José Mourinho está em apuros. O treinador português ficou sem o principal salvador do Tottenham, ainda por cima numa fase de duelos cruciais e de regresso à Liga dos Campeões. Son, ou “Sonaldo”, tem assumido o papel de figura de destaque dos londrinos desde a lesão de Harry Kane. O avançado sul-coreano soma cinco partidas consecutivas a marcar, com seis remates certeiros nelas. Para além disso, tem queda para ser decisivo: apontou o golo que deu o triunfo ao conjunto de Mourinho nos minutos finais de três desses encontros. No entanto, Son terá de ser operado devido a uma fratura no braço direito. Mourinho suspira pelo asiático com mais golos na Liga Inglesa (51) e lamenta que ele possa mesmo não jogar mais nesta temporada.
Para que se entenda bem o impacto que Son tem vindo a ter e aquilo que o Tottenham vai ficar a perder, o avançado sul-coreano caminhava a passos largos para a época mais goleadora da carreira. São 16 os remates certeiros que soma em 32 compromissos. 2016/17 foi a temporada mais proveitosa ofensivamente para ele, precisamente nos spurs, com 21 tentos em 47 jogos. Tendo em conta que ainda faltam 12 jornadas para o fim do campeonato inglês, com Champions pelo meio, é percetível que muito provavelmente esse recorde seria batido, não fosse esta maldita lesão contraída durante o duelo com o Aston Villa.
Por falar nisso mesmo, os dois golos que marcou aos villans na última jornada aumentaram para cinco o número de partidas seguidas a marcar para Son, após tê-lo feito também diante de Southampton FC, Manchester City, Southampton FC novamente e Norwich City. Nos duelos contra Aston Villa, Southampton e Norwich, Son fez valer a frieza e capacidade de ser decisivo para dar a vitória à turma de José Mourinho em tempo de compensação ou já na reta final para a conclusão do jogo.
Certamente que o nome “Sonaldo” lhe despertou alguma curiosidade mais acima. É percetível que tem a ver com Ronaldo, mas não com o português, embora Son já tenha admitido que é um grande fã do capitão da seleção das quinas. Foi Mourinho que confidenciou esta alcunha dada pelo próprio filho ao jogador sul-coreano.
Em dezembro, o Tottenham bateu o Burnley FC por 5-0, com Son a marcar um golo fantástico em que foi desde o meio-campo defensivo até à baliza adversária a driblar oponentes (é caso para ver no vídeo abaixo) e trouxe à memória o brasileiro Ronaldo ‘Fenómeno’. “A única coisa que posso dizer é que me veio à mente um jogo que tive a honra de assistir ao lado de Sir Bobby Robson, em 1996, quando Ronaldo marcou um golo fantástico [pelo FC Barcelona perante o Compostela].” Ainda assim, “antes do golo, o meu filho já lhe chamava Sonaldo, em referência a Ronaldo Nazário”, revelou Mourinho.
O que foi esse gol do Son contra o Burnley na goleada por 5×0 pela Premier League. Golaço ⚽️👏🏻😳 pic.twitter.com/Ir032UExBY
— Paixão por Futebol (@paixaoprfutebol) December 7, 2019
Futebol no sangue e educação rígida
O desporto rei corre nas veias de Son desde que nasceu. Natural de Chuncheon, o pai do sul-coreano foi também futebolista (retirou-se logo aos 28 anos devido a uma lesão). Son Woon-jung chegou a treinar também o filho e não foi por isso que o agora jogador do Tottenham foi favorecido, muito pelo contrário até. “Comecei a dar pontapés na bola assim que comecei a andar. Quando eu tinha 10 ou 12 anos, o meu pai foi treinar a equipa da minha escola, éramos 15 ou 20 jogadores. O programa foi igual para todos, bater bolas durante 40 minutos. Quando alguém deixava cair a bola, o meu pai não dizia nada. Mas assim que eu a deixei cair, ele fez-nos recomeçar desde o início”, contou Son em entrevista ao ‘The Guardian’.
Tal como acontece tradicionalmente por aqueles países do continente asiático, a educação é rígida, disciplinada e exigente. É precisamente por isso que Son agradece aos pais, pois considera que o talento nos pés não basta para chegar longe no mundo do futebol. “Sou muito grato aos meus pais e agradeço por cada oportunidade. Eu sei que ser profissional exige mais do que talento”, reconheceu nessa mesma entrevista. Lembra-se de Son ter Cristiano Ronaldo como principal referência? Pois bem, é precisamente no internacional português que o sul-coreano se foca como inspiração. “É como o meu ídolo, Cristiano Ronaldo, que trabalha mais do que o talento que tem. Eu vejo muitos jogadores que não têm cabeça e pensam que talento é suficiente. Mas não é assim”, apontou.


No fim de contas, é ao progenitor que Son mais agradece por chegar onde está atualmente. “O meu pai fez tudo por mim e sem ele, eu provavelmente não estaria onde estou hoje.” Não só a ética de trabalho, como também o respeito pelo adversário e o fair-play são ideais transmitidos de pai para filho. “Disse-me que quando um adversário cai e se lesiona, eu deveria colocar a bola para fora e saber o estado dele. Porque pode ser-se um bom futebolista, mas se não se sabemos respeitar os outros, não somos ninguém. Ainda hoje me diz isso. Às vezes é difícil, mas somos humanos antes de sermos jogadores de futebol. Se é assim fora de campo, porque deve ser diferente dentro de campo?”, atirou Son.
Esta relação de professor e treinador que havia na família levou mesmo o jogador a recordar-se de um episódio caricato que envolveu também o irmão e que demonstra bem a exigência que era transmitida. “O meu pai exigiu que eu e o meu irmão ficássemos quatro horas a dar toques na bola. Só nós os dois. Depois de cerca de três horas, eu via três bolas. Até via o chão vermelho. Eu estava tão cansado e ele com tanta raiva. Acho que essa foi a melhor história e ainda falamos sobre ela quando estamos todos juntos.”
As pisadas do primeiro coreano no futebol europeu
No país natal, Son começou a jogar no FC Seoul, mas foi no futebol europeu que cresceu desportivamente. O sul-coreano mudou-se de malas e bagagens para a Alemanha apenas com 16 anos, para vestir a camisola do Hamburgo SV. Chegado a solo alemão em 2008/09, o atacante jogou pelos Sub-17 do clube e fez a estreia na equipa principal em 2010/11, com 18 anos. Nas duas épocas seguintes foi figura de destaque da equipa, com 30 ou mais compromissos disputados em cada, o que valeu uma transferência para o Bayer Leverkusen em 2013, a troco de dez milhões de euros.
Em Leverkusen, Son seguia as pisadas do primeiro coreano a ter rumado ao futebol europeu. Falamos aqui de Cha Bum-kum, agora com 68 anos, que rumou ao desporto rei germânico em 1978/79 para representar o Darmstadt 98 e chegou aos farmacêuticos em 1983, clube pelo qual marcou 57 golos em 201 partidas.
Bastaram duas temporadas todo o gás (2013/14: 12 golos e sete assistências em 43 jogos; 2014/15: 17 golos e quatro assistências em 42 compromissos) para que Son despertasse a atenção dos principais clubes do futebol europeu. Aliás, ainda quando representava o Hamburgo já se falava no interesse do Tottenham. Mas esse veio mesmo a confirmar-se em 2015, quando os spurs fizeram de Son o asiático mais caro de todos os tempos (transferência de 30 milhões de euros, entretanto superada pelos 35 milhões pagos pelo Al Duhail ao Portimonense por Nakajima em 2019).


Os primeiros tempos em terras londrinas não foram de fácil adaptação, mas a personalidade discreta e humilde, assim como a versatilidade, técnica, velocidade e capacidade de golo que demonstra dentro das quatro linhas têm cativado os adeptos. Após uma primeira temporada menor fulgor (oito golos e cinco assistências em 40 jogos), Son tem vindo a assumir-se como referência do Tottenham e os números falam por si: 2016/17 (21 golos e dez assistências em 47 partidas); 2017/18 (18 golos e onze assistências em 53 encontros); e 2018/19 (20 golos e dez assistências em 48 jogos).
Para tentar perceber um pouco melhor a dimensão e versatilidade do futebol de Son é necessário recuar até umas palavras de Mauricio Pochettino, então técnico dos spurs aquando da contratação do sul-coreano. “Ele não é um avançado-centro, mas pode jogar como avançado-centro. Ele não é um ala, mas pode jogar na ala. Ele não é um camisola dez, mas pode jogar lá também”, referiu o timoneiro argentino na altura. “Ele é uma grande pessoa e um grande profissional também. Está sempre presente para nos ajudar e faz muitos golos. É verdade que o Son não recebe as manchetes de outros jogadores, mas é bom reconhecer o que ele faz”, assinalou Pochettino.
Um serviço militar que podia ter custado caro
Já se falou nas épocas de regularidade exibicional elevada que Son tem tido com a camisola do Tottenham, mas a verdade é que poderia não ser assim. Tudo por culpa do serviço militar obrigatório na Coreia do Sul e ao qual o futebolista escapou por pouco… muito pouco. Ora, a lei do país asiático dá conta de que todos os homens têm de realizar 21 meses de serviço militar até completarem 28 anos.
Son poderia, desta forma, ter de perder tanto esta temporada como a próxima, pois teria de se apresentar ao serviço até julho do ano passado. No entanto, esta lei tem uma brecha. É que os desportistas têm uma exceção, pois caso consigam trazer uma medalha para o país têm de cumprir apenas um mês de recruta. Assim sendo, a última oportunidade de Son eram os Jogos Asiáticos, competição não reconhecida no calendário da FIFA, que tiveram lugar em 2018. A conquista dessa prova, assim como o pódio num Mundial ou Jogos Olímpicos livram de 20 meses de serviço militar.


Foi precisamente isso que aconteceu a Son. A Coreia do Sul ganhou a competição ao bater o Japão na final por 2-1. Após o apito final, os festejos exuberantes de Son disseram tudo sobre um jogador que poderia assim continuar a promissora carreira sem ter de colocar um interregno de duas temporadas, o que afetaria (e de que forma!) o rendimento do atacante. Son já poderia ter tentado “escapar” em 2014 (o Bayern Leverkusen não o deixou ir aos Jogos Asiáticos nesse ano) e no Mundial 2018 (a Coreia do Sul não passou da fase de grupos), mas foi nesta prova que o conseguiu.
Um fenómeno que move multidões
O perfil discreto e humilde que demonstra quando o vemos nos relvados contrasta com o protagonismo que Son tem na Coreia do Sul. Há quem diga mesmo que é o “Beckham” do país asiático, devido à fama que tem por lá, como escreveu o ‘The Guardian’. De acordo com a mesma publicação, o jogador tem uma capacidade de venda e popularidade que transcende o desporto e é acolhido com receções de “rockstar” quando aterra em aeroportos do país.
Para além disso, desde que chegou ao Tottenham que o emblema londrino ganhou uma legião de fãs sul-coreanos, tal como seria de esperar. Para eles, nem importa que os jogos sejam transmitidos a horas menos próprias por lá. “Se eu me sinto como um embaixador para o meu país? Claro. Um exemplo: quando jogamos às 15h00 [de Londres] é meia-noite na Coreia. Quando disputamos uma partida de Champions às 20h00, são 5h00 da manhã lá e eles ainda assistem na televisão. Eu tenho de pagar de volta. É muita responsabilidade”, confessou Son recentemente.


Son é mesmo descrito como um “tesouro nacional”, nas palavras de Sungmo Lee, repórter sul-coreano do portal ‘Goal.com’. “Ele é o maior astro do desporto na Coreia do Sul. Até posso mesmo dizer que popularidade dele excede o limite de estrela do desporto e que ele é agora a maior celebridade do país”, atirou o jornalista.
A juntar a isso, o futebolista tem colecionado prémios individuais no continente asiático. No mês de dezembro, Son foi reconhecido como “Jogador Masculino do Ano” da Coreia do Sul, “Jogador Asiático do ano” para a federação asiática e “Melhor Futebolista da Ásia”. No entanto, o sucesso do jogador do Tottenham vai além do seu continente. Em novembro do ano passado a ‘ESPN’ colocou-o como o quinto melhor extremo do mundo, numa lista liderada por Mané e Sterling. Para além disso, o jornal inglês ‘The Guardian’ apontou o sul-coreano à 19.ª posição da lista anual dos “100 melhores futebolistas no mundo”. Son esteve também presente na lista final de 30 nomeados à Bola de Ouro, sendo o único asiático a figurar no elenco.
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