A história de vida de Nuno Tavares, a nova coqueluche do Benfica, não se conta sem falar de futebol nem de violoncelo. A mais recente aposta de Bruno Lage no onze dos encarnados passou pela formação do Sporting, até ao momento em que a mãe o tirou da Academia de Alcochete, ainda em idade de iniciado, para o levar a dar prioridade à escola e aos estudos musicais. Nuno regressou às raízes, mais precisamente ao Casa Pia AC, mas dois anos depois acabaria por entrar no Seixal, iniciando o percurso que o levaria onde se destacou na primeira jornada da Liga com um golaço ao FC Paços de Ferreira.
Recuemos uma década no tempo, mais precisamente aos anos de 2009 e 2010. Nascido em 2000, Nuno Tavares dava os primeiros passos no futebol no Casa Pia e não passou despercebido aos olheiros do Sporting. Demorou pouco até ir parar à Academia de Alcochete, onde se cruzou com Rafael Camacho ou Romário Baró, atualmente ao serviço de Sporting e FC Porto, respetivamente. Ora, nesse momento já a outra paixão da vida de Nuno Tavares ganhava força. Paralelamente à formação no conjunto leonino, o jovem era aluno da Casa de Pia de Lisboa, onde aperfeiçoava a técnica no violoncelo.
Em 2013, quando Nuno Tavares jogava nos sub-13 do Sporting, a mãe do jogador decidiu que o melhor era tirá-lo da Academia de Alcochete, de forma a que o jovem pudesse centrar-se nos estudos. João Silva, atual treinador do Oriental, treinava na altura as camadas jovens do Casa Pia e conseguiu chegar a acordo para o regresso de Tavares aos ‘gansos’. De acordo com o próprio, comprometeu-se a levar o miúdo a casa todos os dias após os treinos, condição primordial para a mãe o deixar jogar futebol, tal como explicou já esta época numa entrevista à Rádio Renascença. Dois anos depois, porém, Nuno Tavares estava a assinar um contrato de formação com o Benfica, apesar de ter uma proposta para regressar ao Sporting.
Com o violoncelo sempre atrás
Quem jogou com ele na formação do Sporting recorda perfeitamente o outro amor de Nuno Tavares, até porque muitas vezes o jogador ia para os treinos ainda carregado com o violoncelo, que não é um instrumento nada ligeiro. David Nunes, guarda-redes do GS Loures, estava em Alcochete no primeiro ano de Nuno Tavares como leão e lembra um episódio caricato do primeiro torneio em que jogaram juntos. “O Nuno vinha do Casa Pia, clube no qual joguei também com ele. O primeiro torneio que fez no Sporting foi o mundialito, no Algarve, e logo aí foi com o instrumento atrás e chegou a tocar para nós”, contou-nos o guardião de 19 anos.
Gonçalo Cabral é outro dos ex-colegas do jogador do Benfica que se lembra desses momentos. “Ele nunca escondeu o facto de gostar de tocar violoncelo. Todos nós sabíamos dessa paixão. Lembro-me de sair da minha escola e ir até à escola dele para apanharmos a carrinha que nos levava para o treino e muitas vezes ele levava o violoncelo com ele.” Ainda assim, o jovem avançado do Cova da Piedade AC não se recorda de ter ouvido alguma vez Nuno Tavares tocar.
Nuno Tavares não era o único a dar força a este amor pela música. A mãe do jogador do Benfica, preponderante nas decisões de carreira do filho ao longo dos anos, não queria que o jovem colocasse o violoncelo de lado e deixou logo isso bem vincado quando surgiu o Sporting no horizonte do filho. Quem nos conta essa situação é Hugo Brito Cruz, coordenador técnico na formação leonina aquando da passagem de Nuno Tavares pelo emblema verde e branco.
“Quando o Nuno chegou ao Sporting, a mãe estabeleceu como condição que fosse possível conciliar as duas atividades, o futebol e a música”, começou por referir Hugo Brito Cruz. Nas palavras do ex-coordenador técnico do Sporting, o próprio clube facilitou o entrosamento destas duas paixões. “Esta situação foi algo que no clube sempre facilitámos e incentivámos, pois acreditávamos que a formação de um jogador de futebol deveria ser o mais multifacetada possível. Houve momentos em que tivemos de conciliar as convocatórias para jogos com os compromissos musicais do Nuno”, confidenciou.
Um rapaz calmo, discreto e um pouco tímido
Quem olha para Nuno Tavares dentro das quatro linhas, vê um jovem calmo, capaz de manter a compostura durante os 90 minutos. Ora, fora de campo é também essa a atitude do lateral. Pelo menos, assim o diz quem já partilhou balneário com ele. João Loureiro, médio do GD Pescadores, jogou com Nuno Tavares nas camadas jovens do Sporting e falou-nos um pouco sobre a forma de estar do ex-colega.
“O Nuno sempre foi um rapaz calmo, que não procurava qualquer tipo de stress, mesmo alinhando em todas as brincadeiras e tarefas em torneios fora. Ele sempre tentou passar discreto, pelo menos fora do campo”, referiu. Loureiro revelou ainda que nunca soube da faceta musical da vida de Nuno Tavares e pensa que isso se deveu ao facto de “ele preferir muitas vezes o seu espaço e o seu tempo”.
David Nunes e Gonçalo Cabral, por seu turno, corroboram essa tese. “Ele era um miúdo tranquilo e humilde, dentro e fora das quatro linhas. Sempre se deu bem com toda a gente”, disse-nos Gonçalo. “O Nuno era um miúdo calmo, que se dava bem com todos. Não era alguém que falasse muito, mas também não se excluía do grupo. Sempre foi um bom amigo e colega de todos”, contou David.
Até quem estava na estrutura via Nuno Tavares da mesma forma que os colegas de equipa. “O Nuno na altura era uma rapaz calmo fora do campo e um pouco tímido. Tinha um boa relação com os colegas e era educado com os responsáveis do clube”, salientou Hugo Brito Cruz. Ainda assim, o ex-coordenador deu conta de que quando ia a jogo, Tavares mudava de postura. “Quando jogava mostrava características totalmente opostas, era muito competitivo, revelava um Nuno diferente”, considerou.
Potencial enorme e qualidade técnica… lá na frente
Nuno Tavares destaca-se, hoje em dia, como lateral na equipa principal do Benfica. Um jogador habituado à esquerda agora a atuar sobre o lado direito. No entanto, esta não foi a primeira adaptação do jovem na carreira. É que quando deu os primeiros passos no desporto rei jogava bem mais à frente no terreno. Quem jogou com ele nas camadas jovens, destaca a qualidade técnica, velocidade e o potencial para chegar onde está nos dias que correm.
“Desde pequeno que o Nuno sempre foi um dos jogadores que se destacava mais pela técnica e velocidade acima da média. Por isso, não me admira que tenha chegado onde chegou”, referiu Gonçalo Cabral. João Loureiro, por seu turno, frisou a passagem do futebol de sete para o de onze e lamentou que muitos outros jogadores com potencial acabem por não chegar mais longe. “Ele jogava a médio ala ou avançado no futebol de sete e a extremo no futebol de onze. Para estar num clube como o Sporting tinha de ter qualidade e o seu futuro era risonho, como o de muitos outros que infelizmente ficaram pelo caminho.”
Há até quem confesse pensar que Nuno Tavares fosse vingar a jogar numa posição mais avançada no terreno. É o caso de David Nunes, tal como nos confidenciou. “Naquela altura, ele jogava mais à frente no campo e sempre com qualidade acima da média. Na verdade, sempre achei que ele vingasse neste mundo mais à frente no terreno do que está agora. Mas, ele sempre foi inteligente e daí ser um jogador de excelência a qualquer posição em que jogue. Na minha opinião, tem tudo para ser um jogador de elite”, considerou o guarda-redes.
No que diz respeito a coordenadores, há uma divisão de opiniões. Hugo Brito Cruz salientou que Nuno Tavares “já se destacava dentro da equipa do Sporting”. “Ele já mostrava um enorme potencial. Fazia parte de um grupo de jogadores nascidos no ano de 2000, que acreditávamos poder ter condições para chegar ao futebol profissional.” Ao invés, Joel Pinto – coordenador da formação e ex-treinador nas camadas jovens do Casa Pia – não pensa o mesmo. “Não se destacava muito no Sporting nessa altura. Quando voltou ao Casa Pia, aí sim, destacava-se bastante. Jogava bem tanto com o pé esquerdo, como com o direito e marcava muitos golos, pois jogava mais à frente no campo”, disse-nos.
Por falar em destaque, não há como negar que Nuno Tavares tem sido uma das figuras do Benfica neste início de época. O jovem lateral tem sido aposta de Bruno Lage à direita, na sequência da lesão de André Almeida, embora esteja mais familiarizado com o corredor esquerdo. No entanto, a adaptação tem sido positiva, com 180 minutos em campo nos dois jogos já oficiais dos encarnados. O jogador de 19 anos foi titular nas goleadas por 5-0 frente ao Sporting, na Supertaça, e diante do FC Paços de Ferreira, para a Liga, onde fez um golo e duas assistências. Com o que se sabe agora da história de vida de Nuno Tavares, pode questionar-se: o futebol alguma vez esteve em causa, devido à música? Quem jogou e privou com ele no balneário, considera que não.