Três jogos pelo FC Porto, mais dois pela equipa B, não chegaram para que o público português ficasse a saber quem é Jorge Moraes, o lateral esquerdo que em Fevereiro regressou ao Brasil, para jogar no Santos FC, e que foi ontem chamado à seleção brasileira por Tite, com vista aos particulares com a Colômbia e o Peru, que decorrerão em Setembro. É claro que as convocatórias para jogos amistosos de seleções na América do Sul podem ser motivo de muita suspeita, mas basta olhar para a carreira deste canhoto de 23 anos que o Flamengo criou e vendeu como sensação para se perceber que o que ali custa a encaixar é o falhanço na Europa. Sim, porque antes de fracassar no FC Porto, Jorge já tinha passado meio despercebido – ainda que com mais presenças em campo – pelo AS Mónaco de Leonardo Jardim, que ainda é dono do seu passe.
Jorge, que tinha feito a viagem para a Europa por indicação do luso-brasileiro Deco, numa negociação intermediada por Jorge Mendes, teve de dar um passo atrás para tentar dar dois em frente. O regresso ao Brasil, viu-o desde o início como forma de voltar à seleção, que até já defendera em Janeiro de 2017, num particular frente à mesma Colômbia que lhe surge agora pela frente, no que ficou conhecido como o “Jogo da Amizade”. E ainda que não lhe tenham perguntado o que falhou a Norte, ele deu uma resposta: “O futebol na Europa é completamente diferente”, explicou, apenas para justificar que ia mais jogador do que quando chegou a França, adquirido por 8,5 milhões de euros. “Trago outra intensidade, foco no trabalho e no dia-a-dia, para poder render no dia de jogo. Foi uma grande aprendizagem”, afirmou o lateral que, um dia, na Gávea, compararam a Júnior, e que renasceu agora sob as ordens de Jorge Sampaoli, no líder do Brasileirão.


Desilusão no Mónaco, insignificante no Porto
O problema na passagem pela Europa, porém, não se verificou apenas no FC Porto. Jorge chegou ao AS Mónaco dias depois de ter sido convocado pela primeira vez para a seleção brasileira. Vadim Vasilyev, à data vice-presidente do clube monegasco, esteve sentado ao lado do novo reforço na apresentação e não lhe colocou grande pressão: “Ele já fez mais de 80 jogos pelo Flamengo, mas é preciso dar-lhe tempo de adaptação. Saberemos quando ele estiver pronto”, afirmou o representante do dono do clube, Dmitry Rybolovlev. E, com uma equipa a carburar em pleno, Leonardo Jardim optou por esperar. Benjamin Mendy era dono do lugar de defesa-esquerdo numa equipa que acabou por se sagrar campeã francesa e por atingir as meias-finais da Liga dos Campeões, pelo que o brasileiro jogou pouco e muitas vezes até a meio-campo. Foi o caso na estreia: fez de médio-esquerdo numa vitória por 4-3 em Marselha (após prolongamento) que valeu a continuidade na Taça de França, a 1 de Março de 2017 e ficou satisfeito. “O treinador passou-me muita confiança e, no vestiário, todos vieram dar-me os parabéns pela estreia”, revelou.


Até final da época, porém, Jorge faria apenas mais quatro partidas, duas na Taça e duas na Liga. A sua verdadeira oportunidade chegaria apenas depois do Verão, quando o AS Mónaco ficou sem mais de meia equipa. Entre os transferidos estava Mendy, o latera-esquerdo titular, pelo que Jorge assumiu a posição. Em Setembro de 2017 voltou a estar na lista de Tite para a seleção, desta vez em desafios de qualificação para o Mundial, mas não jogou – Marcelo foi titular com o Equador e Felipe Luís face à Colômbia. No entanto, apesar dos 27 jogos feitos durante toda a época de 2017/18 – quatro deles na Liga dos Campeões, onde até jogou frente ao FC Porto – e de, no final da temporada, ter sido destacado pelo diário inglês “The Guardian” como um dos mais promissores jovens do futebol europeu, Jorge deixou de contar para Jardim. Não chegou a vestir a camisola vermelha e branca uma única vez em 2018/19, acabando emprestado ao FC Porto antes do encerramento do mercado, muito por força da sua ligação a Deco, ex-jogador dos azuis e brancos. O que foi até estranho, conhecida que é a ligação do clube francês a Jorge Mendes, que por estes tempos é presença mais assídua em negociações com o Benfica.


No Dragão, Jorge tinha pela frente Alex Telles, outro candidato à camisola de lateral esquerdo na canarinha. E a verdade é que nunca conseguiu sequer dar a ideia de poder discutir o lugar. Quem o estreou foi Rui Barros, a 22 de Setembro, num empate do FC Porto B (1-1) frente à UD Oliveirense, a contar para a II Liga. Chegaria pela primeira vez ao onze de Sérgio Conceição cerca de um mês depois, a 19 de Outubro, para uma goleada de 6-0 ao SC Vila Real, na Taça de Potugal. No último dia desse mês, voltou a ser titular em partida da Taça, desta vez em casa, frente ao Varzim, num jogo onde atuaram de início mais alguns jogadores até aí pouco utilizados. Mas face ao empate (1-1) que se verificava ao intervalo, Jorge foi sacrificado para a entrada de Corona, acabando os dragões por vencer a partida por 4-2. “A minha confiança continua em todos os jogadores do plantel”, disse no final Sérgio Conceição, quando lhe perguntaram se o jogo tinha alargado ou diminuído as suas opções. Mas Jorge não teve mais oportunidades como titular. Ainda jogou pela equipa B frente ao CD Cova da Piedade e, a 11 de Dezembro, despediu-se do clube em Istambul, alinhando os últimos 17 minutos do desafio contra o Galatasaray, numa altura em que aquilo que mais importava era segurar a vantagem de 3-2 no marcador.
Regresso ao Brasil onde foi feliz
Vendo que não tinha grandes oportunidades de se valorizar, Jorge acabou por regressar ao Brasil em Fevereiro de 2019, deixando o FC Porto sem alternativas a Alex Telles. Seguramente porque no Dragão não era sequer visto como tal. A verdade é que, de volta onde foi feliz, o lateral reafirmou os méritos que lhe tinham valido elogios em diferentes fases da carreira. Só não foi titular em duas das 14 jornadas que leva o Brasileirão, a última das quais na derrota do “Peixe”, por 4-0, frente ao Palmeiras, em meados de Maio. A projeção ofensiva que o tornou conhecido no Flamengo ainda não o levou a marcar golos, mas as duas assistências que soma chegaram para que Tite se lembrasse dele mais uma vez… à frente, por exemplo, de Alex Telles, que também sonha com o regresso à canarinha.
Este é, assim, um regresso ao básico para Jorge Marco de Oliveira Moraes, defesa de 23 anos que se revelou nas categorias de base do Flamengo depois de ter lá chegado aos 12 anos, em 2008, para jogar futebol de salão. Vice-campeão da Copa Brasil de sub17 em 2013, beneficou de circunstâncias invulgares para chegar à equipa principal, em Março de 2014, quando tinha acabado de ascender aos sub19. No mesmo dia em que viajava para La Paz, onde ia enfrentar o Bolivar, em partida da Libertadores, a equipa rubro-negra devia jogar em casa com o Bangu, em desafio da Copa Guanabara, segunda fase do campeonato carioca. Já com a classificação definida no estadual, o Flamengo ainda pediu a antecipação do seu jogo interno, mas quando viu este pedido recusado pela Federação local, decidiu levar os titulares para a Bolívia e deixar Marcelo Buarque, treinador dos sub20, à frente de uma equipa de segundas escolhas, cujo objetivo passava apenas por não envergonhar o emblema. Os miúdos – nesse desafio esteve também Mattheus Oliveira, o filho de Bebeto, atualmente ligado ao Sporting – empataram a dois golos e os crescidos perderam na Bolívia, começando ali a selar uma eliminação na fase inicial da competição.


Jorge só voltaria à categoria principal do Flamengo um ano depois, chamado por Vanderlei Luxembrugo para um particular contra o Nacional de Montevideu. Como jogou bem, acabou por ser inscrito no campeonato carioca de 2015, o ano em que tudo começou para ele. Ainda assim, Luxemburgo não apostou logo nele. E o miúdo mostrou paciência. “Tenho que esperar. Estou trabalhando forte para que essa oportunidade chegue e eu possa dar essa alegria para a torcida e para o professor Luxemburgo”, disse na altura Jorge, que só depois do destaque no Mundial de sub20, na Nova Zelândia, foi visto como opção mais séria. O Brasil perdeu a final da prova (1-1) para a Sérvia, mas Jorge foi um dos vários membros do escrete a integrar o onze ideal da prova – com o seu compatriota Gabriel Jesus, os portugueses Ronny Lopes e André Silva ou o benfiquista Zivkovic, por exemplo. No regresso, o técnico Cristóvão Borges, que acabara de substituir Luxemburgo, começou a olhar para ele como primeira opção, à frente de jogadores consagrados como Anderson Pico ou o internacional colombiano Armero, por exemplo.


Jorge ainda fez 22 jogos nesse Brasileirão e, na marcação do primeiro golo como profissional, no Recife, frente ao Náutico, chorou. “O ano de 2015 foi inesquecível para mim. Aconteceram muitas coisas boas, como as convocações para as seleções de base, a escolha como melhor lateral esquerdo do Mundial de sub20 ou a subida ao time profissional do Flamengo”, declarou Jorge em jeito de balanço, antes de iniciar mais uma temporada, agora como titular estabelecido da posição. “O Jorge é a maior revelação do futebol brasileiro”, sentenciou por esses dias Ricardo Rocha, ex-internacional que defendeu as cores de equipas como Flamengo, Sporting ou Real Madrid. “Entrou na equipa quando esta estava mal e isso não o impediu de brilhar. Quando o vi jogar no Maracanã contra o Botafogo vi logo que era um craque”, juntou Paulo César Caju, ex-campeão mundial pelo Brasil em 1970. E a verdade é que o ano de 2016 confirmou tudo isso. Apenas com uma má sensação: Jorge falhou a presença na seleção olímpica que acabou por conquistar o ouro nos Jogos do Rio, preterido em favor de Douglas Santos (Atlético Mineiro) e Zeca (Santos FC).
Mesmo assim, Jorge foi uma aposta segura de Muricy Ramalho nesse Flamengo. Fez golos de bandeira e acabou por integrar a equipa ideal do Brasileirão, ao lado de Diego ou Gabriel Jesus. “Sonho em me tornar ídolo e jogar pela seleção adulta”, dizia por esses dias Jorge, que virou o ano para 2017 ainda como jogador do Flamengo. O papo de transferência, porém, já estava no ar, face à necessidade do clube realizar receitas extraordinárias. Quando Tite o chamou à seleção principal pela primeira vez, para o tal jogo com a Colômbia que serviu para angariar receita para os familiares das vítimas do desastre aéreo da Chapecoense, Jorge já estava com o olho na Europa. “Falta pouco para Janeiro terminar e eu conto os dias até ao fecho da janela. A minha cabeça está no Flamengo, mas se tiver de sair não tem jeito. Vou para fazer história em qualquer clube da Europa”, disse o lateral. Aqui, porém, já se enganou. A história real de Jorge, até agora, passou apenas pela América do Sul. A Europa – Portugal incluído – terá de esperar. Quem sabe se por uma segunda oportunidade.