O futebol regressa hoje em Espanha, com a conclusão do Rayo Vallecano-Albacete, que foi interrompido em Dezembro devido a cânticos nazis nas bancadas, e com a colaboração do presidente da Liga, Javier Tebas, já está lançada a confusão acerca da eventual presença de público nas bancadas. Por cá, a diretora geral da saúde, Graça Freitas, voltou ontem a garantir que isso não está previsto até final da temporada, o que permite levantar a dúvida: por que é que Marcelo Rebelo de Sousa fez tanta questão de propagar a esperança da realização da Final-8 da Liga dos Campeões em Lisboa e por que é que isso é bom? A verdade é que estamos a viver um desconfinamento a duas velocidades um pouco mais esquizofrénico do que os espanhóis.
Em Espanha a confusão começou no momento em que o presidente da UD Las Palmas, Miguel Ángel Ramírez, se fez valer da inversão das particularidades da insularidade para defender a abertura dos jogos da sua equipa ao público. O Celta de Vigo e o Espanyol de Barcelona logo vieram apoiar essa intenção e Javier Tebas, que parece possuir um radar potentíssimo para ver onde há confusão de modo a ampliá-la, disse que era “partidário de que se abram as bancadas onde isso for possível”. Também por cá tivemos dirigentes futebolísticos que não entenderam que a batalha do público se ganha depois de terem vencido a do regresso às competições e treinadores, jogadores e adeptos que ascenderam à categoria de influencers a defender que jogar sem público não faz nenhum sentido. É normal. Nas guerras há sempre generais que acham que conseguem ganhar duas batalhas ao mesmo tempo e outros que pensam que as ganham pela força da persuasão.
Ora, ontem, da mesma forma que, por cá, Graça Freitas garantiu que “não está a ser equacionado o regresso [do público] aos estádios neste momento, nem se perspetiva qualquer alteração nesta época”, em Espanha, Salvador Ilia, ministro da saúde do governo de Pedro Sánchez, assegurou que só haverá público quando isso for possível em todos os estádios. “Há que garantir a equidade da competição. Por isso, não se pode fazer de uma maneira nuns sítios e de outra noutros”, afirmou, à saída do conselho de ministros, quando confrontado com a intenção de alguns clubes (e de Tebas) abrirem os estádios ao público assim que as suas regiões chegarem à fase 3 do desconfinamento. A mensagem é clara e é de cautela. Mas é aí que entra a minha confusão acerca da Final-8 da Liga dos Campeões, que a FPF (e creio que o governo, do qual depende a diretora-geral da saúde) está a um detalhe de trazer para Lisboa.
A vontade política ficou clara quando foi o presidente da república a antecipar-se a qualquer jornal, TV ou rádio para dar a notícia. “Tenho a vaga sensação de que em Agosto podemos ter uma boa notícia em termos de futebol internacional”, disse Marcelo Rebelo de Sousa de forma não suficientemente enigmática, à entrada para um concerto no Campo Pequeno. Ali, o contexto era: então mas se podemos juntar tanta gente numa sala fechada, por que razão não podemos fazer o mesmo num estádio, ao ar livre? É um argumento válido, que convida os políticos a darem um rebuçado à malta do futebol, pelo que quando a imprensa alemã começou a dar notícia de que a UEFA deveria confirmar no Comité Executivo de dia 17 que a Final-8 da Liga dos Campeões se realizaria nos estádios da Luz e de Alvalade, o espetáculo já começava a ficar montado. Os argumentos do Bild, que foi quem avançou com a notícia, eram de que Portugal estava a ser um exemplo no combate à pandemia e que, portanto, a somar ao facto de ter dois estádios de quatro estrelas a dois quilómetros um do outro, isso tornava Lisboa o palco ideal.
Aceito a conclusão. Só me faz confusão a razão pela qual isso é “uma boa notícia”, como diz Marcelo. Se é sem público, aos portugueses não aquece nem arrefece que a Champions se jogue em Lisboa ou em Xangai – pois se têm de a ver na TV à mesma… Se é com público, que sentido faz isso? Pois se não podem ir aos seus estádios ver os seus clubes, como se explica que possam ir ver equipas estrangeiras, eventualmente até entre adeptos estrangeiros, que viriam aí colocar em risco de pulverização as nossas estatísticas de contenção da doença? Se ainda ontem Graça Freitas repetiu que a evolução da Covid19 “depende dos ajuntamentos e dos comportamentos” para defender o cimento à mostra nos estádios. Até ouvir ontem a diretora-geral da saúde puxar o travão de mão ao entusiasmo, eu estava inclinado a olhar para isto e fazer uma interpretação política: os responsáveis políticos estariam a preparar-se para abrir os estádios ao público, fazendo essa cedência como forma de poderem dar uma mão ao setor do turismo e acolher milhares de adeptos estrangeiros no mês de Agosto. Depois da conferência de imprensa de ontem, no entanto, fiquei um pouco mais convencido que aquilo que temos é um desconfinamento um pouco esquizofrénico e a velocidades muito desencontradas.
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