O futebol italiano, que já passou eras de enorme abundância, sofreu também alguns períodos com dificuldades de dimensões bíblicas, que levaram os governos a inventar leis para salvar os clubes da falência. Foi o caso da lei de 1966 que permitiu a injeção de capital forçando a transformação de clubes em sociedades por ações ou de responsabilidade limitada ou até da “Sentença Petrucci”, que permite que novas sociedades surgidas numa cidade na sequência da falência das antecessoras possam ocupar-lhes os lugares nas competições profissionais. Essas leis salvadoras, bem como a tradição de domínio familiar dos clubes de futebol italianos, conduziram a uma realidade que mistura acumulação heroica de dívida – as consequências nem sempre são pesadas… – com uma relativa impenetrabilidade dos clubes ao capital estrangeiro.
De facto, estando abertos ao capital há mais de 50 anos, é estranho que tão poucos clubes italianos tenham proprietários estrangeiros. A pioneira foi a AS Roma, que está desde 2011 nas mãos de investidores norte-americanos, sendo que desde essa altura o Inter Milão passou das mãos dos Moratti para um capitalista indonésio e, depois, para os chineses. O Milan foi também detido por chineses e pertence hoje a norte-americanos, zona do globo de onde vêm também os donos da Fiorentina e do Bolonha FC. Regra geral, quando chegam donos vindos do estrangeiro, a ideia é sempre a mesma: controlar despesas numa indústria que ainda vai misturando muito a ideia de negócio com a de mecenato. É que os clubes dominados por famílias – fenómeno muito italiano… – conduziram na geração anterior a uma competição entre industriais poderosos que gostam de futebol, mas levam na atual a uma estranha circulação de investidores de clube para clube e até, nalguns casos, a proprietários que têm interesse em mais de um clube.
Ainda assim, fruto de ser uma atividade que, geralmente, perde dinheiro – a tal componente de mecenato… – é relativamente barato comprar um clube de Série A ou da Série B. Há nas linhas abaixo muitos casos de clubes que trocaram de mãos apenas pela assunção da dívida ou por valores que não compram o passe do melhor jogador do plantel. Daí que a compra de clubes italianos deva vir a tornar-se, muito provavelmente, a maior moda dos próximos anos para grandes investidores internacionais.
Nota – Este é o segundo episódio de uma série de artigos destinada a mostrar quem manda nos maiores clubes do Mundo, que começou com a Premier League, como pode ler aqui.
Juventus
O clube mais vencedor do futebol italiano pertence à família Agnelli desde 1923, ano em que Edoardo Agnelli, filho do fundador da Fiat e avô do atual presidente, Andrea Agnelli, adquiriu controlo sobre ele. Houve basicamente três Agnelli ativos na história da Juventus: além de Edoardo, Gianni, um dos seus filhos, e agora Andrea, que é sobrinho de Gianni. 60 por cento do capital da Juventus pertence à Exor NV, a holding da família, estando os restantes 40 por cento dispersos entre o fundo inglês Lindsell Train (10 por cento) e uma série de pequenos acionistas, nenhum deles com mais de dois por cento das ações.
Lazio
Quando Claudio Lotito comprou a Lazio a Sergio Cragnotti, em 2004, o clube romano estava em seríssimas dificuldades. Com o novo proprietário, que nessa altura ficou com cerca de 30 por cento das ações mas já controla hoje 66,7 por cento, a Lazio recuperou financeira e desportivamente, passando hoje por um momento de estabilidade. Lotito, membro das listas do Forza Italia para o senado (não foi eleito) e dono, em sociedade com Marco Mezzaroma, da Salernitana, da Serie B, já foi suspenso por envolvimento no Calciopoli e, depois, por ter sido julgado culpado em dois processos de Third Party Ownership de Zárate e Julio Cruz.
Inter Milão
Durante décadas foi o feudo da família Moratti – tanto o pai, Angelo, como o filho, Massimo, foram presidentes –, cuja fortuna vinha do petróleo. Massimo vendeu o clube ao indonésio Eric Thohir em 2013, mas este não foi capaz de dar conta do recado e acabou por ceder a sua posição em duas fases. Primeiro, em 2016, vendeu 67,6% por 270 milhões de euros ao grupo chinês Suning, que espalha os interesses do imobiliário aos media e aos serviços financeiros e que é propriedade de Zhang Jindong. Depois, já no ano passado, Thohir vendeu os 31 por cento que lhe restavam ao fundo Lion Rock Capital, de Hong Kong.
Atalanta
Em 2010, quando a Atalanta caiu para a Serie B, Alessandro Ruggeri optou por ser ver livre do clube que herdara do pai, Ivan, que entretanto tivera um aneurisma cerebral e se desligara do futebol. Foi nessa altura que vendeu a Antonio Percassi, antigo futebolista do clube que abandonou a carreira aos 23 anos para se tornar empresário e que entretanto fez fortuna nos cosméticos. É, entre outras marcas, dono da Kiko Milano e, em sociedade com Amâncio Ortega, levou a Zara para Itália. Percassi comprou 70 por cento da Atalanta por 13 milhões de euros, tendo a família Ruggeri ficado como segundo maior acionista, ao manter 9 por cento das ações.
AS Roma
A crise da Italpetroli, a empresa-mãe do grupo que dominava a AS Roma, obrigou a família Sensi a ceder o controlo do clube em 2010, primeiro à UniCredit, cuja única função foi a de encontrar um comprador que pudesse recapitalizar um clube falido. Esse comprador surgiu um ano depois e ainda controla o clube. Foi Thomas di Benedetto, um americano de Boston filho de italianos de Salerno entretanto emigrados, que formou a Neep Roma Holding e ficou com 60 por cento das ações. A UniCredit manteve-se no capital social da AS Roma, mas só para valorizar a sua posição e sair. A Neep Roma Holding ainda é dona do clube, mas Thomas di Benedetto cedeu a posição de acionista maioritário ao igualmente norte-americano James Palotta, um dos donos dos Boston Celtics e detentor de 79 por cento das ações da AS Roma.
SSC Nápoles
É um caso pitoresco, porque o clube que teve Diego Maradona sob a direção de Corrado Ferlaino faliu em 2004. Nessa altura, Aurelio de Laurentiis, produtor cinematográfico que é filho Luigi de Laurentiis e sobrinho do lendário Dino de Laurentiis, formou um novo clube, o Nápoles Soccer, que a Federação colocou na Série C. A ascensão foi rápida, da mesma forma que a recuperação do nome histórico: o clube voltou a chamar-se SSC Nápoles em 2006 e já estava na Série A em 2007. De Laurentiis é dono do clube a 100 por cento, sendo igualmente dono do SSC Bari, em cuja presidência colocou o filho, Luigi.
Milan
O clube que conheceu a glória europeia debaixo da presidência de Silvio Berlusconi, nos anos 80 e 90, é hoje propriedade de um fundo de investimento americano, o Elliott Management Group, de Paul Singer. A história é a de um negócio que correu mal. Quando Berlusconi quis vender o Milan, em 2016, quem se chegou à frente foi um chinês, Li Yonghong, que concordou pagar 740 milhões de euros pelo clube. Sucede que parte do capital de Li vinha de um empréstimo a juros altíssimos contraído no Elliott Management Group. Passado um ano, o chinês não conseguiu pagar as prestações devidas, perdeu tudo o que tinha investido e o Elliott Group tomou conta de 99 por cento das ações do clube com um investimento total em torno dos 400 milhões de euros. Metade do valor pelo qual o Milan tinha sido avaliado um ano antes. Nada mau.
Hellas Verona
Pertence, desde 2012, a Maurizio Setti, um empresário de moda que na juventude foi médio no Athletic Carpi. Setti, que desde o ano passado é igualmente proprietário do Mântua SSD, da quarta divisão, começou por comprar apenas 80 por cento do clube a Giovanni Martinelli, mas em 2013 tornou-se único dono do clube. Um ano apenas depois, o Hellas Verona obteve a subida à Série A, onde não competia há mais de uma década. Desde então, tem sido um dos clubes iô-iô do futebol italiano, pois já desceu e subiu duas vezes à Série A.
Parma Calcio
Longe vão os tempos da Parmalat e da associação ao Benfica por intermédio do patrocinador. O colapso financeiro da leiteira de Calisto Tanzi, em 2003, arrastou o clube para um período de administração judicial, do qual saiu apenas para ter uma rápida sucessão de proprietários: Tommaso Ghirardi, o albanês Rezart Taçi e por fim Giampietro Manenti. Quando este foi detido, por lavagem de dinheiro e fraude, o Parma foi declarado falido. A lei italiana permite que, para manter o futebol numa cidade, seja criado um novo clube: foi o que aconteceu. O novo Parma Calcio começou em 2015, na Série D, obtendo três subidas de divisão seguidas debaixo dos auspícios de um grupo empresarial chamado Nuovo Inizio, que reúne gente como Guido Barilla, que já patrocinou várias equipas em Itália, ou o empresário da Fórmula 1 Gian Paolo Dallara.
Bolonha FC
Foi comprado em Outubro de 2014 a Massimo Zanetti, empresário italiano da área dos cafés, por um consórcio norte-americano liderado pelo canadiano Joey Saputo, que é também dono do Montreal Impact, da MLS. Na altura, Saputo pagou sete milhões de euros e investiu outros 13 milhões para ficar com o controlo de um clube que estava na Série B. O primeiro presidente nomeado pelos novos donos foi Joe Tacopina, advogado de Nova Iorque, que para o facto deixou o posto que ocupava, de vice-presidente na AS Roma ao serviço da gestão igualmente norte-americana.
US Sassuolo
A história recente da US Sassuolo e da sua promoção da Série C2 até à qualificação para a Liga Europa confunde-se com a história de Giorgio Squinzi, o industrial que fez da Mapei uma das marcas dominantes a nível mundial na área dos artigos de construção. Filho de um aspirante a ciclista, Giorgio já era patrocinador do clube desde os anos 80 e tinha criado em 1993 a equipa de ciclismo da Mapei. Em 2002, zangado com a descoberta de cada vez mais casos de doping, retirou-se do ciclismo, fundou o Centro de Estudos e Pesquisas Mapei de Castellanza para um desporto limpo e, apesar de ser adepto do Milan, comprou a US Sassuolo. Giorgio Squizi faleceu em Outubro, mas o presidente que colocou no clube, Carlo Rossi, continua em funções.
Cagliari Calcio
É propriedade de Tommaso Giulini, um empresário da área dos derivados do fluor, que chegou a jogar nas camadas jovens do Milan e já fez parte do conselho de administração do Inter Milão, clube do qual ainda é (muito) pequeno acionista. Depois de ver fracassar uma tentativa de adquirir o Pro Patria, Giulini comprou o Cagliari em Junho de 2014 a Massimo Cellino, batendo ao sprint o consórcio norte-americano Silvestrone. Terá pago cerca de 45 milhões de euros pelo clube, menos do que se propunham pagar os americanos, que contudo pediam mais tempo para se decidirem – e Cellino, como veremos à frente, tinha pressa. Com os novos proprietários, o Cagliari Calcio começou por descer à Série B, mas voltou a subir no ano seguinte.
Fiorentina
Foi comprada em Junho de 2019 por Rocco Commiso, um norte-americano que nasceu na Calabria italiana, emigrou para os EUA aos 12 anos e é hoje dono da Mediacom, a quinta maior operadora de TV por cabo dos Estados Unidos. Commiso, que é igualmente dono do histórico Cosmos de Nova Iorque, já tentara comprar vários clubes de futebol na Europa, um deles o Milan, tendo finalmente conseguido o objetivo quando pagou um valor que se diz ter andado em torno dos 180 milhões de euros a Diego della Valle, o empresário do calçado que tirara a Fiorentina da bancarrota no início do século.
Udinese
Gianpaolo Pozzo, que fez fortuna com a venda da Freud (Frese Udinesi) à Bosch, é um dos mais antigos proprietários de clubes do futebol italiano: é dono da Udinese desde 1986, quando soube por intermédio da mulher – que o ouvira no cabeleireiro – que o clube estava à venda e o comprou a Lamberto Mazza, na sequência de uma condenação por envolvimento em apostas ilegais. Não evitou a descida no primeiro ano, fruto dos nove pontos de castigo, mas conseguiu manter o clube na Série A ininterruptamente desde 1995 até aos dias de hoje. A sua liderança, contudo, já foi mais bem aceite: desde que a família Pozzo comprou o Watford, de Inglaterra, os adeptos têm-se sentido desprezados no coração dos proprietários e já organizaram manifestações de desagrado.
Torino FC
Falido em 2005, o Torino Calcio desapareceu e em seu lugar apareceu o Torino FC, que por lei pôde ocupar a posição do antecessor na Serie B. Nessa altura, quem pegou nas rédeas da nova sociedade foi Urbano Cairo, patrão da Cairo Communication e do grupo de media RCS, que é dono, entre outros, da Gazzetta dello Sport, do Corriere della Sera e dos espanhóis Marca e El Mundo. A proposta inicial previa que Cairo ficasse com 80 por cento das ações, dando aos adeptos anónimos a possibilidade de subscreverem os restantes 20 por cento, mas o empresário não foi nisso: “Ou tudo ou nada!”, disse a Marengo e Rodda, os dois advogados encarregues de garantir a transição. E foi tudo mesmo. Até hoje, apesar de em 2010 terem circulado rumores de que o clube estava à venda.
Sampdoria
Grande até na Europa debaixo da liderança do industrial do petróleo Paolo Mantovani, a Sampdoria passou ainda pelas mãos da família Garrone – patrocinadora de longa data, por intermédio das refinarias ERG – antes de, após a morte do pai, Riccardo, Edoardo Garrone a ter cedido gratuitamente (com a dívida associada) a Massimo Ferrero. Proprietário do clube desde 2014 este ator (participou, por exemplo, em Ultrà, um filme de Ricky Tognazzi, de 1991) e produtor cinematográfico romano sempre foi adepto da AS Roma, mas safou-se bem com as definições: “tenho coração blucerchiato e mente gialorossa”. Não conseguiu ainda, porém, tirar a Samp da segunda metade da tabela da Série A.
Génova FC
Enrico Preziosi, o homem por trás da poderosa Giochi Preziosi, que espalha brinquedos por todo o Mundo, é o dono do Génova FC desde 2003. Preziosi já tinha entrado no futebol em 1993, quando comprou o Saronno e o levou da Série D à luta pela promoção ao segundo escalão. Em 1997, vendeu e comprou o Como, que também conduziu da Série C1 à Série A. Largou o clube lombardo em 2003 para tomar conta do Génova, que acabara de descer da Série B à C1. Ali, voltou a repetir a história, mesmo tendo pelo meio uma história de corrupção a implicar que uma subida ao escalão principal tenha sido transformada em nova descida à C1. O problema com Preziosi costuma ser quando ele larga os clubes: tanto o Saronno como o Como faliram depois da sua passagem.
US Lecce
O clube da Puglia foi passando de família em família, sem grande sucesso, até ser controlado por um consórcio de adeptos controlado pelo advogado Saverio Sticchi Damiani. A passagem de testemunho, da família Tesoro para este grupo, ocorreu em Novembro de 2015, após uma série de tentativas mal sucedidas de tirar o clube da Série C. Conduzido por Damiani, a US Lecce chegou em 2019 à Série A, onde luta por evitar a despromoção. À data da interrupção era antepenúltimo, sendo o presidente um dos que está contra a oficialização da tabela como ela está.
Spal
O clube de Ferrara é propriedade de uma das maiores empresas da cidade, a Vetroresina, a indústria que trabalha plásticos e laminados e o devolveu à Série A, onde não jogava desde 1968. A intervenção da família Colombarini teve início em 2013, depois da segunda falência da Spal, que já aproveitara a sentença Petrucci para recomeçar e mudar de nome. Nessa altura, já a Spal estava no futebol amador, sob o comando da Vetroresina, o clube fundiu-se com a Giacomense, que jogava na Lega Pro, e conseguiu regressar à Série A em seis anos. A Vetroresina tem 90 por cento das ações, estando os restantes 10 por cento na mão de Walter Mattioli, o presidente do clube, que tinha estado na base da ascensão da Giacomense à Lega Pro.
Brescia Calcio
Massimo Cellino, de quem já falei atrás (a propósito do Cagliari Calcio), comprou o clube de Brescia em Agosto de 2017 por 6,5 milhões de euros. Este produtor agrícola já tinha sido dono do Cagliari, que vendeu para poder comprar o Leeds United, em 2014. O facto de nunca ter conseguido controlar a sua apetência para demitir treinadores fez com que tenha sido mal aceite pelos adeptos ingleses e, em início de 2017, desfez-se do clube, investindo no Brescia Calcio, que militava na Série B. A subida não chegou nessa época, mas apenas na seguinte. O Brescia Calcio é último da Série A e Cellino, sempre polémico, já disse que a equipa não vai acabar esta época, mostrando-se ainda contra as despromoções.
tirando os chineses e capital italiano a maior parte , venha a espanha e alemanha e a frança e sabendo que sabemos a historia do psg a parte do senhor do dinheiro mas nao sabemos tudo .