É verdade que o Benfica nacional também já não tem tido ultimamente muito a ver com o de início de época, em que parecia até estar a apresentar uma versão incrementada da equipa que acelerou para o título de 2018/19, mas não há nada tão capaz de alimentar dúvidas nos adeptos do clube como um jogo europeu. Parece que a equipa se vulgariza sempre que passa a fronteira ou que recebe adversários internacionais na Luz e tem de haver razões para este colapso constante, que até os números já exibem. Aqui deixo três pistas – a física, a tática e a mental – para a forma clara como a equipa de Bruno Lage se deixou ultrapassar por um Zenit que, tal como o Leipzig, também não é um monstro, mas chegou para ganhar sem espinhas a um Benfica fraco.
Se ganhou 16 dos últimos 20 jogos nacionais (80 por cento de vitórias), o Benfica já venceu apenas cinco dos últimos 20 desafios europeus (25 por cento). E perdeu 13, o que é obra. Poderão sentir-se tentados a dizer que é normal, porque os adversários europeus são mais poderosos, mas basta alargar a pesquisa ao FC Porto, que também anda sobretudo na Liga dos Campeões, para se ver que não é. Os dragões têm até uma taxa de vitórias ligeiramente superior nos últimos 20 jogos nacionais – ganharam 17, isto é, 85 por cento – mas estão muito acima nos 20 desafios das competições europeias, com onze vitórias (55 por cento) e apenas seis derrotas. Tem, portanto, de haver uma boa razão para este transfigurar de uma equipa, que em Portugal manda, mas que depois nas provas internacionais parece um cordeirinho manso.
Ontem, o Benfica sofreu três golos – e isso levou até o presidente Luís Filipe Vieira a falar aos jornalistas para se declarar “triste, para não dizer envergonhado”. O primeiro golo nasce de uma perda de bola em fase de construção de Fejsa, que sentiu o contacto do adversário e se deixou cair, deixando Dziuba à vontade para bater Vlachodimos. É muito provável que, em Portugal, o lance fosse sancionado com falta – e não, antes que me acusem disso, não estou a dizer que era falta (não foi!) ou que o seria em Portugal se fosse a favor do Benfica ou de qualquer outro clube, mas apenas que os árbitros portugueses vão muito na manha dos jogadores e apitam demasiado, muitas vezes porque alguém cai assim que sente o bafo do adversário. E isso depois paga-se, mais ainda quando se tem uma equipa pouco preparada para o choque, para o duelo mais físico como o promovido internacionalmente.
O segundo golo até apareceu numa altura em que o Benfica estava por cima no jogo, mas vem de um erro crasso de Gabriel e Caio, que vão ambos demasiado à queima tentar um desarme, sem que um deles, pelo menos, faça contenção, permitindo a saída de bola do adversário quando estavam em situação de dois para um e um contra-ataque que culminou no autogolo de Rúben Dias. Foi uma situação individual, é certo, mas serve para que se pense no modelo de jogo e nas adaptações que Bruno Lage lhe tem feito esta época, à procura de superar o trauma da saída de João Félix. O treinador anda à procura da novidade que lhe permita desencaixar daquilo que os adversários já leram na perfeição, e para o que encontraram antídotos, que é a tendência de juntar Pizzi e Rafa por dentro – e Caio foi uma das últimas tentativas, depois da colocação de Pizzi ultimamente mais aberto na direita, do recuo de Taarabt para o meio-campo ou da invenção de Gedson como segundo avançado. Não havendo Chiquinho e tardando a afirmação de Jota, ainda estou convencido que o melhor é juntar De Tomás e Seferovic e trabalhar mais o jogo dos pontas-de-lança – e nesse aspeto o golo marcado pelo espanhol, ontem, pode ter sido o desbloqueador de que ele necessitava.
Por fim, o terceiro golo, é próprio de uma equipa derrotada por antecipação. O jogo estava a complicar-se, mas a forma como toda a gente adormeceu no momento em que os russos marcaram o livre e isolaram Azmoun na cara do guarda-redes Vlachodimos é exemplo claro de desistência, que é uma forma que a mente encontra de fugir das dificuldades. Mas não é a forma certa. O pior que pode acontecer a este Benfica é convencer-se de que não pode ganhar jogos internacionais. É que se já ganhou muitos jogos em Portugal só com o “peso das camisolas”, porque os adversários se convencem de que é difícil resistir ao poderio do Benfica, também não será bem sucedido internacionalmente enquanto não encarar os jogos como caminho para a glória em vez de uma via para o sacrifício.