Frederico Varandas vai apresentar hoje Jorge Silas como o quarto treinador em um ano na presidência do Sporting e, apesar do desencanto geral, bem expresso nos cânticos e nos insultos que ontem se ouviram a partir do topo sul do estádio, ainda haverá nos adeptos do clube quem queira tentar perceber se o ex-Belenenses SAD será homem para salvar alguma coisa no caos que têm sido os últimos três ou quatro meses. Se Silas pode ser o Mourinho do Sporting, quando chega ao clube em circunstâncias muito semelhantes às que lá encontrou, por exemplo, Carlos Manuel, o quarto treinador do clube em 1997/98, depois de Otávio Machado, Francisco Vital e Vicente Cantatore. E isso, apesar das dificuldades representadas por uma estrutura que falhou redondamente aos últimos ocupantes do cargo, também dependerá muito dele.
As maiores dúvidas que se colocam acerca das possibilidades de Silas ter sucesso no Sporting têm a ver com dois aspetos que ele não pode, para já, controlar. Primeiro, a falta de currículo. Até Novembro, Silas não poderá sequer figurar nas fichas de jogo como treinador, porque não lhe foi ainda permitido certificar-se com o nível necessário – para frequentar o curso são precisos dois anos de experiência que ele ainda não tem. A questão, contudo, não é apenas académica. O que é que já fez Silas para justificar que lhe entreguem a condução do plantel do Sporting? Pouco, na verdade. Tem um 12º lugar – depois de ter sucedido a Domingos Paciência, a meio da época – em 2017/18 e uma nona posição em 2018/19, sempre à frente da equipa da Belenenses SAD. Foi dali demitido já nesta temporada, com apenas uma vitória nos últimos 15 jogos oficiais que por lá fez e cinco desafios sem marcar golos na presente época. Ora isso pode ser um problema, sobretudo ao nível da aceitação, tanto externa – pelos adeptos – como interna – pelos jogadores, muitos dos quais até ganharam à equipa de Silas por 8-1 em Maio. E é aí que começa o papel da estrutura de suporte a um treinador que, para ser escolhido, tem de ser amparado.
O segundo aspeto que Silas não pode controlar é o plantel, que é o mais desequilibrado em termos de qualidade que o Sporting tem desde o ano de Marco Silva. Não há um ponta-de-lança capaz de concorrer com Luís Phellype, há excesso de extremos (outo a concorrerem por dois lugares no onze), falta um médio-centro com capacidade para comandar a saída de bola, os laterais são medianos e não está lá um guarda-redes acima de quaisquer suspeitas. Jogadores verdadeiramente acima da média só restam dois, que são Bruno Fernandes e Vietto (este ainda não aproveitado), que Mathieu está a envelhecer, Acuña desperdiça energia por falta de clarividência, Wendel parece muito errático e Coates vive um pesadelo do qual tarda em acordar. Muita coisa para ter de se lidar com o grau de exigência sempre presente numa equipa como a do Sporting e que até Janeiro não pode ser corrigida – mesmo aí, poderá ser equilibrada, mas nunca em altas, porque dinheiro é certamente algo que não sobra nos cofres de Alvalade.
É verdade que os resultados no consulado de Leonel Pontes – um empate e três derrotas – podem funcionar de duas formas para Silas. Se por um lado evidenciaram as dificuldades que ele vai encontrar, por outro ter-lhe-ão ganho tempo, pela quebra geral de expectativas. Mas o sucesso do novo treinador não depende disso. A Silas reconheço muitas capacidades no plano estratégico e a inteligência que lhe permitirá definir uma visão para o futebol do clube no médio-longo prazo. Não sei ainda – ninguém saberá, na verdade – se no plano do treino é forte ou fraco, embora o facto de ter trabalhado com José Mourinho (na UD Leiria), Carlos Carvalhal e Jorge Jesus (no Belenenses), três dos melhores portugueses no trabalho de campo, possa funcionar como atestado de eventual competência. Não sei ainda – ninguém saberá, na verdade – se será capaz de impor uma liderança ao mesmo tempo firme e serena a um plantel que precisa de entender que neste momento vale muito mais no papel do que no campo e que, por isso, tem de seguir um caminho diferente do que o trouxe até aqui e cerrar fileiras de forma a assegurar objetivos.
O plano, de qualquer modo, parece ser de pura sobrevivência. Esta época, a ideia já passará somente por assegurar a honra, por salvar a face, de forma a que na próxima possa trabalhar-se para outros objetivos. Falta isso: criar condições para que, em Julho de 2020, a ideia que leva hoje à contratação de Silas ainda seja válida. Para que Silas possa queimar etapas e passar já da fase-Carlos Manuel ao plano Mirko Jozic – o treinador que Roquette contratou em 1998, com a ideia da aposta na formação, e que a esta distância se percebe que iniciou o trabalho que levou à conquista do campeonato de 1999/00 por Augusto Inácio.