Quando lhes foi pedido que referissem o jogador de quem mais gostavam na equipa um do outro, Bruno Lage e Marcel Keizer olharam ambos para o meio-campo. O técnico campeão falou de Bruno Fernandes, o vencedor da Taça de Portugal mencionou Pizzi e ambos foram depois em busca de Mathieu e Grimaldo para atribuir menções honrosas, mas pela forma como sai a jogar (no caso do francês) ou como é capaz de aparecer por fora e por dentro (no caso do espanhol). O futebol está assumidamente híbrido e os jogadores mais valiosos de agora são sempre aqueles que fingem ser uma coisa e acabam por ser outra. Daí que sempre que há jogos como o de amanhã esse aspeto acabe por ser fundamental na antecipação do que vamos ver em campo.
O jogo da Supertaça vai decidir-se muito na capacidade dos homens de área meterem as bolas nas redes e na concentração dos membros da linha defensiva, pode até chegar à apetência dos guarda-redes na altura dos penaltis, mas para o resultado final o que mais vai influir será o modo como os médios vão mascarar o seu verdadeiro intento – já para não falar da decisão dos treinadores acerca do plano de jogo. As duas coisas estão intimamente relacionadas, pois da segunda dependerá a primeira.
Bruno Lage montou a equipa para um 4x4x2 que ainda busca a compatibilização perfeita entre os dois homens da frente e que por isso poderá até aparecer em 4x2x3x1, com Taarabt em vez de um dos atacantes e isso vai interferir no que Pizzi terá de fazer em campo a partir da sua posição de médio-direito. Pizzi deve escolher a cada momento se abre no corredor para cruzar ou solicitar a entrada de alguém nas costas da última linha leonina – e é possível que com Nuno Tavares em vez de André Almeida isso lhe seja pedido com mais frequência – ou se vem para dentro, assumir o espaço entre-linhas nas costas do atacante. E uma coisa é fazê-lo com duas referências frontais (De Tomás e Seferovic) e outra, bem diferente, é ir ligar com um terceiro médio (Taarabt), tendo apenas um atacante pela frente. Não é melhor nem pior à partida. É só diferente.
Por outro lado, Marcel Keizer montou a equipa de 2018/19 num 4x3x3, com um extremo que a partir da direita procura muito as zonas de finalização (Raphinha) e outro que, vindo da esquerda, prefere cruzar (Acuña) – e já nisto o sistema é híbrido. A dúvida crescente face à permanência de Bruno Fernandes e o acrescento de Vietto levou o holandês a apresentar-se nos últimos jogos em 4x4x2 (ou 4x2x3x1, consoante a propensão do reforço para baixar em apoio), com o argentino a par do ponta-de-lança e Bruno Fernandes a partir da esquerda, numa função semelhante à de Pizzi. Assim sendo, também o capitão leonino terá de escolher a cada momento se vem para dentro, no caso dele até mais à procura da finalização do que da assistência, ou se abre no corredor para ligar com o lateral, que se ele jogar ali será Acuña e não Borja. A tendência dos pessimistas será a de pensar também na transição defensiva – porque sendo Acuña tão ofensivo e Bruno tão propenso a sair de posição, o corredor pode ser um convite – mas nisso Keizer pode virar a mesa a fazer “all in”, jogando por ali com os seus dois maiores fabricadores de golos, assim inibindo consideravelmente a ação ofensiva de Pizzi.
São estas nuances estratégicas que vão marcar o dérbi de amanhã. No fundo, o futebol de hoje decide-se na capacidade que cada equipa tem para fingir que vai fazer uma coisa e acabar por fazer outra. É por isso, por eles serem os mais completos dos jogadores em campo, que os treinadores gostam tanto de médios.