O futebol francês de topo é ainda um misto entre a chegada do grande capital e o feudo de alguns poderosos industriais interessados na modalidade. Há de tudo. Desde tomadas de posição de grandes grupos internacionais, como os cataris que mandam no Paris Saint-Germain, os norte-americanos que são donos do Olympique Marselha ou dos Girondins de Bordéus, a sociedades de incidência fortemente familiar, como o Montpellier HSC dos Nicollin ou o Olympique Lyon dos Aulas. Pelo meio, há fortunas incalculáveis a passear pelo futebol de alto rendimento, de gente como o francês Pinault, o russo Rybolovlev ou o britânico Ratcliffe.
Muitos dos clubes franceses que hoje competem na Ligue 1 foram comprados por um euro simbólico, de tão falidos que estavam. O que prova que uma boa direção pode fazer toda a diferença entre o fracasso e o sucesso. Certo é que nomes históricos como Bez ou Tapie têm sucessores à altura no atual panorama do futebol francês, ainda dominado pelo capital de origem nacional. É difícil comprar um clube do escalão principal, a não ser que se esteja na disposição de abrir os cordões à bolsa, como fizeram os americanos que pagaram 100 milhões pelos Girondins de Bordéus. O mais fácil é mesmo comprar abaixo e apostar na competência para se fazer o caminho ascensional. Foi assim que começou a história de boa parte dos 20 proprietários de clubes do escalão principal. E é essa a esperança de muitos, desde o azeri que manda no RC Lens aos chineses do AJ Auxerre e do FC Sochaux e, porque não dizê-lo, apesar de estar uma divisão mais abaixo, o português Armand Lopes, dono do US Créteil-Lusitanos.
Esta é a terceira parte de um artigo sobre os donos dos maiores clubes de futebol da Europa, depois dos episódios acerca da Premier League (que pode ler aqui) e da Série A italiana (que está aqui).
Paris Saint-Germain
Desde 1973 que o Paris Saint-Germain está nas mãos de grandes capitalistas. Primeiro de um grupo de acionistas franceses, liderado por Francis Borelli, depois do Canal Plus, entretanto de uma empresa americana, a Capital Investment, e, desde 2011, da Qatar Sports Investments. Os cataris começaram por comprar 70 por cento das ações, tendo passado a controlar a totalidade em 2012, com um gasto total de 100 milhões de euros. Metade do que pagaram, por exemplo, mais tarde, por Neymar. O verdadeiro dono do PSG é o emir do Qatar, o Sheikh Tamin bin Hamad al Thani, que colocou à frente do clube Nasser al-Khelaifi. Este é ao mesmo tempo presidente do PSG, do grupo beIn Media Group e da Federação de Ténis do Qatar.
Olympique de Marselha
O clube treinado por André Villas-Boas pertence hoje a um milionário norte-americano, de seu nome Frank McCourt. McCourt, que fez fortuna no imobiliário, ainda é o homem por trás da maratona de Los Angeles e já foi proprietário dos Los Angeles Dodgers (beisebol), que vendeu em 2012 a um grupo liderado pelo ex-basquetebolista Magic Johnson por mais de 1800 milhões de euros. Em comparação com isso, aquilo que pagou para comprar o OM a Margarita Louis-Dreyfus, a viúva de Robert Louis-Dreyfus, em Outubro de 2016, foi mínimo: 45 milhões de euros. McCourt instalou como presidente o francês Jacques-Henri Eyraud, que tinha atrás dele uma interessante carreira na… Disney e fundara a Sporever, empresa líder da área do desporto digital.
Stade Rennes
Está desde 1998 no amplo portefólio de François Pinault, o bretão que manda no grupo Kering (Gucci, Yves Saint-Laurent, Balenciaga etc.) e na Artémis (a companhia que é dona da leiloeira Christie’s e dos vinhos Château Latour, por exemplo) e é o terceiro mais rico de França, na lista da Forbes. Pinault comprou o clube à cidade de Rennes, apostou fortemente no futebol de formação, com a construção do centro de treinos, estabilizou a equipa principal na Ligue 1, mas só 21 anos depois conseguiu um troféu: a final da Taça de França, ganha em 2019 nos penaltis, após uma final contra o Paris Saint-Germain.
Lille OSC
Definir quem é dono do Lille OSC é uma espécie de berbicacho. No papel, o clube pertence desde Janeiro de 2017 a Gérard Lopez, empresário hispano-luxemburguês que pagou cerca de 80 milhões de euros por 80 por cento das ações (os outros 20 por cento foram comprados por Marc Ingla, sócio de Lopez e antigo vice-presidente do FC Barcelona). Mas na realidade as coisas são mais complicadas. A entrada de Lopez no Lille OSC foi paga com dívida contraída no Elliott Management Group, o grupo de investidores norte-americanos que aproveitou, por exemplo, a incapacidade do chinês Li Yongyong para pagar prestações e tomou conta do Milan. O EMG não quererá repetir o processo, pois o objetivo é simplesmente capitalizar. O plano de Lopez, esse, é simples: aposta na capacidade do português Luís Campos na deteção de talentos para fazer negócios como o de Pépé, que foi vendido por 80 milhões ao Arsenal.
Stade Reims
Já foi o maior clube de França, quando andou em finais europeias, nos anos 50, mas depois disso já faliu e passou pelo amadorismo total, no sexto escalão do futebol hexagonal, do qual só voltou a sair em 1998. A chegada à Ligue 2, em 2002, coincidiu com a criação de uma SASP (Sociedade Anónima Desportiva Profissional). Christophe Chenut manteve-se nessa altura como presidente e só saiu quando assumiu a direção do grupo de media ao qual pertence o L’Équipe, altura em que cedeu a cadeira de comando a Jean-Pierre Caillot, empresário da área dos transportes que já era patrocinador do clube desde 1993. Foi sob o comando de Caillot que o Stade voltou à Ligue 1, onde está desde 2012.
OGC Nice
Está desde Agosto de 2019 em mãos britânicas, mais propriamente do homem mais rico do Reino Unido, Sir James Ratcliffe, proprietário do grupo Ineos. A Ineos, multinacional da área da petroquímica, já tinha comprado a equipa de ciclismo da Sky – que foi rebatizada – e o FC Lausanne Sport, da Suíça, quando Ratcliffe decidiu dar 100 milhões de euros pelo OGC Nice, que fica bem perto do Mónaco, onde optou por residir por razões fiscais. A primeira ação de Ratcliffe foi fazer regressar o presidente Jean-Pierre Rivière, que se demitira seis meses antes devido a divergências com os anteriores acionistas maioritários, os chineses da New City Capital e do Grupo Plateno e os norte-americanos da Pacific Media Group.
Olympique Lyon
O OL tem um presidente quase eterno na pessoa de Jean-Michel Aulas, que o dirige desde 1987 depois de responder a um desafio de… Bernard Tapie, quando este era apresentador de TV. Conta-se que, depois de ter tirado o clube do segundo escalão e de ter ganho sete campeonatos (seguidos, de 2002 a 2008), Aulas já terá desistido de passar o testemunho ao filho Alexandre, pensando agora na entrada do ex-basquetebolista Tony Parker, que já tem interesses nas equipas de basquetebol da cidade. Isto é possível porque Aulas é, com 28 por cento, o maior acionista da OLG, holding que detém o capital do clube. Igualmente grandes são as participações dos chineses da IDG Capital (20 por cento, adquiridos no último aumento de capital) e do grupo cinematográfico Pathé (19 por cento).
Montpellier HSC
Está desde 1974 nas mãos da família Nicollin. Primeiro do pai, o bonacheirão Louis, agora do filho, Laurent, que sucedeu ao pai nos negócios de família, ligados ao processamento de lixo caseiro e industrial. Louis Niccolin absorveu o clube principal da cidade, o Montpellier Paillade Sport Club Litoral, num outro que ele próprio criara, o Formation Sportive de Nettoiement, e que se tornara mais competitivo, mas manteve o nome – entretanto mudou para Montpellier Hérault Sport Club. Debaixo das ordens do polémico Niccolin, o Montpellier HSC chegou à Ligue 1 em 1987 e chegou mesmo a ser campeão em 2012.
AS Mónaco
A casa Grimaldi manteve 33 por cento do capital quando, em 2011, estando o clube na parte de baixo da II Liga, resolveu acolher um investidor. Conta-se que a entrada de Dmitry Rybolovlev no capital do clube (do qual comprou 66 por cento) se deu por um euro apenas, mas com a promessa de investir muito mais na recuperação do projeto. E assim foi. O bilionário russo, que fez fortuna através da Uralkali, uma empresa produtora de potássio, é o atual presidente do AS Mónaco – embora a dona, no papel, seja a filha, Ekaterina – construiu uma equipa que chegou a ser campeã francesa em 2017, debaixo das ordens do treinador português Leonardo Jardim. O polémico Rybolovlev é igualmente dono dos belgas do Cercle Brugge.
Angers SCO
O milionário de origem argelina Saïd Chabane, que fez fortuna na área da charcutaria depois de começar como simples funcionário numa fábrica (da qual até acabou por ser despedido), comprou 93 por cento das ações do clube em 2011. Nessa altura, o Angers SCO andava pela II Liga. Foi, desde então, fiel ao treinador, Stephane Moulin, que ainda se mantém em funções e esteve, não só na subida à Ligue 1, conseguida em 2015, como em sucessivas valorizações de jogadores, cujas transferências têm permitido ao clube gerar lucros todos os anos. O maior problema de Saïd Chabane são neste momento acusações de assédio e abuso sexual, que levaram à sua detenção em Fevereiro.
RC Estrasburgo
Marc Keller já tinha sido estrela dentro de campo, antes de seguir para jogar na Alemanha e terminar a carreira em Inglaterra, em 2001. Este internacional francês foi depois diretor-geral entre 2003 e 2008, quando foi demitido pelo presidente, Jerôme de Bontin. Em 2012, com o RC Estraburgo bem abaixo da II Liga – jogava já no campeonato de amadores –, Keller foi o testa-de-ferro de um grupo de investidores, no qual se incluía também o ex-presidente Egon Gindorf e o antigo jogador checo Ivan Hasek, que comprou o clube por um euro simbólico. Keller tornou-se presidente e em cinco anos o clube chegou outra vez à Ligue 1.
Girondins Bordéus
O clube treinado por Paulo Sousa tem mudado de proprietário com uma frequência inusitada. Em Julho de 2018, o grupo francês de média M6 vendeu os Girondins ao General American Capital Partners (GACP), um fundo de investimento americano de Miami, representado por Joseph daGrosa. A operação foi financiada pelo King Street Capital Management, de Nova Iorque, que em virtude disso ficou com 86 por cento do capital, podendo daGrosa manter o poder de decisão associado aos restantes 14 por cento. Em Dezembro do ano passado, no entanto, os nova-iorquinos absorveram o capital do GACP e passaram a ser únicos donos do antigo clube de Claude Bez.
FC Nantes
Waldemar Kita, um optometrista polaco que emigrou para França e criou a Cornéal, uma das maiores empresas francesas na área das cirurgias às cataratas e no tratamento de glaucomas, comprou o FC Nantes à Socpresse, um grupo de média que pertencia a Serge Dassault, em 2007, na sequência da primeira descida de divisão dos canarinhos em 44 anos. O clube ainda não recuperou a grandeza de outros tempos e a gestão de Kita tem sido polémica e alvo de frequentes protestos da parte dos adeptos, saudosos de uma equipa que fazia grande apelo aos frutos da sua formação.
Stade Brest
Com 51% do capital, o empresário Denis Le Saint, patrão do grupo alimentar Sainfruit, tornou-se em Maio de 2016 acionista maioritário do clube, que nessa altura abandonou o estatuto de Sociedade Anónima Desportiva Profissional para passar a ser simplesmente Sociedade Anónima. O novo presidente, que já era um dos patrocinadores do clube há duas décadas, chamou para o ajudar na direção o seu irmão Gérard. Os dois conseguiram a subida à Ligue 1 em 2019, depois de várias temporadas no segundo escalão.
FC Metz
O fracasso na tentativa de subida de divisão em 2009 levou o presidente Carlo Molinari a sair e a ceder as rédeas do clube a Bernard Serin, um industrial do aço que já era vice-presidente executivo e que um ano antes também se tornara acionista maioritário. Desde que lidera o FC Metz, Serin comprou os belgas do RFC Seraing e, face à sua incapacidade de fixar o emblema do Grande Leste francês na Ligue 1 – já andou pelo terceiro escalão antes de subir à Liga principal, em 2014, mas apenas para voltar a descer e a subir – também admitiu vender as suas ações. Falou-se do interesse do Luxemburgo, que está próximo, mas Serin limitou-se a dizer que está disponível para escutar ofertas de quem queira investir a sério no clube.
Dijon FCO
O clube pertence a um grupo de acionistas locais, que incluem a câmara de Dijon, mas a maior porção de capital está nas mãos de Olivier Delcourt, próspero empresário da área do caminho de ferro. Já encaminhado por via do sucesso da Dijonnaise des Voies Ferrées e da H26, Delcourt tomou conta do capital e da presidência do clube em 2012, depois da descida de divisão. O clube regressou à Ligue 1 em 2016 e por lá se tem mantido, mesmo tendo sido forçado a jogar uma vez o play-off de manutenção.
AS Saint-Étienne
Aquele que nos anos 70 foi o mais popular e bem sucedido dos clubes franceses tem duas cabeças à frente: Bernard Caïazzo, que enriqueceu através da criação de camarotes e da exploração de publicidade nos estádios, e Roland Romeyer, patrão da Sacma, sociedade do ramo imobiliário. Cada um tem 44 por cento do capital, restando os outros 12 por cento para a Associação ASSE, formada por pequenos acionistas. A coabitação entre Caïazzo e Romeyer nem sempre foi pacífica, mas o primeiro saiu em defesa do segundo recentemente, quando este viu a sua quota ameaçada por um antigo sócio, o português Adão Carvalho, entretanto detido por branqueamento de capitais.
Nîmes Olympique
Pertence a Rani Assaf, um engenheiro informático nascido no Líbano, que viveu até aos 35 anos com visto de visitante em França e esteve sempre na retaguarda da ascensão de Xavier Niel, o homem-forte da Free, uma das principais operadoras de telecomunicações do país. Assaf, que é apresentado como diretor-técnico da Free e o segundo maior acionista individual da Iliad, sempre foi fanático de futebol – até chegou a pertencer a uma claque do PSG – e entrou no grupo de acionistas do Nîmes Olympique em Abril de 2014. Tornou-se maioritário em 2015 a apoderou-se da totalidade do capital em 2016. A subida de divisão, em 2018, foi o prémio para este homem que é também presidente do clube.
Amiens SC
Bernard Joannin, dono do grupo de lojas de desporto Intersport, comprou o clube em 2009, quando este parecia caminhar para um final de época tranquilo na II Liga: a cinco jogos do fim (três deles em casa), tinha sete pontos de avanço sobre a linha-de-água. Mas a equipa desceu ao terceiro escalão. O caminho de regresso foi duro e teve o prémio da subida à Ligue 1 em 2017. Desde então, tem-se falado na hipótese de cedência do capital a um grande investidor estrangeiro, mas Joannin continua a ser o patrão.
Toulouse FC
Foi comprado à beira da falência, em 2001, por Olivier Sadran, um empresário local que tinha feito fortuna com empresas de alimentação e catering como a Newrest. Na altura, o Toulouse FC tinha sido condenado à despromoção para o terceiro escalão devido às suas dificuldades financeiras. Em dois anos, praticamente com o mesmo plantel, o clube regressou à Ligue 1, onde se manteve até hoje – apesar de ser último à data da interrupção da competição devido à Covid19.
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