O apedrejamento do autocarro em que os jogadores do Benfica regressavam ao Seixal depois do frustrante empate em casa com o CD Tondela, falhando a ultrapassagem ao FC Porto no topo da Liga, mostra que há em todos os clubes gente que, para usar o termo que aqui utilizei ontem, gosta de futebol de forma tóxica. Mas, se somado à segunda conferência de imprensa seguida em que Bruno Lage disse que se é para ser problema em vez de solução saberá bem qual é a altura de ir embora pelo próprio pé, evidencia que as coisas não estão bem na Luz. E se o problema não é a ausência de Gabriel – que já voltou ao onze, sem melhoria de resultados – então ele é mais profundo. Não, não é Weigl, que um médio da qualidade do alemão não pode ser um problema, mas radica nas decisões contraditórias que levaram o clube a contratá-lo e que depois impelem o treinador a acumular especialistas em meio-jogo no onze contra equipas que abdicam desse meio-jogo e centra todos os argumentos na defesa da sua área – onde o Benfica está curto.
Facto: o Benfica só ganhou um dos últimos nove jogos, série que começou quando Gabriel ficou indisponível após a vitória na Taça de Portugal frente ao FC Famalicão (3-2 na Luz, a 4 de Fevereiro). Outro facto: a estatística melhora, mas ainda fica muito curta para campeão, se ficarmos o seu início na estreia de Weigl, a 10 de Janeiro, na vitória caseira frente ao CD Aves. Nesse caso, os encarnados ganharam sete dos últimos 15 jogos, incluindo a partida de estreia do alemão, virada apenas depois de Bruno Lage o ter substituído, inaugurando a manobra que repetiu ontem, para desagrado evidente do jogador. Mas se contra os avenses a coisa ainda resultou em sucesso, graças a um golo aos 89’ – aliás, das sete vitórias que o Benfica somou neste período, três foram conseguidas nos instantes finais –, já perante o CD Tondela o Benfica não saiu do 0-0. Eu já tinha alertado no Futebol de Verdade de ontem para o risco de acumulação de gente a meio-campo, porque com o regresso de Gabriel, com Weigl no onze, a tentação seria colocar Taarabt como terceiro médio/segundo avançado e isso iria deixar a equipa com pouca presença na área. E mesmo que, como disse o presidente Luís Filipe Vieira, Carlos Vinicius valesse o triplo do que o Borussia Dotmund pagou por Haaland, enfrentar um jogo destes com um só ponta-de-lança e um segundo avançado que foge das imediações da área seria sempre um equívoco.
Sobre o erro tático estamos conversados – e Bruno Lage certamente tirará ilações do que viu, mesmo não tendo a emenda sido a melhor. Creio que seria mais eficaz trocar Weigl por Cervi, com Rafa atrás do ponta-de-lança, porque com Dyego Souza ganhou gente na área mas perdeu presença no espaço entrelinhas e deitou fora aquilo que tornou a equipa temível na chegada de Jesus, que era a capacidade para as trocas de bola velocíssimas na aproximação à zona de definição, aquilo a que se chamou “vertigem”. Mas o problema pode ser bem mais profundo e radicar na política desportiva que coloca a componente negócio em competição com a ideia de jogo. O Benfica é hoje indiscutivelmente o único clube português que consegue colocar-se a um nível “europeu” no plano dos negócios e por isso mesmo a contratação de Weigl foi uma bandeira da SAD: ela mostra que é possível ir buscar jovens internacionais alemães a um dos grandes da Bundesliga e coloca os encarnados como “partner” preferencial de mercado dos maiores clubes da Europa. E Weigl é um excelente jogador, disso não tenho dúvidas. No entanto, percebe-se hoje a contradição presente na ideia da sua contratação: tal como o presidente já disse em tempos – mas a SAD não fez – se a ideia é apostar na formação, as estrelas a contratar devem colmatar os lugares que a formação não preenche. E para o lugar que Weigl veio ocupar, o Benfica já tinha Florentino.
O problema está na capacidade para articular a ideia de jogo com a dimensão de negócio. Weigl apareceu na Luz porque, além de ser um excelente médio, era um jogador-fetiche dos Maradonas do ‘scouting’ e permitia ao Benfica colocar-se como ‘partner’ dos grandes clubes da Europa. Posso até ser retorcido e acreditar que a manobra se destinava a, aproveitando a parceria com Jorge Mendes, mostrar que o Benfica consegue comprar um jogador como Weigl por 20 milhões de euros e depois vende miúdos como Gedson ou Florentino por três ou quatro vezes esse valor. Só que no meio disto tudo o que fica prejudicado é a ideia de jogo. Porque se um treinador consegue colocar Florentino e Gedson no banco, já lhe será bastante mais difícil fazê-lo com Weigl. Sobretudo semanas depois de já o ter feito com Raul de Tomás. E é aí que nasce o equívoco tático.