No futebol ucraniano há um antes e um depois declaradamente vincado. Desde que Rinat Akhmetov assumiu as rédeas do Shakhtar Donetsk, nada mais foi igual. A ascensão à presidência do clube foi trágica, mas desde então o emblema do sul da Ucrânia assumiu-se como a força maior do futebol do país, ocupando um trono que há muito era ocupado pelo Dínamo Kiev. No passado fim de semana, sob o comando técnico de Luís Castro, o Shakhtar venceu o seu 13º título. Todos eles, claro está, desde que Akhmetov se tornou presidente. Numa história à qual não falta, sequer, Donald Trump.
Para começar a contar esta história recuamos a 1995, ano da trágica subida ao poder de Rinat Akhmetov. Akhmetov era vice-presidente do Shakhtar Donetsk quando uma bomba detonou no antigo estádio do clube e vitimou o presidente Akhat Bragin, de quem Akhmetov era o braço direito. Akhmetov escapou marginalmente com vida e assumiu a liderança do futebol do clube imediatamente, ascendendo à presidência um ano após o assassinato de Bragin. De Bragin nada sobrou após a explosão (que vitimou ainda cinco guarda-costas). Aliás, só foi identificado devido ao relógio de ouro que sempre usava e que foi encontrado no que restou do seu braço.
Desde então, o investimento do magnata ucraniano no clube tem sido quase infinito. Ora em jogadores e técnicos, ora em infra-estruturas que até certa altura – eclosão da guerra civil ucraniana – fizeram do Shakhtar Donetsk um dos clubes mais modernos e poderosos do Mundo. Os resultados estão à vista. Desde 1996, o Shakhtar venceu 13 títulos nacionais, doze das 13 Taças da Ucrânia com que conta no palmarés, oito Supertaças e até uma Taça UEFA, em 2008/09. Tornou-se no primeiro clube ucraniano a conseguir uma vitória internacional desde a independência e consequente desmembramento da União Soviética. Quase todos esses títulos tiveram a marca de Mircea Lucescu e, acima de tudo, foram conquistados com uma armada impressionante de jogadores brasileiros.
Rinat Akhmetov foi sempre o homem certo, no local certo, à hora certa. Como em meados dos anos 90 do século XX, quando aproveitou a privatização a baixos custos de matéria combustível, como o petróleo, o carvão ou o gás natural, para então fazer fortuna, ao ponto de hoje ser o homem mais rico da Ucrânia, bem como aquele que mais impostos paga e o maior empregador do país. A aproximação a Bragin, ainda em tenra idade – e, segundo alguns especialistas em atividade criminal, um início de carreira pouco legal, servindo como “enforcer” do clã de Bragin – foi chave para o futuro que se seguiu.
Este olho para o negócio até no futebol se viu, com a aposta no mercado sul americano e em jogadores diferenciados, que muitos milhões de euros já valeram em vendas, num modelo de negócio dispendioso, mas lucrativo. Willian, Fernandinho, Douglas Costa ou Alex Teixeira são, muito provavelmente, os principais exemplos disso mesmo. Com uma rede de scouting bem desenvolvida e especialmente incidente na América do Sul, liderada pelo português José Boto, não é de estranhar que onze jogadores do plantel às ordens de Luís Castro sejam brasileiros.
Nascido em 1966, filho de uma empregada doméstica e de um mineiro – as minas são, ainda hoje, a maior indústria do leste ucraniano e em especial da zona de Donetsk de onde é natural (o símbolo do Shakhtar tem picaretas e não é por acaso) -, foi na adversidade que Akhmetov prosperou. Afinal, toda a sua família é muçulmana tártara, uma minoria étnica na zona da Península da Crimeia, região que, à semelhança do país e da própria Rússia, viu vários oligarcas subirem ao poder e tomarem conta dos seus destinos económicos.
No caso de Donetsk, ainda antes de Akhmetov se tornar todo poderoso, esse “trono” era ocupado por… Akhat Bragin. Ele mesmo. Até 1995, ano do seu assassinato, Bragin era o homem mais poderoso, influente, respeitado e até temido de toda a Ucrânia oriental. Não é, por isso, de estranhar que muitos ainda hoje suspeitem da conveniência da morte de Bragin para Akhmetov e acreditem piamente no envolvimento do agora todo poderoso oligarca na mesma, quase sempre debaixo de rumores ligados a corrupção e negócios ilícitos relacionados com vendas de armas – muitos desses relatórios saíram a público aquando da WikiLeaks. Akhmetov sempre os negou, naturalmente, tal como os seus advogados sempre conseguiram inocentá-lo, ficando para registo, somente, uma profunda filantropia e um legado inestimável associado ao futebol. Anos mais tarde, o líder de um clã rival admitiu responsabilidades na morte de Bragin com a ajuda de oficiais da polícia de então.
“Conquistei o meu primeiro milhão a transacionar carvão e cola (refrigerante) e investi o dinheiro em ativos que ninguém queria comprar. Foi um risco, mas valeu a pena”, explicou Akhmetov numa rara entrevista dada à imprensa ucraniana. Desde então, Akhmetov expandiu os seus interesses económicos. Passou a investir também no imobiliário, em meios de comunicação e tornou-se muito mais ativo politicamente, tendo sido um dos fundadores do Partido das Regiões, um partido político pró-Rússia. Terá ainda sido alegadamente um dos principais investidores da campanha de Viktor Yanukovych rumo à presidência do país.
Além do dinheiro de Akhmetov, que permitiu mudar por completo a imagem pessoal e política de Yanukovich (um antigo condenado por agressão), também Paul Manafort, líder de campanha e conselheiro político, foi decisivo para o desfecho das eleições de 2010, que levaram Yanukovich ao poder, depois de em 2004 ter visto a sua eleição ser anulada devido a fraude eleitoral e ao envenenamento do principal adversário, Viktor Yushchenko. Esta foi uma das maiores recuperações da história da política moderna. O mesmo Paul Manafort foi mais tarde também responsável por liderar a campanha de eleição de… Donald Trump, acabando demitido devido ao envolvimento do governo russo e ucraniano nas eleições e condenado a vários meses de prisão por conspiração. Segundo os tribunais norte americanos, Manafort terá partilhado informação confidencial com parceiros soviéticos, entre os quais Akhmetov.
Akhmetov chegou mesmo a ser deputado no parlamento ucraniano entre 2007 e 2012, cargo que lhe garantiu imunidade parlamentar e, por isso, não pode ser investigado em relação a esses crimes. Para os detratores, mais uma vez, um episódio conveniente face às constantes acusações de corrupção de que é alvo. Tal como Yulia Tymoshenko, que mais tarde Yanukovich ordenou que fosse presa contra o agrado de praticamente toda a comunidade internacional – à exceção da Rússia. Quando Yanukovich foi expulso do poder, por ocasião da Euromaidan, foi na Rússia e sob a proteção de Putin que encontrou refúgio. Yanukovich é um dos homens de Akhmetov, ainda que este o refute. Akhmetov chegou mesmo a fugir da Ucrânia rumo ao Mónaco, em 2004, por ocasião da Revolução Laranja, que levou à sua investigação em matéria de corrupção, crime organizado e desaparecimento de várias pessoas na região de Donetsk durante o seu período de ascensão. Nunca algo foi encontrado que ligasse o dono do Shakhtar às acusações. E a cooperação com o governo de Yushschenko permitiu o regresso de Akhmetov ao país.
Desde então, a Rússia invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia, levando a um conflito armado que ainda hoje perdura numa Guerra Civil que parece não ter fim e, estranhamente, ainda menos eco na agenda mediática atual. Em Kiev, Akhmetov é considerado o responsável pelo crescimento político de Yanukovich e, por consequência, o instigador do clima de Guerra Civil que atravessa o país, ao mesmo tempo que forças separatistas ucranianas também denunciaram o financiamento feito por Akhmetov. Segundo o WikiLeaks, Akhmetov foi também o responsável pelo pagamento, em 2007, da fiança (dois milhões de dólares) de três membros do Partido das Regiões, entre os quais Volodymyr Shcherban, que havia sido acusado de fraude eleitoral, extorsão, abuso de poder e evasão fiscal.
Por seu lado, naturalmente, Akhmetov recusa e até assinala que instigou os seus trabalhadores a defenderem Mariupol, manteve as minas da região abertas e tem enviado milhões de dólares de ajuda para a região, tendo emitido variados comunicados ao longo dos últimos anos a exigir uma resolução pacífica para o conflito. A verdade, é que a Donbass Arena, antigo estádio de elite e o mais moderno do Mundo, foi várias vezes bombardeado, estando neste momento inacessível e controlado por forças separatistas. O estádio servia como armazém para a ajuda humanitária feita pelo clube. E há muito que o Shakhtar Donetsk vive em exílio entre Kiev e Kharkiv. Só o tempo dirá se tudo isto foi parte do plano mestre de Akhmetov, se o oligarca perdeu o fio à meada ou se é, como tantos outros ucranianos, vítima da Guerra Civil que o país vive.
Muitos dos negócios de Akhmetov foram dominados por forças separatistas pró-Rússia e a fortuna do dono do Shakhtar, estima-se, terá caído dos 31 para 5,5 mil milhões de dólares, tendo lutado diversas batalhas jurídicas nos últimos anos relacionadas com arresto de bens e ações por parte do governo ucraniano, em particular as detidas na empresa de telecomunicações Ukrtelecom. Dono da SCM Holdings, o dono do Shakthar tem hoje negócios nas áreas financeira, bancária, mineira, produção de energia, imobiliário, media e telecomunicações, sendo ainda reconhecidamente o maior império na área do aço no país e até da Europa através da Metinvest, a maior empresa do grupo SCM.
Publicas acabam por ser, sim, as ações de filantropia de Rinat Akhmetov. Além da ajuda humanitária feita à zona de conflito na Ucrânia na região de Donetsk/Donbass, têm sido vários os programas e fundações criadas por Akhmetov com vista a elevar o nível de vida do cidadão ucraniano. Em 2005, por exemplo, o oligarca revelou que iria despender 150 milhões de dólares num programa de cinco anos que visava eliminar a raiz dos problemas sociais da Ucrânia. A postura filantrópica de Akhmetov tornou-o mesmo, em 2008, no segundo empresário que mais investiu em causas sociais, com vários milhões de dólares doados para caridade.
Em 2012, por exemplo, o dono do Shakhtar doou 19 milhões de dólares para a criação de um centro de pesquisa oncológico, sendo várias as contribuições feitas por Akhmetov ao longo dos anos na área da saúde. Durante o seu período como deputado, também esse salário foi deferido para causas sociais, com o raio de atuação filantrópico de Akhmetov a extravasar mesmo as fronteiras do país. Em 2011, por exemplo, através do Shakhtar Donetsk, doou um milhão de dólares para as vítimas do grande terramoto ocorrido no Japão.
A ajuda humanitária durante a guerra civil ucraniana, porém, tem sido a face mais visível da filantropia de Akhmetov. Ao todo, ao longo dos últimos anos, o dono do Shakhtar já terá doado 12 milhões de dólares em pacotes alimentares que serviram mais de um milhão de pessoas, tendo ajudado mesmo à evacuação de quase 40 mil. Em comunicado, Akhmetov anunciou ainda ter apelado à criação de milícias entre os seus trabalhadores na região de forma a evitar saques.
Quando o assunto é Rinat Akhmetov, o mundo não é uma gama de cinzentos. É branco ou preto. Em relação à sua figura, a Ucrânia é um país tão dividido quanto está hoje, politicamente. Uns adoram-no e defendem-no. Outros consideram-no um mafioso e o grande responsável pelo estado em que o país se encontra. Talvez a verdade nunca se saiba na sua plenitude, mas uma coisa é certa: desde que assumiu a presidência do Shakhtar Donetsk, não mais o futebol ucraniano foi igual.

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