Ao mesmo tempo que decorre em Genebra a Assembleia Geral da ECA, a Associação Europeia de Clubes, e se discutem as vagas na direção do organismo e as eventuais alterações a fazer à proposta apresentada à UEFA e rejeitada pelas Ligas nacionais, o diário italiano La Gazzetta dello Sport divulgou os valores dos salários líquidos de todos os jogadores da Serie A e fez as contas para chegar aos valores gastos por cada clube na corrida ao scudetto. Os números nem são surpreendentes, porque todos tínhamos já a noção dos desequilíbrios. A Juventus gasta por ano 294 milhões de euros em salários pagos a jogadores, mais do que os dois clubes que a perseguem juntos – 139 milhões o Inter e 125 milhões a AS Roma – e tanto como os nove menos gastadores da lista, todos somados. A pergunta que a sempre progressiva ECA tem de lançar às Ligas nacionais e até à própria UEFA é se faz sentido um campeonato assim. Porque eu tenho a certeza que não faz.
Se limitarmos a pesquisa a Itália, verificamos que pertencem à Juventus sete dos oito (ou dez dos 13) mais bem pagos futebolistas do campeonato. Ronaldo lidera o top, com 31 milhões de euros limpos ao ano, o segundo é de Ligt, nos oito milhões, partilhando Higuain o terceiro lugar com Lukaku, do Inter, ambos nos 7,5 milhões. O quinto é o igualmente juventino Dybala, com 7,3 milhões, e os sextos, ex-aequo, os seus colegas de equipa Ramsey e Rabiot, ambos limitados a sete milhões exatos. Em oitavo lugar aparece o ainda juventino Pianic, que ganha 6,5 milhões limpos ao ano. Empatados no nono lugar estão Douglas Costa, Mandzukic e Khedira, todos da Juventus, ao lado do milanista Donnarumma e do napolitano Koulibaly, todos nos seis milhões. Tudo somado, a Juventus gasta 294 milhões de euros brutos em salários a jogadores, tendo esse aborrecimento supremo que passar o ano a discutir o título de campeão italiano com o Inter Milão (139 milhões), a AS Roma (125 milhões), o Milan (115 milhões) e o SSC Nápoles (103 milhões). Não admira, portanto, que os “bianconeri” sigam já com oito campeonatos consecutivos no bucho.
O que está aqui em causa não é a sustentabilidade do investimento da Juventus. É aquilo que o motiva. O objetivo da Juventus é tanto ser campeão italiano como o seu é levantar-se da cama de manhã – isso é uma espécie de dado adquirido. O clube de Agnelli quer ser campeão europeu e, mesmo assim, ainda está muito longe, por exemplo, de Manchester City, Paris Saint-Germain, Real Madrid e dos outros campeões de gastos na Europa do futebol. É sétimo, numa lista continental. Ora, é por isso que a ECA está tão empenhada em mudar o modelo de competição na Europa do futebol – e nisso tem razão absoluta. Por enquanto, anda toda a gente distraída a discutir o acessório, como o total de vagas na Liga dos Campeões, se esta vai ter oito grupos de quatro equipas, seis grupos de seis ou quatro grupos de oito (como quer Agnelli), se tem jogos ao fim-de-semana e se há lugares garantidos de um ano para o outro pela performance na fase de grupos, ninguém se centra no essencial, que é a inversão da ordem de importância das competições no futebol europeu. Os clubes europeus, os maiores, pelo menos, são hoje geridos em função da Liga dos Campeões – a Juventus orçamenta as suas épocas para competir com o Manchester City e não com o Verona ou o Brescia. Aliás, basta ver que os planteis de Verona e Brescia, todos somados, custam menos ao ano do que Cristiano Ronaldo sozinho.
O que está aqui em causa também não é encontrar formas de parar este fenómeno, porque o mundo é cada vez mais global. O que se faz? Impõem-se limites de gastos a empresas que estão cotadas em bolsa e que depois geram proveitos para os sustentar? Impossível. Falar de tetos salariais neste contexto é simplesmente descabido, ainda que, sim, se deva cada vez mais encontrar mecanismos para tornar mais claras as formas como o dinheiro circula neste mundo do futebol ou para assegurar que os investimentos são sustentáveis – e daí o “fair-play financeiro” instituído pela UEFA. O que está aqui em causa é impedir que os clubes tenham de passar os anos entretidos a jogar competições cada vez mais ridículas. Porque esta realidade não é exclusiva dos Big Five – nos países de classe média-alta, como Portugal, vai-se agravando cada vez mais o fosso entre os clubes que têm acesso regular à Champions e aqueles que lá chegam uma vez quando o rei faz anos; nos países de classe média-baixa o que vamos ter é clubes entronizados como campeões garantidos a comprar tudo o que mexe no mercado interno e a impedir o crescimento da concorrência. Aleksandr Çeferin, presidente da UEFA, afirmou há dias, em entrevista concedida ao Record, no contexto da Soccerex, em Oeiras, que tem de se melhorar o mecanismo de solidariedade, de forma a que a receita siga por aí abaixo com mais fluidez, mas é preciso que alguém lhe diga que isso não chega, que ninguém vive sistematicamente de esmolas.
Alguém é capaz de imaginar o basquetebol norte-americano sem a NBA? Os Toronto Raptors a jogarem no Canadá, os Portland Trail Blazers entretidos a disputar o campeonato do Oregon ou os Milwaukee Bucks remetidos à competição do Wisconsin. Ridículo? Era, não era? Pois é isso que quero dizer.