O misto de coragem com impulsividade de Moussa Marega, que decidiu abandonar o campo no Vitória SC-FC Porto, indignado com os insultos racistas de que era alvo desde o início da partida, fez a primeira página de todos os jornais portugueses de hoje, da mesma forma que foi motivo de arranque da minha newsletter, a Entrelinhas, que foi publicada ontem à noite. E as reações que tive ao que escrevi vieram mostrar uma evidência para a qual tenho alertado ultimamente. Sim, há comportamentos racistas em Portugal, é preciso puni-los, erradicá-los, eles são inadmissíveis em 2020, mas aquilo de que mais sofremos no futebol nem sequer é de atitudes discriminatórias de acordo com a cor da pele: é, sim, de atitudes discriminatórias de acordo com a cor da camisola. E se o racismo é um problema social, a clubite é problema do desporto.
Francamente, acho que as pessoas nem raciocinam em alturas como estas, quando dizem coisas como “devias estar distraído quando aconteceu isto” e juntam os links mais diversos, desde notícias a condenar o comportamento da claque do FC Porto no jogo com o Young Boys a vídeos da mesma claque do FC Porto gritando insultos racistas a Balotelli. Esses são os que não gostam do azul e presumem que só condenei o que se passou em Guimarães porque sou defensor do azul. Também há os que preferem gostar do vermelho e juntar links de notícias com o lamentável comportamento de adeptos do Vitória SC num jogo com o Benfica, no qual o azar de ser insultado calhou a Nélson Semedo, para presumir que só não condenei o que sucedeu nessa altura porque não gosto do vermelho. E só não temos o reverso da medalha, porque os que gostam do azul estão numa fase cívica e solidária, em que acham que o racismo é condenável, em que respondem ao apelo da cor e dizem em coro “Somos Marega”. Até ao momento em que também eles imitarem o grito do macaco para prejudicar um qualquer jogador adversário com a pele mais escura.
Para estes atrasados mentais – repito a expressão, porque quem é capaz de imitar o grito de um macaco num estádio para insultar um jogador negro é mesmo atrasado mental e devia ter papel passado pelo médico – só há um caminho: a expulsão dos estádios. Não fazem falta. E digo-o com duas convicções. A primeira é a de que eles existem em todos os clubes. Em todos os clubes há gente capaz destes comportamentos que insultam a dignidade humana e é por isso que acho que quem tem de ser punido são os prevaricadores individuais e não os clubes, que não têm maneira de os controlar. A segunda é a de que, no fundo, eles não são racistas. São mesmo só atrasados mentais. Porque se fossem racistas também não quereriam ter negros nas suas equipas. E a base em que eles assentam a discriminação não é a da cor da pele, mas sobretudo a da cor da camisola. É por isso que são capazes deste tipo de atitudes quando visam adversários e, ao mesmo tempo, de abraçar os que vestem a mesma cor que eles em momentos de felicidade.
E é por isso também que imagino o que aconteceria se Luís Godinho, o árbitro do jogo de ontem, tivesse feito aquilo que manda a lei e que outros também já deviam ter feito antes dele, que era mandar toda a gente para os balneários. Os racistas que se movem de acordo com a cor da camisola e não da pele imediatamente se poriam a contabilizar benefícios e prejuízos, uns alegando que o FC Porto estaria a ser beneficiado porque podia interromper a tentativa de reação do Vitória SC, outros contrapondo que estaria a ser prejudicado, porque o adversário teria agora tempo para descansar e voltar fresco no dia seguinte tentar o empate de cabeça fria. Infelizmente, essa é a realidade do futebol português e só quem não quer é que não vê por trás dela a ação persistente e maléfica dos departamentos de comunicação. Afinal, o que seria de Hitler sem um Göbbels a propagandear-lhe a mensagem da supremacia ariana?