Não foi há muito tempo que o CD Cova da Piedade parecia um dos clubes em ascensão mais pronunciada no futebol português. Hoje, a história é bem diferente. Quatro anos depois de ter feito história, ao alcançar o feito inédito de participar nos escalões profissionais, em subida consolidada desde o distrital, o emblema dos arredores de Almada viu a pandemia de Covid-19 impedi-lo de lutar pela manutenção na II Liga. Com dez jornadas ainda por cumprir na competição, 30 pontos em jogo e a sete de distância da salvação, que podiam vir a ser quatro, caso vencesse o jogo que lhe faltava perante o Vilafranquense, o clube viu-se, tal como o Casa Pia, perante uma despromoção sentenciada sem dó, nem Piedade.
A decisão é “disparatada, exagerada e demasiado penalizadora”, diz-nos Paulo Rico, uma das vozes do futebol em Portugal, ora na rádio, ora na televisão. Hoje, podemos ouvir Paulo Rico na Rádio Comercial e na M80, bem como a narrar jogos de futebol na Eleven Sports ou no ZAP, mas por altura da promoção do CD Cova da Piedade à II Liga, ele colaborava com o clube em muitas das matérias relacionadas com a comunicação. “Não tenho dúvidas de que a Liga tentou encontrar uma solução menos penosa para os clubes, mas o que é um facto é que o CD Cova da Piedade e o Casa Pia acabam por sair prejudicados, ou mais prejudicados do que outros clubes. Porque uma coisa é jogar num campeonato profissional, outra é jogar no Campeonato de Portugal, onde as receitas são quase nulas. E chegar à II Liga não é nada fácil, pois o CP tem equipas de muita qualidade. Na minha opinião a II Liga teria de ser alargada a mais duas equipas, neste caso, as equipas que subiram, mas a liga assim não entendeu”, lamenta Filipe Godinho, o melhor marcador do CD Cova da Piedade na subida de divisão de 2015/16, hoje ao serviço do FC Alverca, onde lutou pela subida à II Liga. Sem sucesso.
Mas voltemos a 2016. Esse foi, para o CD Cova da Piedade, o ano para recordar. A subida à segunda divisão portuguesa foi o culminar de um trajeto ascensional que se iniciara quatro anos antes no regresso aos escalões distritais e à 1ª Divisão da AF Setúbal, após presença na então III Divisão. Primeiro com um quinto lugar entre os melhores do distrito e, depois, em 2012/13, como campeão, garantindo presença no recém-formado Campeonato Nacional de Seniores. A ascensão dos piedenses não se ficou por aí.
Ano após ano a melhorar a classificação na competição, o CD Cova da Piedade foi ameaçando sempre cumprir aquilo que acabou por conseguir em 2015/16. Primeiro quarto, depois terceiro, sempre a poucos pontos dos dois primeiros classificados da sua série na competição, posições que permitiam a presença na discussão pela promoção à II Liga. Em 2015/16, porém, o Piedade não deu hipótese. Venceu a sua série com mais seis pontos do que o Moura AC e terminou a fase regular do Campeonato de Portugal com o melhor ataque e a melhor defesa da Série H da prova.
Na segunda fase, deu mais uma prova de superioridade, terminando a Zona Sul com mais quatro pontos do que o Casa Pia. O Cova da Piedade garantia por isso logo ali uma promoção histórica ao segundo patamar futebolístico em Portugal e nem a cereja em cima do bolo faltou. Em Abrantes, perante o FC Vizela, na final nacional, impôs-se nas grandes penalidades após o 0-0 no tempo regulamentar, alcançando a II Liga como campeão do Campeonato de Portugal. Pela primeira vez em décadas, o concelho situado na Margem Sul do Tejo tinha um representante nos escalões profissionais do futebol português, com a primeira ascensão em muitos anos de uma equipa à II Divisão nacional. Na última vez que tal acontecera, o futebol português estava bem longe do paradigma atual. O Piedade, em particular, nunca havia vivido momento semelhante.
Com 2881 minutos jogados, Carlos Alves foi o jogador mais utilizado por Sérgio Boris numa época histórica para o clube da Margem Sul do Tejo, a da promoção. Hoje ao serviço do 1º Dezembro, o lateral esquerdo também vê alguma injustiça na decisão. “Não acho totalmente justo, mas devido a esta fase que estamos a passar, se calhar até foi o melhor já ter acabado a II Liga e o Campeonato de Portugal. Por outro lado, também não acho justo porque se vai haver I Liga tinha de haver II Liga”, diz-nos.
No mesmo sentido se manifesta Marco Bicho. Titular em todos os jogos em que participou nessa temporada, e foram 29, fazendo dele o sexto jogador mais utilizado, Bicho formou o eixo central do meio campo piedense com André Ceitil. Tambem este ex-jogador de Barreirense, Atlético, Estoril-Praia, Oriental, 1º Dezembro, Casa Pia e Pinhalnovense – só em Portugal -, considera injusta e pouco aceitável a decisão de despromover automaticamente o CD Cova da Piedade quando ainda estão dez jornadas por disputar. “Está completamente errado o que foi feito. Não tem nexo algum. Os campeonatos ganham-se dentro de campo. Não me recordo que alguma vez situação semelhante tenha ocorrido. Acho muito injusto. Se a I Liga joga, a segunda tem de jogar”, afirma o agora treinador. “Não sei se isto vai ao encontro de alguns interesses ou não, não faço ideia, mas levanta essa questão e faz com que as pessoas tenham o direito de pensar nisso”, completa.
Paulo Rico, por exemplo, vê alguma lógica nas subidas de divisão, mas não necessariamente nas despromoções decretadas pela Liga. “Não é por serem os clubes em questão, mas por faltarem dez jornadas. Havia 30 pontos em jogo, estava tudo em aberto, principalmente para o CD Cova da Piedade. Estava a sete pontos do adversário direto, com quem ia ainda jogar. Ninguém pode garantir que ficaria na Liga2, mas, honestamente, também ninguém podia garantir que os dois últimos seriam despromovidos”, prossegue o jornalista, considerando as descidas demasiado penalizadoras “até do ponto de vista moral”. “No Campeonato de Portugal, não houve descidas. Nas distritais também não”. “De bom senso seria alargar para 20 equipas, ou até 22, para sermos mais justos com as equipas do Campeonato de Portugal. Ou, em última instância, até subirem oito e fazerem-se duas séries…, mas isso já é outra questão! Já agora, convém lembrar que na época passada, nesta mesma 24ª jornada, estava em posição de descida o Farense… enquanto o FC Arouca, que acabou por descer, estava, nesta jornada em oitavo. Resumindo: ainda faltava correr muita tinta para se poder dizer que seriam estas as duas despromovidas”, desabafa Rico.
Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga
Todos estes testemunhos chegam de gente que conheceu o CD Cova da Piedade em temos de ascensão. De gente que sabe o que custa subir no Campeonato de Portugal, mas que também é capaz de identificar o que se fez mal desde então. “Eu subi duas vezes de divisão neste escalão. Uma com o Oriental e outra com o Piedade. O que aconteceu nos dois anos foi praticamente igual. Como se costuma dizer: os que lá estavam roeram os ossos e os que vieram a seguir comeram a carne. As pessoas acham que naquele ano tínhamos tudo e mais alguma coisa, que éramos a equipa que tinha mais investimento, mas isso é tudo mentira. Eu fui para o Piedade ganhar 450 euros. Se nós fossemos à segunda fase recebia mais 200 euros”, diz-nos Carlos Alves.
“Foi evidente que o clube não soube aproveitar a presença na II Liga. O núcleo forte da nossa equipa, no ano em que subimos, ainda ficou lá e isso é essencial para que as equipas se estabilizem na competição. Esse ano até nem nos correu assim tão mal, bem pelo contrário. Até dezembro correu bem, e depois lembraram-se de meter lá outras pessoas, que já andavam no futebol profissional há mais anos, como foi o caso do António Soares, que tinha sido presidente do Belenenses… Mudou tudo, mudou muito desde o despedimento do Sérgio Boris, e tudo mais, começando a ver-se que era tudo à base de interesses. Meteram-se lá pessoas supostamente a trabalhar e correu-se com outras que tinham feito um excelente trabalho, como o André Dias. Pessoas que lá estavam desde que o clube jogava na distrital e que eram excelentes pessoas, que nos davam tudo, não nos deixando faltar nada”, lamenta o jogador.
Até então o Cova da Piedade era um clube focado. Um clube onde todo e qualquer um remava para o sentido certo, mas isso não durou muito mais tempo. Após a subida à II Liga Portuguesa, foi criada uma sociedade desportiva (SAD) detida por investidores chineses, e nada mais foi igual. Como em tantos outros casos de Norte a Sul do país, a divisão fraturou o clube e este e SAD não mais se entenderam. “Com a entrada do investidor chinês as coisas correram bem ao início, mas depois a partir daí, na II Liga, quando chegou o António Soares e se meteu o André de parte, jogadores que eram o núcleo duro foram postos de parte e a partir daí começou a descambar”, explica-nos ainda Carlos Alves.
“A passagem pela II Liga foi muito mal-aproveitada. Nós acompanhámos toda a transição para uma liga profissional e o desastre que isso foi. O clube e a SAD nunca se entenderam e acho que nunca conseguiram criar uma estrutura estável para termos uma boa equipa de futebol. Ter dinheiro não é sinónimo de ele estar a ser bem investido. Aquilo a que assistimos ao longo destes anos foi a um entra e sai de funcionários no clube onde parecia não haver qualquer critério na seleção ou manutenção de profissionais a não ser algum encaixe financeiro por parte de algum representante dos mesmos. Vimos casos intrigantes e de gestão muito amadora. Os investidores claramente não percebem de futebol e os seus interesses vão bem mais para além das quatro linhas. Ao mesmo tempo, rodearam-se de pessoas que ainda menos interesse tinham em ajudar o clube e que pouco a pouco conseguiram sugar ou expulsar tudo o que de bom ele tinha. Não nos arrependemos de dar dois passos atrás e de voltar ao CNS, para que desta vez, caso tenhamos a mesma capacidade de subir, seja tudo feito de outra forma”, dizem-nos os Locais, principal grupo organizado de adeptos do emblema da Cova da Piedade.
No dia 8 de julho de 2019, por exemplo, foi público que a equipa principal do clube (gerida pela SAD) foi impedida de treinar no Estádio Municipal José Martins Vieira, devido a alegadas dividas da SAD para com o clube. Dias mais tarde, a 26 de julho, o clube acusou a SAD de lhe dever montantes a rondar os 750 mil euros, por motivos vários, incluindo vendas de jogadores ou subsídios da FPF.
Através de um comunicado aos sócios, assinado por todos os órgãos sociais, o CD Cova da Piedade referia então que a aprovação de contas da SAD reconhecia uma dívida ao clube de mais de 192 mil euros, bem como outras verbas referentes a subsídios da FPF (metade de cerca de 287 mil euros) e mais de 400 mil euros relativos a vendas de jogadores. O comunicado do clube revelava ainda que a SAD recebera da FPF um subsídio de mais de 33 mil euros para equipamento do estádio, “omitindo aos sócios” do clube o recebimento desta verba e referindo apenas que investira na aquisição de cadeiras e sistemas de controlo de entradas. O clube não se ficou por aí. Na mesma comunicação explicou ainda que votou contra o relatório de contas porque, “apesar de deter 10% da SAD, vinha sendo constantemente afastado da gestão da mesma” por motivos que “desconhecia”.
Só mesmo a 13 de agosto, poucos dias antes de se iniciar a temporada 2019/20, clube e SAD chegaram a um entendimento para que tanto a equipa Sub-23, como a equipa principal de futebol do Cova da Piedade pudessem disputar os seus jogos no Estádio Municipal José Martins Vieira. Em campo, o CD Cova da Piedade ressentia-se das divergências entre clube e SAD, naturalmente. E isto logo após uma temporada impressionante, em que terminou a II Liga na nona posição e chegou aos quartos de final da Taça de Portugal.
“O Piedade meteu-se a jeito. Desde o primeiro momento, quando o clube subiu de divisão, que faltou um bocadinho de estrutura e ter os pés bem assentes no chão. E quando é assim, e queremos sonhar um bocadinho mais alto e esquecemos algumas coisas importantes, o caminho não leva ao sucesso. A estabilidade era a coisa mais importante e o clube nunca a teve. Não tendo estabilidade, tudo se tornou mais complicado. A realidade é que tem sido sempre assim. Pelo que me parece, a estrutura do Piedade – jogadores, treinadores, diretores – nunca foi homogénea. Pode ter tido bons treinadores, mas nunca teve uma estrutura ao seu lado que os apoiasse e os ajudasse a fazer o seu trabalho. Pode não ter tido um bom diretor ao lado do treinador que o ajudasse. E isto vice-versa, pode ser realidade também para os jogadores”, diz-nos Marco Bicho.
“A realidade é que aquela nunca foi uma estrutura homogénea. Desde o primeiro ano, desde o dia da subida, nunca houve estabilidade… Sempre muita intranquilidade, que eu próprio acabei por viver e sentir. Embora com bons resultados, sentia-se que havia intranquilidade. E os resultados estão à vista. O clube tinha condições para estar na II Liga, mas ter condições por si só não chega. É preciso ter uma estrutura forte, e quando digo estrutura falo em tudo: posto médico, roupeiro, diretores, jogadores, treinadores, motorista… tudo. Estrutura é tudo. O clube tem de funcionar como um todo e só treinadores ou só jogadores por vezes não chegam, ainda para mais, quando chegamos a ligas profissionais”, desabafa o antigo médio.
“Houve uma discrepância abismal em termos de ordenados e as pessoas que lá estavam ficaram a saber, os jogadores que tinham renovado, que foi algo muito feio. Havia lá pessoal a ganhar mil e tal, quatro, cinco, seis… Tu é que andaste a roer o osso e os outros é que foram comer a carne. Não aproveitaram da melhor maneira a estadia na 2ª Liga. Não digo que todos os jogadores que foram buscar foram mal contratados, porque aí sou suspeito, mas a verdade é que havia dinheiro, investiram forte e andaram todos os anos a lutar para não descer de divisão. Só aí fica tudo dito”, diz-nos também Carlos Alves.
O antigo lateral do clube concorda com Marco Bicho no que a questões estruturais do clube diz respeito. “A partir daí ficou tudo mal estruturado. Uma coisa que tinha tudo para dar bem, porque tinha condições de topo, pessoas de topo, até à chegada do António Soares. Pessoalmente tive uma lesão no joelho, mais ou menos em março e fiquei parado até maio. O treinador e o António Soares reuniam-se comigo semana sim, semana não, porque estava para ser operado e supostamente queriam renovar comigo, e depois nunca mais me atenderam o telefone e deram-me um pontapé no cú. Não tenho nada contra o clube, mas em relação à SAD… Nada a apontar ao investidor chinês em termos de condições, ordenados, nada, mas foi muito mal-aconselhado. No ano seguinte já não sei, já não estava lá. Mas sei que houve investimento forte e estiveram outra vez a lutar para não descer e este ano foi igual”.
Falta de estrutura, má gestão e um desfecho inevitável
Com cerca de 170 mil habitantes, o concelho de Almada é o décimo primeiro mais populoso do país e o oitavo com a maior densidade populacional do país. Apesar disto, e de uma demografia jovem, o município situado na Margem Sul do Tejo continua sem conseguir ter um representante regular entre os maiores clubes de futebol do país. A ascensão do Cova da Piedade parecia ser um ponto de viragem neste buraco negro futebolístico, mas apenas quatro anos depois, os “Espanhóis” irão regressar à terceira divisão.
“O que eu acho é que o clube em si é top, mas depois de estarmos na 2ª Liga houve muita gente que se quis chegar perto do Kuong Chun Long porque sabia que havia dinheiro. Nunca faltou nada, era a tempo e horas, mas como se costuma dizer, comeram o Long de cebolada. Numa equipa em que tens jogadores a receber três, quatro mil Euros, não podes andar a lutar para não descer de divisão. Essa equipa tem de andar sempre lá em cima. Houve ali muita coisa desde essas mudanças que estragou o clube e o grupo. A seguir começou a haver muita divisão no grupo e muita desconfiança das pessoas. Despediram o treinador quando estávamos em oitavo e acabamos a lutar para não descer de divisão. Agora este ano aconteceu o que aconteceu, da forma que aconteceu, mas que no meu ponto de vista estava escrito. Era quase inevitável o Piedade descer”, diz-nos Carlos Alves.
“Pode ser que assim as pessoas no clube aprendam com os erros que cometeram. Não tenho nada contra o clube. Fui sempre bem recebido, adorei estar lá, no ano em que subimos tive o melhor ano da carreira e a melhor época que tive desportivamente, mas as pessoas que contrataram, que supostamente eram as pessoas corretas para o projeto, não o foram. Acho que foram para lá por interesses, pelo dinheiro, e os que lá estavam e deram tudo e mais alguma coisa para o clube chegar onde chegou é que foram penalizados”, desabafa. “Quem lá estava foi colocado de parte, houve rescisões de contrato, e na segunda parte da primeira época na Segunda Liga já não estava lá ninguém que supostamente levou o clube aquele lugar”.
“O problema do Piedade sempre foi a estrutura e o facto das pessoas ambicionarem de mais e não serem mais humildes tendo os pés mais assentes no chão. Por vezes termos muito dinheiro e pensarmos que o dinheiro é tudo, mas não é. O facto de o Piedade não ter sabido aproveitar essas condições é mau. É um clube apetecível, bem situado. A Margem Sul precisa de clubes fortes para competir com os do Norte e é uma pena. A realidade é que o Piedade se meteu a jeito para descer de divisão, embora não nesta situação. Desta maneira acaba por ser muito injusto e nada correto. Acima de tudo não é correto”, atira Marco Bicho.
“Sinto que o clube fez um trabalho excecional na chegada à liga e depois sinto que a partir daí houve algumas situações que falharam. Refiro-me à gestão dos recursos que foram muitos, pelo menos em termos financeiros, recursos esses mal geridos. O clube nunca encontrou o rumo certo, falhou em muitas contratações, quer de jogadores quer de treinadores, quer até de diretores desportivos ou de team managers como se diz nos tempos que correm. O clube nunca teve uma massa associativa que obrigasse os jogadores a dar mais nos momentos difíceis em que é preciso sentir a camisola. E não me refiro propriamente à época atual, mas outras também, em que se podia e devia ter feito mais e melhor com as condições que o clube sempre ofereceu. Agora é trabalhar no duro para voltar às ligas profissionais”, confessa-nos Filipe Godinho.
Em 2018/19, por exemplo, o Cova da Piedade já ameaçava a despromoção. Era já uma equipa a lutar pela vida e só dois pontos separaram o clube almadense da descida de divisão numa época em que chegou mesmo a bater no fundo da classificação. Algo que até podia ter sido usado como exemplo, em 2019/20, para que não tivesse sido decretada uma descida de divisão na Segunda Liga quando ainda há 30 pontos em disputa. Uma despromoção sem dó, nem Piedade. Terá sido esta uma oportunidade desperdiçada pelo clube?
“Talvez não. O salto do Campeonato de Portugal para a 2ª Liga é tremendo a todos os níveis. Recordo que no ano que o CDPD subiu, acompanhou AD Fafe e FC Vizela. Destas três, a única que se aguentou no ano seguinte foi mesmo o CDCP, um estreante e inexperiente clube, cuja estrutura organizacional teve de se reinventar à pressa e de se equipar com infraestruturas condizentes com uma prova profissional. Ficou 4 anos na 2ª Liga… e acabou por descer na secretaria! Ou seja, dentro de campo conseguiu sempre os objetivos. Recebeu jogadores de 1ª Liga (alguns deles com passagens pelos grandes), treinadores experientes de 1ª Liga e proporcionou aos adeptos jogos e espetáculos com adversários impensáveis há uns anos. Ainda assim fica a ideia de que o clube se pôs a jeito. Estava habituado a remediar com o mercado de inverno os erros da má planificação da época. Este ano, “deu” uma volta de avanço aos adversários e acabou por pagar a fatura! A má relação (que é pública) entre clube e SAD também não ajudou seguramente a ganhar estatuto e credibilidade dentro da organização profissional da Liga e desse ponto de vista, desperdiçou uma oportunidade de se afirmar, até porque creio que será mais difícil subir do CP à 2ª Liga do que a manutenção na competição”, diz-nos Paulo Rico.
Numa altura em que o futebol semiprofissional em Portugal prepara uma revolução nos seus quadros competitivos e uma III Liga irá surgir entre os escalões profissionais e o Campeonato de Portugal, a despromoção por via administrativa de Cova da Piedade e Casa Pia parece especialmente penalizadora para os clubes. Afinal, caso nenhum deles alcance a promoção na próxima temporada à III Liga e apenas se mantenha no Campeonato de Portugal, cairão duas divisões sem que na verdade, dentro de campo, tenham sido despromovidas desportivamente. Deveria isto ter sido tido em conta por parte da FPF?
“Creio que sim. O único escalão em que houve descidas administrativas foi na Liga Pro, até ver. Reforço que com 30 pontos em jogo, havia muito por discutir e mais injusta se tornam as descidas. Mais valia fazer-se um alargamento para 20/22 equipas ou então ninguém subia do CP. Já que para o ano vai haver mexidas a nível de competições, ou seja, uma espécie de ano zero, acertava-se mais tarde o quadro competitivo. Assim mais penalizador se torna a descida”, analisa Paulo Rico.
Uma despromoção sem dó, nem Piedade
Por altura da interrupção da competição, se olhássemos para a classificação de 2018/19 e de 2019/20 não veríamos grande diferença no que ao Cova da Piedade diz respeito e, a verdade, é que o clube acabou por se salvar. E, mesmo que esta temporada o emblema almadense tenha ocupado uma das duas últimas posições desde a jornada nove, o clube surgia relativamente revitalizado pela chegada de João Alves ao comando técnico da equipa.
Com 1.13 pontos por jogo de média desde que assumiu o Cova da Piedade, o Luvas Pretas, trouxe uma competitividade completamente diferente daquela que Casquilha conseguiu incutir no clube. Em treze encontros, o treinador que iniciou a temporada na Piedade não foi além de duas vitórias e um empate em treze jornadas numa média de 0.54 pontos por jogo. Situação que, aliás, nos é recordada pelos Locais, o principal grupo organizado de adeptos do clube e que acompanhou toda a ascensão do clube nos últimos anos.
“A época vinha a ser desastrosa, mas com a chegada do novo mister as coisas pareciam estar a endireitar. Agora, de cabeça fria, conseguimos entender a decisão da Liga pois é uma questão muito difícil de gerir financeira e logisticamente. É impossível realizar todos os jogos de todas as ligas com as limitações atuais. Mas 10 jogos com o nosso novo mister, levam-nos a acreditar que o desfecho poderia ter sido outro”, dizem-nos. “Acredito que esta descida vai levar a uma enorme reflexão de clube e SAD, com dois caminhos possíveis: ou se unem e tentam, juntos, o regresso. Ou vai cada um para o seu lado e o clube vai acabar por cair mais ainda…”, lamenta Paulo Rico.
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