Sou daquele tempo em que os sorteios da UEFA eram uma oportunidade de ouro para jovens jornalistas em busca de afirmação. E isso acontecia por uma razão muito simples: era sempre ali que se promovia a grande cimeira anual do futebol nacional. Imaginem, naquela altura, sem redes sociais, sem jornalismo de cidadão, sem programas de futebol em direto a toda a hora nas TVs, poder estar no mesmo hotel com Pinto da Costa, João Santos ou, depois, Jorge de Brito, Sousa Cintra, Pimenta Machado e Valentim Loureiro. O sorteio da primeira eliminatória das provas da UEFA marcava o único dia do ano em que os mais poderosos do futebol nacional estavam todos no mesmo sítio à mesma hora. Passaram 30 anos e tudo isso mudou. É hoje raríssimo um presidente de clube comparecer a um sorteio, como sucedeu ontem a Frederico Varandas. E, à falta de um desmentido, presume-se que se o presidente do Sporting lá esteve foi mesmo para tentar forçar uma negociação de última hora por Bruno Fernandes, o capitão leonino que os jornais e as TVs colocaram à venda em hasta pública antes do encerramento do mercado estival.
A esse propósito, Hugo Viana, diretor desportivo do Sporting, reagiu às declarações de Daniele Pradé, o seu homólogo da Fiorentina, que afirmara em Itália que Bruno Fernandes estava “vendido para o Real Madrid por 70 milhões de euros”. Não desmentiu nem apareceu: mandou uma nota para as redações a dizer que as palavras de Pradé eram “inoportunas e levianas”. Em Portugal, um pouco antes, tinham começado os zunzuns segundo os quais, sim, o capitão do Sporting iria para o Real Madrid, por esse valor, mas só no ano que vem, ficando em pousio em Alvalade por mais um ano, até ao Europeu. Ora bem, a acontecer, este é que seria o verdadeiro milagre da gestão, só possível, de facto, pela aplicação do toque de Mendes, espécie de toque de Midas para os negócios do futebol.
A falta de liquidez no futebol Mundial leva atualmente a que as coisas se façam sobretudo ao contrário, sob a forma de empréstimos com cláusula de compra obrigatória. Por não ter possibilidade de comprar Mbappé no imediato, foi assim que o Paris Saint-Germain foi buscar o jovem francês ao AS Mónaco: pediu-o emprestado e obrigou-se desde logo a comprá-lo um ano depois. Foi, também, isso que o FC Barcelona quis fazer este ano, para recuperar Neymar. Já se vê que no futebol atual há muito “leve já e pague depois”, mas não tanto o “pague já e leve mais tarde”. Sobretudo quando se trata de um jogador que vai fazer 25 anos para a semana e que até já emigrou, deixando-o muito menos suscetível a problemas de adaptação mais naturais em jovens adolescentes cheios de acne na face que nunca viveram longe de casa dos pais.
No meio de tudo isto, é evidente que o Sporting já devia ter tomado uma posição acerca do tema. É o seu capitão de equipa, um jogador que, ainda ontem, em entrevista à GQ, mostrou – pelo menos publicamente – um compromisso inabalável com o emblema, dizendo até que apesar de sonhar jogar na Premier League se sentiu “lisonjeado” por o clube não ter aceite a proposta do Tottenham. Não se trata aqui tanto de passar do excesso de comunicação da gerência anterior para o autismo atual, porque esta direção também comunica. Fê-lo, por exemplo, quando quis forçar a saída de Bas Dost, impedir as coisas de andarem para trás, tornando público um “princípio de acordo” com o Eintracht Frankfurt numa altura em que nem o jogador nem o seu empresário pareciam ainda estar pelos ajustes.
Agora, mesmo que Bruno Fernandes seja “muito forte mentalmente”, como dele diz Marcel Keizer, mesmo que ele consiga “mudar o chip” quando entra em campo, era importante para a equipa que se fizesse uso da mesma clareza e que alguém explicasse sem margem para dúvidas qual é o posicionamento do Sporting face à continuidade de Bruno Fernandes. Já sabemos, desde que Frederico Varandas disse à RTP que “por 60 milhões é que não sai de certeza”, que o capitão não vai ser vendido em saldo. Mas continua à venda? E é imperioso para o Sporting vendê-lo ou os cofres aguentam se ele acabar por ficar?
Daqui a dois dias, no fecho do mercado, se saberá o que vai acontecer. Resta saber se ficará a saber-se o que os responsáveis leoninos queriam que tivesse acontecido. E se isso afeta a equipa de Keizer no jogo com o Rio Ave, mais logo.