O espanhol Natxo González era por muitos considerado o elo mais fraco entre os treinadores da Liga portuguesa para esta temporada. Mas o técnico espanhol de 53 anos tem surpreendido e tem mesmo sido um caso raro de sucesso em Portugal, no que à aposta em treinadores estrangeiros diz respeito. O holandês Co Adriaanse foi, há 13 anos, o último estrangeiro campeão em Portugal. Depois disso, muito se disse de homens como os espanhóis Quique Flores e Julén Lopetegui ou, mais recentemente, o holandês Marcel Keizer, que não tinham compreendido inteiramente a realidade do futebol nacional e que, por isso mesmo, tinham falhado na sua adaptação. Mas será possível que um país que exporta tantos treinadores se mostre tão renitente a receber estrangeiros para o lugar?
A verdade é que, na última década, em Portugal, tem reinado o treinador nacional. Na verdade, este reinado é até mais longo, já que desde o título do FC Porto com Co Adriaanse, em 2005/06, que não há um treinador estrangeiro a vencer a Liga portuguesa. É preciso recuar ao início da década de 2000 para assistir a um período dourado dos estrangeiros em Portugal. Nessa altura, conquistaram três dos cinco títulos disputados entre 2002 e 2006. Laszlo Boloni em 2001/02, Giovanni Trapattoni em 2004/05 e Co Adriaanse em 2005/06 foram os últimos técnicos estrangeiros a vencer o título em Portugal. Se até então tal era habitual, na última década e meia fez-se história: em treze temporadas desde Adriaanse, o título nacional foi sempre conquistado por um técnico português.
Ao longo dos últimos dez anos de Liga portuguesa, a aposta no treinador estrangeiro tem sido residual. Sem que exista um padrão claro que permita afirmar que tem sido feita uma maior ou menor aposta no treinador estrangeiro, certo é que são raros os casos de sucesso, mesmo que contextual e não necessariamente do ponto de vista de títulos alcançados. Em dez temporadas, foram muito poucos aqueles que conseguiram fazer uma época de início ao fim. Aconteceu apenas em três ocasiões, com Julen Lopetegui, pelo FC Porto, em 2014/15, e depois com Lito Vidigal (embora este seja angolano mas viva em Portugal desde tenra idade) e Fabiano Soares, por Arouca e Estoril Praia, respetivamente, na temporada seguinte. Em todos os outros casos, os treinadores estrangeiros na Liga portuguesa mal tempo tiveram para aquecer o lugar.
Os treinadores estrangeiros na última década da liga portuguesa

Como se percebe, 2016/17 foi a temporada em que, na última década, mais treinadores estrangeiros orientaram pelo menos um jogo na liga portuguesa. Ao todo, nessa época, foram sete os estrangeiros que passaram pelo banco das equipas portuguesas, com o mínimo absoluto a ter sido estabelecido na temporada 2011/12, quando nem um estrangeiro orientou uma equipa da Liga portuguesa. Quem sabe se por influência das experiências falhadas em Mozer, Zvunka, Van der Gaag e Jokanovic na temporada anterior a essa. Já em 2012/13, o Sporting até apostou num treinador estrangeiro, mas Vercauteren aguentou apenas meia dúzia de jogos antes de ser despedido. Foi o único treinador estrangeiro nessa temporada a treinar na liga.
Ao longo da última década, a aposta em treinadores internacionais por parte dos clubes da Liga tem servido uma ideia clara: têm oportunidades nomes com passagens relevantes pelo futebol português, como foram os casos de Carlos Mozer, Erwin Sánchez, Mitchell Van der Gaag, Pedrag Jokanovic, Lito Vidigal e mais recentemente Sandro Mendes (que tal como Lito também cresceu por cá). Só muito raramente um clube da Liga tem apostado em nomes totalmente alheios ao futebol português, com os casos de maior relevância, nos últimos anos, a terem acontecido em Alvalade, com a passagem de Marcel Keizer pelo banco dos leões, e no Dragão, com Julen Lopetegui.
Nem mesmo na Taça de Portugal onde a vitória tem sido mais democrática e fugido mais vezes aos três clubes mais titulados do futebol português (só nos últimos anos, recorde-se, tanto a Académica, como o Vitória SC, o SC Braga ou CD Aves conquistaram a prova) o caso muda de figura. Exceção feita à vitória de Marcel Keizer, pelo Sporting, na temporada passada, também na segunda prova do calendário futebolístico português o sucesso tem falado em português. Na última década só por uma vez um treinador não português venceu a Taça de Portugal. Mas estará Portugal tão desfasado daquilo que é a norma a nível europeu entre as principais ligas do continente?
Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas inglesas


Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas alemãs

Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas espanholas

Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas francesas

Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas italianas

Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas russas

Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas belgas


Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas holandesas

Treinadores estrangeiros nas últimas cinco ligas ucranianas

Só na Premier League, na temporada passada, houve quase tantos treinadores estrangeiros como na última década em Portugal. Em sentido totalmente inverso ao que sucede em Portugal, na primeira divisão inglesa os treinadores nacionais estão em clara minoria. Se em Portugal há pouco espaço para os estrangeiros, na Premier League não há espaço é para os ingleses. Os que lá chegam, como recentemente Eddie Howe ou Sean Dyche, fazem-no por terem promovido equipas à competição e não necessariamente pelos bons trabalhos feitos noutros clubes. Exceção feita, esta temporada, à presença de Graham Potter em Brighton, ele que na temporada passada estava no Swansea City. Assim, sem surpresa, a última vez que um treinador inglês venceu a liga inglesa, ainda o campeonato não se chamava Premier League. Foi Howard Wilkison, pelo Leeds United, em 1992, o ano imediatamente anterior ao nascimento daquilo que hoje conhecemos como futebol inglês: a Premier League.
Os números mais curiosos, porém, acontecem na Rússia. Apesar de ser um país habitualmente marcado pela desconfiança em relação a tudo o que é estrangeiro e de ter até casos de racismo associados ao futebol, a Liga russa tem sido populada regularmente por treinadores estrangeiros ao longo dos últimos anos. Sim, é certo que muitos são originários das antigas repúblicas soviéticas, ainda assim, não faltam também nomes mais ocidentais entre os treinadores que passaram pela competição. Ainda assim, apesar da abertura russa ao treinador estrangeiro, os últimos títulos nacionais foram conquistados por treinadores russos: Semak, no Zenit, na temporada passada e Semin, no Lokomotiv, em 2017/18. É preciso recuar até 2016/17 para ver um estrangeiro festejar o título russo, na altura Massimo Carrera, pelo Spartak Moscovo. Nas últimas cinco temporadas, só André Villas-Boas (14/15) e Carrera interromperam a hegemonia russa no que à conquista de títulos nacionais diz respeito.
Em trajetória de clara abertura ao treinador estrangeiro está o futebol ucraniano. Se há quatro/cinco anos eram poucos os não ucranianos na principal liga do país, com Mircea Lucescu, em Donetsk, como principal figura de cartaz, nos últimos três anos o número de estrangeiros tem crescido bastante. Para isso muito contribui o Karpaty, que em todas as temporadas ao longo dos últimos anos tem aberto espaço à entrada de estrangeiros no país, aspeto com o qual o Shakhtar há muitos anos se tem dado bem. Com exceção dos títulos conquistados pelo Dínamo Kiev, com Serhiy Rebrov, em 2015 e 2016, na última década de futebol ucraniano, a esmagadora maioria dos títulos foram conquistados por equipas treinadas por técnicos estrangeiros, que é como quem diz pelo Shakhtar de Lucescu e de Paulo Fonseca. Até o Dínamo Kiev, que venceu o título de 2008/09, quando a liga ucraniana passou a ser denominada Premier League, era treinado por um “estrangeiro”, o russo Yuriy Semin.
A pouca aposta no treinador estrangeiro em Portugal só tem semelhanças na Holanda, entre as principais ligas do futebol europeu. Em Itália, a abertura ao estrangeiro também não é particularmente grande – e o facto de Mourinho ser ainda o último estrangeiro a vencer a liga italiana é disso sintomático – e ainda menos se alargarmos a análise a técnicos sem ligação futebolística aquele país enquanto jogadores, mas na Holanda os números são particularmente baixos em qualquer tipo de ponto de vista que se analise. Nas últimas cinco temporadas, nem uma dezena de treinadores estrangeiros passaram por equipas da primeira divisão holandesa, sendo que nenhum deles orientou uma das formações de topo. O último treinador estrangeiro a vencer a liga holandesa remonta já a 2009/10, quando Steve McClaren levou o FC Twente ao título. Nos últimos vinte anos, só McClaren e o belga Eric Gerets foram campeões holandeses na condição de estrangeiros.
Os últimos campeões estrangeiros em cada liga do Top 10 europeu

Os últimos vencedores de Taça estrangeiros em cada liga do Top 10 europeu
