Se o futebol de alta competição recomeçar antes de estar resolvida a questão sanitária em torno da Covid19, como parece cada vez mais provável, o facto trará com ele uma série de preocupações que, no entanto, já não tem capacidade para controlar por si só. Aquilo que o futebol pode fazer é assegurar que os jogos se realizarão à porta fechada e que são respeitadas as limitações impostas pela DGS, mas já não lhe caberá a responsabilidade – nem tem o poder para tal – de evitar que as pessoas se juntem para ver jogos, seja em cafés equipados com canais codificados ou nas ruas próximas dos estádios. Aí já estamos a falar de uma responsabilidade superior, que é do Estado e das autoridades.
A parte que o futebol pode fazer está feita. Com mais ou menos injustiça, decretou quais os campeonatos que prosseguiam e quais ficavam por aqui – e eu até já tive oportunidade de discordar das soluções encontradas ou de propor outras em artigos anteriores –, impôs restrições à presença de espectadores nos jogos que vão realizar-se e prepara-se para dizer em que estádios encontra condições sanitárias ideais para completar a Liga. O resto, das duas uma: ou nunca dependeu do futebol ou deixou de depender a partir do momento em que o futebol vendeu os direitos de transmissão televisiva. Já percebemos, pelo ajuntamento irresponsável de adeptos no regresso do FC Porto aos treinos, por exemplo, que a paixão nem sempre permite que seja a razão a tomar decisões nestes momentos, mas é evidente que se as pessoas decidirem que vão juntar-se em grupos, na rua, para assinalar a entrada dos seus heróis nos estádios, só a polícia pode impedi-las. A mesma polícia que neste momento tenta convencer os mais renitentes a usar máscara nos transportes públicos. Os clubes até podem – devem, aliás – suspender os apoios a claques que transgridam nestes casos, mas não conseguirão nunca impedir adeptos de se comportarem como irresponsáveis se é isso que eles querem, contra todas as indicações.
Outra questão, mais complexa, é a da televisão. Desde que se começou a falar na hipótese de as Ligas se decidirem com jogos à porta fechada que se fala também na possibilidade de os jogos começarem a passar em canal aberto. E fala-se disso por duas razões. Uma primeira, económica, para não impedir os adeptos menos abonados de verem os jogos, reconhecendo que fica caro assinar todos os canais necessários para ver a Liga. E uma segunda, de saúde pública, para não encorajar os mesmos ajuntamentos nos cafés que tenham licença para exibir esses jogos. São, indiscutivelmente, duas boas razões. Contudo, mesmo achando eu já antes da pandemia que era inteligente que a Liga portuguesa mantivesse pelo menos um jogo em canal aberto por semana – isso é marketing básico e passa pela necessidade de criação de apelo por um produto que se quer vender… – também sei ver que neste momento já não depende do futebol garantir que isso venha a suceder.
Há contratos já assinados, em que um operador pagou – ou continuará a pagar – o direito de rentabilizar um determinado produto, o que só consegue fazer recebendo as mensalidades vindas de clientes interessados. E, neste momento, já não depende do futebol mudar seja o que for na equação. Era bom que, no futuro, num futuro com negociação centralizada de direitos televisivos e com distribuição mais equilibrada da receita, a transmissão de alguns jogos em aberto fosse salvaguardada. Neste momento, no entanto, estamos a falar de outra coisa. Estamos a falar do cumprimento de contratos. Não são os clubes nem a Liga ou a FPF quem pode forçar os operadores a descodificar o sinal. Se isso for importante por uma questão de saúde pública, terá sempre de ser o Estado a atravessar-se pelas alterações. E a pagar o preço.