Sérgio Conceição não lida lá muito bem com um fenómeno que sempre marcou o futebol, que é a subjetividade. Geralmente, explica-se antes dos jogos e explode depois deles, dos que não correm bem, sobretudo. Ainda ontem, acerca de Marega, foi explicativo: “Quando ele jogava, diziam que éramos previsíveis. Agora que não joga, dizem que somos previsíveis”. A questão é que em futebol nada vale por aquilo que na verdade é a não ser um resultado. Tudo o resto é subjetivo e depende sobretudo da ideia que se tem sobre uma equipa, um jogador, um tipo de futebol. E o treinador do FC Porto já anda no futebol há anos suficientes para que isso deixa de lhe fazer cócegas.
Vamos começar com um exemplo internacional, para não ferir suscetibilidades. Como olha para o que se passou no último Chelsea-Ajax? Os miúdos do Ajax chegaram a estar a vencer por 4-1 em Stanford Bridge, mas os miúdos do Chelsea conseguiram salvar um ponto, num 4-4 final entusiasmante, facilitado pela panne de dois dos mais experientes em campo, Blind e Veltman, que se fizeram expulsar por acumulação de amarelos no mesmo lance (o árbitro deu a lei da vantagem na primeira falta mas não poupou o amarelo), ainda por cima um lance que culminou em penalti e golo. Futebol entusiasmante, ritmado, jogo emocionante, com recurso àquele chavão do “impróprio para cardíacos”? Ou prova de incapacidade defensiva, de falta de noção do que é o futebol de alta competição, de peso excessivo da juventude à qual falta o tempero da experiência?
Com o futebol do FC Porto passa-se o mesmo. Com Marega: demasiada precipitação na busca da profundidade, jogo muito vertical ou exploração do espaço e demonstração de capacidade para ferir o adversário com rapidez? Sem Marega: circulação muito lenta e excessivamente elaborada, com falta de profundidade ou controlo do jogo pela posse e capacidade para marcar o ritmo de forma mais ponderada? Depende sempre da cor dos olhos de quem observa, da convicção de cada um acerca do que deve ser o futebol ou, no limite, do resultado, da bola que entra ou bate na barra. Porque não há futebóis perfeitos e o segredo está sempre na possibilidade de medir bem os prós e os contras de cada aproximação que se faz ao jogo.
E atenção que não é só o FC Porto a sofrer isto na pele. Vejamos mais casos recentes. Bruno Lage tem a coragem de lançar miúdos ou é um inconsciente porque lança miúdos? Depende se a equipa perde três jogos em quatro na Champions ou se um desses miúdos é vendido por 120 milhões de euros. Jorge Silas está a dotar o Sporting de um futebol apoiado com muitas finalizações às quais falta a eficácia ou está a insistir numa circulação estéril, sem acutilância em zonas de criação, forçando a equipa a finalizações de fora, sem grandes hipóteses de sucesso? Depende se se ganha ao Vitória SC ou se se perde com o CD Tondela. A saída a jogar desde trás do FC Famalicão é boa, como em quase todos os jogos que os minhotos ganharam, ou uma ingenuidade incomportável, como na derrota no Dragão? Depende da convicção de cada um, ainda que se acha que está tudo comprado isso diga mais acerca de si do que dos protagonistas.
O futebol não é uma ciência exata. Podemos tentar compreendê-lo, explica-lo, teorizar sobre ele, mas nunca ninguém vai convencer o outro da maior validade das suas ideias. Aceitar isso é perceber o contexto em que vivemos.