O último fim-de-semana de 2019/20 sem VAR no futebol português de topo chegou para que, com o lenço Louis Vuitton que lhe envolvia o pescoço a ajudar a mostrá-lo, Carlos Carvalhal anunciasse que não precisa de ganhar dinheiro assim, mas também para que Frederico Varandas mandasse para o lixo a proverbial timidez e baixasse ao nível do balneário para “apertar” com o árbitro do jogo, provavelmente sem gaguejar e de forma mais assertiva do que nas comunicações públicas. Os dois tinham razão, como explicarei na edição de hoje do Futebol de Verdade (direto, às 12h30, nas redes sociais), mas nem é isso que está em causa. O que está em causa é que muitos dos que agora se indignam são os que também passam a vida a queixar-se de que o VAR mata o futebol. Ora digam lá isso outra vez, que agora vou tentar não rebolar a rir.
Não vi os jogos do Grupo C da Taça da Liga em direto, porque ao mesmo tempo estava a comentar a final do Mundial de clubes na RTP1. Aí, o árbitro, o catari Al Jassim, foi poupado pelo VAR à vergonha que seria ter sido ele – e não Roberto Firmino – a decidir o novo campeão do Mundo, quando aos 90’ assinalou uma grande penalidade por uma falta de Rafinha sobre Mané que, a ter existido, as imagens provaram ter sido cometida fora da área. O Liverpool FC ganhou o jogo na mesma, com justiça dupla: porque foi melhor equipa, mas também porque o conseguiu no prolongamento, e por vias legais. O VAR no Mundial nem sempre funcionou bem, nomeadamente no que ao tempo que levaram as decisões diz respeito, mas a utilidade da ferramenta voltou a ser absolutamente evidente para quem quiser compreender o que está em causa.
Ora quem compreende o que está em causa é Carvalhal. Embora ele não vá nunca admiti-lo, a birra que fez no final do jogo com o Gil Vicente é certamente algo que o embaraça, porque isto das demissões não se anuncia se não se tem a vontade de ir até ao fim. É como os castigos a um filho: se não são para cumprir, mais vale não saírem da boca. Mas uma decisão errada de uma terceira parte pode deitar por terra um objetivo, sobretudo quando ela surge tão perto do fim de um jogo, não dando tempo de reação, como aconteceu no desafio de Vila do Conde. Ora, o VAR serve precisamente para diminuir este tipo de erros, não só porque dá ao árbitro meios técnicos de suporte das suas decisões, mas também – ou se calhar sobretudo – porque dilui a responsabilidade por mais decisores.
Claro que há coisas a melhorar, como o tempo de reação – e basta ver provas como um Mundial de clubes para se perceber que em Portugal ele até é menor do que nestas equipas de arbitragem multinacionais – ou a questão da divulgação das comunicações entre árbitro de campo e VAR, seguindo o bom exemplo do TMO do rugby. E isso teria permitido entender a linha de raciocínio de Al Jassim na final do Mundial, por exemplo, quando transformou um penalti que devia ter sido um livre direto numa bola ao solo. Agora que haja quem persista naquele misto de poesia com demagogia e insista que o VAR acaba com o espírito do futebol é que me custa muito mais a aceitar. E que muitos desses venham agora solidarizar-se com Carvalhal ou com Varandas então é só ridículo.