ir mudando para se salvar uma atividade que, sim, quer queiram quer não, é uma atividade económica e não vai deixar de o ser só porque alguns de vós acordaram virados para o lado do amor à camisola e dos poemas futebolísticos. Acordem: isso é treta, porque sem dinheiro os poetas vão escrever poesia para outro lado e vocês ficam a ver malta que não consegue mais do que fazer umas quadras simplórias, porque sabe que amor rima com calor e que paixão rima com verão.
Tenham a noção de que esta é uma solução que implica grande dose de sacrifício para os profissionais de futebol, que teriam de passar um mês em reclusão para que valores mais altos pudessem ser protegidos: e não, não é como jogar um Mundial, pois num Mundial ou num Europeu os futebolistas têm dias de folga, nos quais podem conviver com a família, estão em hotéis de luxo com tudo do bom e do melhor – e nesta solução quase monástica nada disso lhes seria permitido, de modo a reduzir as possibilidades de contágio. Percebam, depois, que se trata de uma solução que prejudica os clubes que tinham mais jogos em casa até final da época, pois daqui até final tudo teria de ser jogado em campo neutro. Mas seria uma solução que permitiria acabar o campeonato em menos de mês e meio, à razão de três jogos por dia e de duas jornadas por semana, dessa forma cumprindo contratos com operadoras de televisão e minimizando os efeitos da pandemia na verdade desportiva.
Não é a melhor solução? Claro que não – até porque na melhor das hipóteses poderia abranger os dois primeiros escalões, e mesmo no segundo talvez a economia já não justifique o risco. Mas talvez seja a solução possível. E só por isso vale a pena levá-la a sério.
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