O Rio Ave pode protagonizar um golpe de teatro no fim-de-semana. Os vilacondenses entram para a próxima jornada da Liga na quinta posição, mas têm a oportunidade de a acabar no pódio. Para isso acontecer, os comandados de Carlos Carvalhal precisam de bater o Sporting e de uma vitória do Benfica perante o SC Braga. A melhor classificação que o clube conseguiu na história foi um quinto lugar, feito alcançado em 1981/82, com Mourinho Félix, e 2017/18, com Miguel Cardoso. Na mais antiga dessas épocas, em que até um tal José Mourinho fazia parte do plantel, foi o “espírito de equipa” o superior argumento a potenciar um emblema com o orçamento do Rio Ave até lá acima.
São 32 os pontos que colocam o Rio Ave no quinto posto deste campeonato. A equipa de Carlos Carvalhal tem passado por alguns momentos positivos e vive atualmente uma série de resultados proveitosa. É numa sequência de quatro jogos sem perder que os rioavistas se preparam para receber o Sporting (três vitórias e um empate). O futebol praticado pela equipa tem chamado a atenção dos olhos mais atentos e há mesmo quem não estranhe em nada a possibilidade de uma presença no pódio ao fim da 21.ª jornada. “O Rio Ave de hoje é uma equipa que assume o jogo e que joga de igual para igual contra qualquer adversário”, começou por considerar Duarte Sá, figura histórica do clube que integrou esse plantel de 81/82. “A possibilidade de terminar a próxima jornada na terceira posição não pode surpreender quem, como eu, tem acompanhado a equipa. Surpreende-me, isso sim, que tenha tido, ao longo da época, algumas fases em que esteve claramente abaixo daquilo que realmente vale”, realçou.

Ora, a verdade é que até nem são assim tantas as semelhanças entre o conjunto do Rio Ave que conseguiu estar entre os principais clubes do nosso futebol pela primeira vez e aquele que pode fazer história nesta época. Por exemplo, até o estilo de jogo era distinto: na altura assentava maioritariamente no contra-ataque, o que não acontece nos dias que correm, segundo explica ainda Duarte Sá. Um dos colegas do ex-capitão foi José Manuel Moreira, para quem são também patentes as diferenças dos anos 80 para o que se passa atualmente nos relvados. “Na nossa época era bem mais difícil ir ganhar a casa dos grandes”, reiterou o antigo médio, que passou também por Boavista e Salgueiros, entre outros. No entanto, nem tem sido por aí que o Rio Ave de 2019/20 tem talhado o trajeto rumo aos lugares cimeiros. Os vilacondenses foram derrotados nas deslocações aos redutos de Benfica (2-0) e SC Braga (2-0) para o campeonato e, embora não tenham ido ainda ao Dragão, perderam na receção ao FC Porto por 1-0. Ainda assim, existem motivos para que Carvalhal vislumbre o próximo adversário com bons olhos: é que já enfrentou o Sporting por duas vezes nesta temporada, ambas em Alvalade, e saiu triunfante (3-2 para o campeonato e 2-1 na Taça da Liga). Será, então, assim tão descabido que a equipa comece a pensar na possibilidade de atingir o pódio do principal escalão?
Os ingredientes para um sucesso inesperado
Embora o Rio Ave de hoje esteja mais pautado para andar na luta pelos lugares europeus (desde 2015/16 que fica acima do sétimo lugar), há uns anos não era bem assim. Um dos motivos para este crescimento passa por uma maior “consolidação financeira” e “popularidade”, de acordo com José Manuel Moreira. Quais foram, assim, os ingredientes que levaram esse plantel de 1981/82 a trilhar caminhos que o emblema de Vila do Conde atinge com maior regularidade por agora? “Foi fundamental haver espírito de equipa, com camaradagem, um bom ambiente e um treinador muito amigo, que fez um trabalho excelente. O Mourinho Félix proporcionava um ambiente de trabalho espetacular”, contou José Manuel Moreira. De facto, o impacto que o antigo treinador e pai de José Mourinho teve é notável aos olhos de muitos.
Duarte Sá diz mesmo que o Rio Ave dessa temporada, que tinha sido recém-promovido à I Divisão, foi construído à medida por Mourinho Félix. Até porque nesses tempos “eram os técnicos que mandavam e não as direções e SADs de clubes”, segundo José Manuel Moreira. “O plantel era reduzido, mas tinha um grupo base de 15-16 jogadores, muito equilibrado. A equipa foi construída de trás para a frente, como costuma dizer-se. Assentava numa organização defensiva muito boa, sobretudo por ação de um meio-campo muito forte, e jogava muito bem em contra-ataque. O Mourinho Félix teve um papel decisivo na construção da equipa. Tinha chegado a meio da época anterior, idealizou o sistema de jogo, aproveitou os jogadores que lhe interessavam da equipa da II Divisão e mandou contratar o que precisava para construir uma equipa de acordo com a sua filosofia de jogo”, recordou Duarte Sá.

Por isso mesmo, esse plantel era constituído por muitas caras novas e jogadores que acabavam de se conhecer. Seria de esperar alguma falta de entrosamento natural por esse preciso fator, mas foi o contrário que sucedeu. 30 partidas depois, foi em quinto lugar que o Rio Ave terminou esse campeonato, para o que em muito contribuiu a primazia pelo coletivo ao invés do individual. “Era uma equipa cujo valor era superior ao somatório dos valores de cada um dos jogadores que a compunham”, salientou Duarte Sá, destacando ainda que “ter um bom treinador e adeptos excelentes foram igualmente fatores importantes”.
Já que se fala aqui nesse plantel de 1981/82, é de salientar a presença em Vila do Conde de um miúdo com o nome de José Mourinho. Com 19 anos, o agora treinador acabou por não somar nenhum minuto pela equipa principal, mesmo tendo sido convocado um par de vezes. A carreira de futebolista acabou por ser pouco proveitosa para Mourinho, embora haja quem pense que poderia ter dado futebolista com uma certa bitola. “Ele era um miúdo. Na liga de reservas marcou 42 golos. Foi convocado uma ou outra vez. Era muito habilidoso, daria um jogador mediano ou até mais”, considerou José Manuel Moreira, ao referir ainda que naqueles tempos ser filho do treinador funcionava como entrave à presença entre as escolhas principais.
Uma caminhada ou um destino ambicioso
O Rio Ave está bem e recomenda-se. É um facto. No entanto, tal como seria expectável, Carlos Carvalhal faz o papel de comandante e não atribui demasiada importância ao lugar que a equipa ocupa neste momento nem fala ainda em competições europeias. Nas palavras do técnico, um campeonato faz-se a caminhar e não em busca do destino. “As posições na tabela classificativa, neste momento, são circunstanciais. Está assim agora, mas dentro de algumas jornadas pode estar ao contrário. Somos ambiciosos e queremos sempre olhar para a equipa que está à nossa frente, mas falamos em caminhada e não em destino”, referiu, antes de defrontar o CD Aves, na jornada mais recente do campeonato.
É desta forma que Carvalhal tenta, porventura, retirar algum tipo de pressão que possa começar a existir sobre os atletas pela subida na tabela e a possibilidade de chegar a patamares ainda mais cimeiros. Ainda assim, é compreensível que as últimas épocas façam com que haja algum tipo de exigência em Vila do Conde. Não se pode colocar de parte o trabalho que tem vindo a ser realizado. Em termos de comparação, era precisamente o oposto disso que acontecia em 1981/82.

“Se essa equipa tinha algum defeito creio que até era seguramente a falta de ambição. Tínhamos acabado de subir à I Divisão, ninguém se atreveria a exigir mais do que a permanência. Por isso, pressão foi coisa que nunca houve e os jogadores nunca sentiram obrigação de conseguir mais. Hoje, sou obrigado a admitir que, possivelmente, em determinada fase do campeonato, talvez alguma pressão tivesse ajudado a conseguir melhores resultados – numa fase mais avançada do campeonato a equipa teve menor compromisso”, confidenciou Duarte Sá. Porém, a figura histórica dos vilacondenses considera que o clube está atualmente num nível distinto de preparação para chegar a altos voos do que estava quando deu os primeiros passos entre a elite nacional. “Tenho de admitir também que, naquela altura, o clube não estava preparado para competir nas provas da UEFA”, ressalvou.
Por falar em provas europeias, Carvalhal veio recentemente a público dar conta de que “assinava já por baixo” dobrar a pontuação do Rio Ave na primeira volta. Ora, a equipa terminou a 17.ª jornada com 25 pontos, pelo que o treinador ficaria satisfeito se chegasse a maio na bitola dos 50. Vamos, então, a um mero exercício. Na época passada, essa pontuação dava para ficar na sétima posição da Liga Portuguesa (fora das competições europeias). Em 2017/18 para o sexto lugar (precisamente um posto abaixo e com menos um ponto do que o Rio Ave acabou esse campeonato). Em 2016/17 daria também para o sexto posto e já dentro de zona de acesso à Liga Europa. Na temporada anterior a essa, exatamente o mesmo. Por aqui dá para perceber aquilo que Carvalhal poderá pretender com a conversa de dobrar a pontuação.
Cobiça ao líder de projeto assente no futebol positivo
Carlos Carvalhal assumiu o comando técnico do Rio Ave no início desta época, depois de um período sabático desde que tinha saído do Swansea City, em maio de 2018. A verdade é que o trabalho levado a cabo em Vila do Conde já chamou a atenção de clubes estrangeiros e o Rio Ave viu-se mesmo forçado a tomar uma posição já em janeiro deste ano. Os vilacondenses asseguraram a continuidade do timoneiro até ao fim da temporada. O projeto interessado era o Bragantino, recém-promovido ao principal escalão brasileiro, muito provavelmente movido também pelo recente ida de técnicos lusos até terras canarinhas.
Mas não é de estranhar que Carvalhal desperte interesse por outros palcos. É que a caminhada do Rio Ave tem sido feita de resultados, mas também de um futebol positivo, assente na posse de bola. Prova disso mesmo é o facto de ser a quinta equipa com maior percentagem de posse de bola no campeonato, com 53 por cento. Acima estão apenas FC Porto (57,3%), SC Braga (56%), Sporting (55,4%) e Benfica (53%). Para além disso, os rioavistas ocupam precisamente o mesmo lugar no que concerne ao acerto de passe, com uma percentagem de 81,1%. Acima estão Sporting (83,4%), FC Porto (83,2%), Benfica (83,1%) e SC Braga (81,4%).

Em termos de finalização, embora seja somente o oitavo melhor ataque da Liga Portuguesa – soma 28 golos -, o Rio Ave também não remata assim tanto – é apenas a 12.ª equipa com mais remates por jogo na competição (10,2). Estes dados a juntar ao facto de ser o segundo conjunto mais disciplinado da prova (41 amarelos e três vermelhos) fazem com que se olhe com atenção redobrada para aquilo que Carvalhal está a levar a cabo em Vila do Conde.