A Cultural Leonesa, da II Divisão B, fez ontem cair da Taça do Rei um Atlético Madrid com João Félix e vários habituais suplentes em campo. Por cá, o debate vai ser o de sempre: há os que dizem que Félix é fraude e os que respondem que ele é o maior. A mim, porém, não é isso que me cansa as meninges. Acho que vale a pena refletir acerca do uso do talento por parte de Diego Simeone e da identidade “Atleti”. Porque viver na mesma cidade do Real Madrid tem de ter interferência no DNA de um clube.
No final do jogo de León – onde, diz a imprensa espanhola de hoje, Félix, a jogar como falso nove, na alimentação a dois avançados a partir das alas, até foi o melhor dos rojiblancos – Simeone foi ao mesmo tempo responsável e irónico. O treinador argentino falou das ocasiões de golo que a equipa perdeu, assumiu total responsabilidade nos resultados, mas não deu o salto seguinte, quando lhe falaram em “final de era” ou lhe perguntaram se esta era “a maior desilusão de todos os anos que leva à frente da equipa”. “Tivemos momentos complicados em todas as épocas. Quando ficamos fora da Champions, quando perdemos duas finais…” Isto é mais ou menos o mesmo que dizer: “não me aborreçam com a Taça do Rei, que a minha bitola está muito mais lá em cima”.
Ora é preciso pensar no que era o Atlético antes e depois da chegada de Simeone. O argentino chegou ao clube no Natal de 2011, para ocupar o lugar de Gregorio Manzano, precisamente porque a equipa tinha caído na Taça do Rei ante o Albacete Balonpié, da II Divisão B – mas com duas derrotas, que no formato anterior da prova jogava-se a duas mãos. Nos oito anos anteriores à chegada de Simeone, o Atlético tivera sete treinadores e conquistara zero títulos, não passando de dois quartos lugares na Liga e chegando mesmo a acabar temporadas no 10º ou 11º lugares. Em oito anos com Simeone – com exceção da primeira meia-época, que acabou em quinto lugar – o Atlético nunca foi pior do que terceiro na Liga, ganhando-a mesmo uma vez. Além disso, venceu duas vezes a Liga Europa, outras tantas a Supertaça Europeia, uma Taça do Rei, uma Supertaça de Espanha e chegou duas vezes à final da Liga dos Campeões.
A intelectualidade futebolística espanhola queixa-se do futebol da equipa, acusando Simeone de olhar sempre para os mesmos atributos, que são a garra e a combatividade, e de continuar a desperdiçar talento. Que este Atlético precisa de dar o salto, de atacar mais e melhor em vez de continuar a centrar todas as fichas na capacidade defensiva. De facto, posso concordar que faz pouco sentido uma equipa que vive na sombra do charme do Real Madrid, o clube dos galácticos, andar a gastar às centenas de milhões de euros em aquisições, como fez este ano o Atlético. De acordo com os números do Transfermarkt, só no último Verão foram 243 milhões de euros em João Félix (126), Llorente (30), Hermoso (25), Trippier (22), Felipe (20) e Lodi (20). E posso concordar igualmente quando se diz que jogadores como João Félix não fizeram a melhor das escolhas, ao assinar por um clube cujo DNA é este, de combatividade, de lutar contra o lustro dos poderosos.
Mas, embora saiba que no futebol tudo tem o seu tempo – e que os períodos num clube se esgotam com os anos – já não consigo dar o salto seguinte. Porque não vejo melhor treinador para o Atlético do que Simeone. Nem outra saída para um projeto que é e será sempre alternativo. Só assim o Atlético poderá discutir – mesmo perdendo, que é o mais provável – a eliminatória da Champions com o invencível Liverpool FC, já no mês que vem.