Bruno Fernandes chegou, viu e venceu. Desde que chegou a Inglaterra oriundo do Sporting, o médio internacional português só não assistiu ou marcou em dois dos jogos que disputou pelo Manchester United na Premier League. Em apenas dez presenças; em apenas 843 minutos disputados na competição, Bruno Fernandes leva já sete golos e seis assistências. Um golo/assistência a cada 56 minutos de jogo. Uma influência brutal que leva já Bruno Fernandes a ser comparado a Eric Cantona por isso mesmo. Desde Van Dijk que a Premier League não via uma transferência tão transformativa para o valor de todo um plantel. E, à semelhança do que sucedeu com o defesa holandês, também no plano defensivo se vê essa influência.
Até à chegada de Bruno Fernandes, o Manchester United detinha o quarto melhor registo de golos esperados da Premier League numa média de 1.74 xG / jogo. Ou seja, de forma simples, o United era a quarta equipa da Premier League que criava melhores oportunidades de golo e que em função disso se esperava que mais golos marcasse, em média, por jogo. Já defensivamente, o United era a segunda equipa que em função das oportunidades de golo concedidas menos se esperava que sofresse golos num registo xGA apenas superior ao do Liverpool FC. Em média, face às oportunidades permitidas pela organização defensiva da equipa, seria de esperar que o United sofresse algo como 1.03 golos por jogo.
A verdade é que Bruno Fernandes chegou e muito mudou, mas não necessariamente por aqui. O United passou a ser a terceira equipa com o maior registo de golos esperados apenas superado pelo City e pelo Chelsea, mantendo a segunda posição no que à expetativa de sofrer golos diz respeito. Ainda que, aqui, tenha passado a ser o Wolverhampton Wanderers a equipa com a melhor organização defensiva da Liga Inglesa. O que importa perceber, porém, é: passou o United a gerar melhores oportunidades de golo e a permitir menos? Sim e não.
O que trouxe Bruno Fernandes do ponto de vista coletivo ao United?
O United manteve a qualidade das oportunidades de golo criadas (1.74 xG / jogo), mas foi no plano defensivo que a equipa melhorou em termos de organização já que passou para uma média de 0.92 xGA / jogo. Tudo isto acabou por resultar numa melhoria dos pontos esperados da equipa passando de uma média de 1.84 pontos esperados por jogo para uma média de 1.96 pontos esperados por jogo. Como se explica isso? E como se explica que o United seja a equipa com mais golos marcados, a equipa com menos golos sofridos e com mais pontos conquistados desde que Bruno Fernandes chegou a Inglaterra?
Acima de tudo eficácia e algo que não é contável em números: mentalidade vencedora, algo que o próprio Solskjaer destacou há dias após a vitória perante o Brighton & Hove Albion. O United passou a marcar mais golos no mesmo volume de oportunidades de golo criadas, apesar de até ter diminuído o número de remates e a média de remates à baliza por jogo. Ou seja, passou a definir melhor o momento certo para rematar à baliza. O United passou a circular a bola de forma mais pensada e com mais critério e isso é espelhado no facto de ter aumentado o número de passes por jogo e, por consequência, o total de passes concretizados, em média. Isto apesar do volume de posse de bola ser o mesmo (55%). Agora, o United tem um cérebro e alguém que pensa e organiza o jogo ofensivo da equipa estando menos dependente da vertigem como vinha sendo típico na equipa com Solskjaer.
Uma boa forma de se perceber essa influência e capacidade de organização que Bruno Fernandes trouxe ao United passa por analisar o resultado dos ataques posicionais da equipa. O United até passou a ter em média menos ataques posicionais por jogo, mas estes resultaram em mais remates, passando por isso a haver uma melhor percentagem de aproveitamento dos ataques posicionais. Ao mesmo tempo, como vimos, o United tem menos vertigem e é mais cerebral na hora de atacar. O número de contra-ataques da equipa de Solskjaer diminuiu e o ataque passou a depender menos dos corredores laterais e dos cruzamentos. Há menos centros para a área desde então, mas a percentagem de acerto registou uma melhoria astronómica. Lá está: cérebro e critério. Organização.
Com Bruno Fernandes o United passou a perder menos a bola, quer em total, quer em qualquer zona do terreno que se analise, pelo que a consequência acabou por ser ter diminuído também o número de recuperações de bola feitas, entretanto. Naturalmente, se a equipa perde menos a bola deixa de ter necessidade de a recuperar tantas vezes. Dado muito relevante está no facto de ser em zonas altas do terreno que mais se nota a maior quebra em termos de perdas de bola, precisamente a área de influência de Bruno Fernandes.
As estatísticas ofensivas detalhadas antes e após a chegada de Bruno Fernandes (Parte 1)
As estatísticas ofensivas detalhadas antes e após a chegada de Bruno Fernandes (Parte 2)
Curiosamente, ou não, até em função disso mesmo, é mesmo defensivamente que mais se nota o dedo da organização e da mentalidade trazidas por Bruno Fernandes. Com o United mais equilibrado, concentrado e focado, o clube concede menos oportunidades de golo ao adversário e, por consequência, nota-se uma queda substancial no número de remates por jogo permitidos aos rivais. Não necessariamente em termos totais, mas principalmente no que aos remates à baliza diz respeito, algo sintomático da melhor organização defensiva da equipa. Por consequência, também, diminuiu o número de duelos defensivos disputados, principalmente pelo ar, mas a eficácia nos dois campos (solo e ar) melhorou. Regista-se também uma melhoria ao nível dos tackles e dos alívios. Em suma, desde a chegada de Bruno Fernandes, o United passou a defender melhor. Trouxe equilíbrio.
As estatísticas defensivas detalhadas antes e após a chegada de Bruno Fernandes
A chegada de Bruno Fernandes ao United transformou o modelo de Solskjaer numa equipa mais associativa. Os Red Devils passaram a fazer em média mais trinta passes por jogo e mesmo que o número de passes verticais até tenha diminuído, isso não é necessariamente negativo – até porque os passes progressivos, que realmente fazem avançar a equipa, aumentaram em média – já que pode significar que a construção passou a ser menos impulsiva e mais cerebral. Como, aliás, vários indicadores o demonstram. O United até pode ter aumentado o número de passes para trás e para o lado, mas em praticamente todos os indicadores de construção o United tornou-se uma equipa mais eficaz. Acima de tudo há mais cérebro na hora de construir o momento ofensivo. Passar para o lado e para trás é muitas vezes necessário para fazer mexer o bloco defensivo adversário e com isso ganhar espaço em zonas de desequilíbrio, para o atacar.
Isto é facilmente identificável olhando aos indicadores de posse de bola. O United passou a fazer mais passes por posse de bola, melhorou a eficácia no passe longo, faz mais passes até ao momento em que o adversário protagoniza uma ação defensiva, diminuiu muito marginalmente a distância média do passe e diminuiu também a distância média em que remata à baliza. Este último, habitualmente, sintomático de uma equipa que passa a definir melhor os momentos de decisão e/ou se coloca em melhor posição para esse mesmo momento.
As estatísticas de construção detalhadas antes e após a chegada de Bruno Fernandes (Parte 1)
As estatísticas de construção detalhadas antes e após a chegada de Bruno Fernandes (Parte 2)
O que trouxe Bruno Fernandes do ponto de vista individual ao United?
Desde que chegou a Inglaterra que Bruno Fernandes não sabe o que é perder. Em 14 jogos com o português em campo – à data deste texto o United ainda não tinha jogado com o Aston Villa -, o Manchester United ou venceu ou empatou registando uma impressionante média de 2.43 pontos por jogo – 2.33 se nos cingirmos à Premier League onde o Manchester United registou seis vitórias e três empates em nove jogos, um registo que permitiu aos Red Devils aproximarem-se de uma posição de Liga dos Campeões estando neste momento a apenas dois pontos do Chelsea, na quarta posição, quando faltam cinco jogos para o fim da temporada. A série de quinze jogos consecutivos sem perder que é atravessada pelo Manchester United só é superada pelos 26 do Bayern Munique entre os participantes das cinco principais ligas do futebol europeu. Sem surpresa, desde que Bruno Fernandes chegou ao clube nenhum outro conquistou tantos pontos na Premier League.
A influência de Bruno Fernandes no Manchester United não se vê apenas nos números próprios do ex Sporting. Com o internacional português e Paul Pogba em campo, em simultâneo, o Manchester United tem uma média de um golo a cada 24 minutos, num nível de influência que se estende a todo o restante plantel. O próprio Solskjaer o afirmou após o triunfo dos ingleses sobre o Brighton & Hove Albion: “Bruno Fernandes trouxe uma grande mentalidade vencedora consigo. Daquelas em que 99% não é bom o suficiente, que tem de ser sempre 100%”. Além disso, desde que Bruno Fernandes chegou ao clube, nenhum outro jogador marcou mais golos na Premier League (7) do que Anthony Martial, sendo que nenhum outro fez mais assistências (5) do que o próprio Bruno Fernandes.
Frente ao AFC Bournemouth no passado fim de semana, Bruno Fernandes chegou aos seis golos na Premier League, os mesmos seis golos que os anteriores médios ofensivos da equipa, Andreas Pereira e Jesse Lingard, registam desde o início da temporada passada. Em apenas sete jogos, Bruno Fernandes tem tantos golos como dois dos principais jogadores do plantel às ordens de Solskjaer em vários meses de competição. Mais do que Nicolás Pépé, também, por exemplo, aquele que foi a transferência mais cara de sempre do Arsenal e que em teoria até tem um papel mais de definição do que o próprio Bruno Fernandes.
Em toda a história do Manchester United nenhum outro jogador teve um impacto tão imediato quanto Bruno Fernandes e só dois se lhe equiparam. Até aqui nenhum outro jogador tinha conseguido ter ação direta em dez golos dos Red Devils em tão poucos jogos. Van Persie e Cantona tinham-no feito nos mesmos nove jogos, mas frente ao Bournemouth, o internacional português elevou a fasquia para a participação direta em onze golos nos seus primeiros nove jogos na Premier League. Em toda a história da competição só cinco jogadores estiveram envolvidos em tantos ou mais golos no mesmo número de jogos: Mick Quinn, Agüero, Shearer, Viduka e Papiss Cissé.
Qual peça chave do puzzle de Solskjaer, a diferença do Manchester United com e sem Bruno Fernandes é evidente. Até à chegada do médio português os Red Devils apresentavam uma média de 1.6 golos marcados por jogo e de 0.7 golos sofridos por jogo, quando a partir daí essas médias subiram/desceram exponencialmente para os 2.6 golos marcados por jogo e para os 0.4 golos sofridos por jogo. Se até então o Manchester United tinha uma percentagem de vitórias de 37.5% na Premier League, com Bruno Fernandes essa média passou a ser de 66.7%. No total de todas as competições, o United passou de vencer 44.1% dos seus jogos para passar a vencer 71.4%.
Em apenas nove jogos, Bruno Fernandes entrou já no top-10 dos jogadores da Premier League com mais passes para finalização feitos por jogo, uma lista liderada por Kevin de Bruyne, mas que não conta com a presença de qualquer outro jogador do Manchester United. E se não nos cingirmos aos passes que tiveram, efetivamente, uma conclusão via remate e por isso menos dependente da (boa/má) decisão de um colega, o impacto de Bruno Fernandes é ainda mais visível.
Em termos de “smart passes”, conceito definido pelo WyScout como “passe criativo e progressivo que procura quebrar a linha defensiva adversária de forma a ganhar uma vantagem significativa ofensivamente”, Bruno Fernandes é mesmo o terceiro jogador com mais “smart passes” por cada 90 minutos (3.06) na Premier League com um registo em muito similar com os de David Silva (3.68) e Kevin de Bruyne (3.65). Ou seja, em poucos jogos Bruno Fernandes tornou-se imediatamente num dos jogadores mais criativos e desequilibradores da competição.
Cada vez mais comparado com Kevin de Bruyne devido à sua influência criativa, os números de Bruno Fernandes na Premier League em nada o envergonham perante aquele que é considerado por muitos, a par de Messi, o jogador mais criativo do Mundo. Se é certo que Kevin de Bruyne tem uma média superior em passes para finalização por jogo (e aqui conta muito o nível de decisão dos jogadores que tem em seu redor), em termos de eficácia em nada Bruno Fernandes fica a dever ao jogador belga. Bem pelo contrário.
Desde que chegou a Inglaterra, Bruno Fernandes regista uma média de acerto de passe na casa dos 76% face aos 82% registados por De Bruyne, com ambos os jogadores a registarem valores muito semelhantes no que ao acerto de passe em meio campo defensivo diz respeito (92% para Bruno Fernandes, 91% para De Bruyne). É no meio campo ofensivo que o acerto do passe de Bruno Fernandes não é tão eficaz face a De Bruyne, mas nem por isso a diferença é significativa para o médio belga.
Enquanto este acerta 70% dos seus passes em meio campo ofensivo, onde em teoria é mais difícil acertar um passe, Bruno Fernandes conclui 65% dos seus passes nessa zona do terreno. Algo que, diga-se, tem também muito que ver com o nível de risco dos passes tentados pelo português, além do próprio posicionamento dos colegas. Se dúvidas há acerca do nível do internacional português e como este se compara com os médios de elite e classe mundial do futebol internacional, os números falam por si. Organização, liderança, mentalidade. É seguro dizer: Bruno Fernandes transformou o Manchester United.


Nota: As estatísticas utilizadas têm como fonte o WyScout, com exceção dos valores xG e xGA que são Understat; Não foram incluídos os dados do jogo frente ao Aston Villa pois o artigo foi escrito antes.
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