Poucas vezes na história das finais da Liga dos Campeões fomos presenteados com uma situação semelhante: amanhã, quando PSG e Bayern Munique forem a jogo no Estádio da Luz para discutir o campeão europeu de 2019/20 e enterrar definitivamente a interminável temporada que vivemos, irão enfrentar-se as duas equipas mais goleadoras da competição. Em termos absolutos ninguém marcou mais do que Bayern Munique e PSG, sendo que o conjunto alemão é mesmo a equipa com a melhor média de golos por jogo em toda a história da competição.
Nunca na história da Liga dos Campeões um finalista chegou em tão boa forma ao encontro decisivo da competição. Em 2019/20, o Bayern Munique fez história ao alcançar dez vitórias consecutivas na prova, série impressionante com que vai a jogo este domingo. Hansi Flick tornou o Bayern Munique numa máquina impressionante de vencer, mas mais do que isso, numa máquina de dar espetáculo e num autêntico rolo compressor goleador. Tanto, que o Bayern chega à final da Champions com uma média impressionante de 4,03 golos por jogo. Em jeito de comparação, nos últimos anos, o mais perto desses registos foram os 3,2 golos por jogo do… PSG em 2017/18.
Ao todo, esta temporada, o Bayern Munique apontou 42 golos na Liga dos Campeões. Mais 17 do que o segundo ataque mais concretizador da competição, o PSG, numa diferença de golos tão grande que toma outra dimensão quando percebemos que só quatro equipas presentes na competição desde a fase de grupos marcaram, efetivamente, 17 golos. Os 25 golos marcados pelo PSG são o segundo melhor registo da competição, sendo que apenas Bayern Munique e RB Salzburgo terminaram a competição com uma média de golos por jogo superior à dos franceses. Ou seja, este domingo irão estar frente a frente as duas equipas mais goleadoras da Liga dos Campeões 2019/20 e raramente – ou nunca – isso terá acontecido na história da competição. Se isto não é promessa de golos, então, essa nunca existirá mais.
Não é só de golos que vivem as duas equipas, mas eles são potenciados por dois momentos ofensivos de grande qualidade. De um lado, o do Bayern, mais por via da organização coletiva e, por outro, o do PSG, mais por via das individualidades de excelência que Thomas Tuchel tem à sua disposição. Enquanto o Bayern Munique foi a equipa da presente edição que acumulou maior índice de golos esperados (29,37 xG tendo marcado 42 golos numa clara demonstração de eficácia da equipa de Flick), só o Manchester City se intromete entre os dois finalistas. O PSG foi, por isso, a terceira equipa com o maior volume de golos esperados (19,46).
Os registos conseguidos por Bayern e PSG são também ilustrativos da qualidade individual à disposição dos dois treinadores. Ambas as equipas estiveram bem acima dos registos esperados no que ao total de golos marcados diz respeito, sintomático de um conjunto de finalizadores de excelência e bem acima da média em ambos os conjuntos. Será, por isso, um duelo entre duas das melhores organizações ofensivas em termos táticos, mas também duas das equipas com os melhores finalizadores que o futebol mundial tem para oferecer.
Essa qualidade do processo ofensivo é ainda mais evidente quando aprofundamos a análise às oportunidades construídas pelo PSG. O conjunto francês chega à final da Liga dos Campeões com o melhor registo de golos esperados por remate, o que significa que foi a equipa de Thomas Tuchel que pela sua organização coletiva colocou os seus finalizadores nas melhores posições possíveis para terem sucesso. Cada remate feito pelo PSG teve uma média de 16,1% de resultar em golo, a mais alta da competição. Em comparação, o Bayern registou uma média de 13,9%, ainda assim uma das mais elevadas da competição. Mais uma vez, sinal claro da qualidade do processo ofensivo coletivo dos dois conjuntos.
Desengane-se, ainda assim, quem achar que o Bayern Munique é a típica equipa germânica de muita solidez e eficácia. O conjunto alemão é uma equipa altamente dominadora desde que Flick assumiu o seu comando, sendo mesmo a segunda equipa da Liga dos Campeões que recolheu maior média de posse de bola por jogo. Melhor só mesmo o Liverpool FC, curiosamente, outra equipa que talvez a generalidade dos adeptos não confunde com o ser equipa de controlo e posse de bola. O PSG, por seu lado, chega à final da Liga dos Campeões com o oitavo maior registo de posse de bola média, ainda que ambos os finalistas da competição sejam top cinco no que ao acerto de passe diz respeito. São, portanto, duas equipas com qualidade no seu momento de construção ofensiva, sendo que o Bayern só perde para o Manchester City no que à eficácia de passe diz respeito e, aí sim, talvez não exista nenhuma surpresa.
Onde pode residir um dos factos mais surpreendentes desta final é nos remates por jogo. Enquanto o Bayern chega à final como a equipa que remata mais por jogo, numa média de praticamente 23 remates por encontro, o PSG é somente a vigésima equipa com mais remates por jogo na competição. O PSG chega à final com uma média de 12,4 remates por jogo, o que atesta a facilidade da equipa francesa em marcar golos e é perfeitamente ilustrativo da qualidade individual dos seus finalizadores. Na hora de decidir e definir, o PSG é uma equipa de altíssimo nível. Pode não ser tão avassalador como o Bayern Munique, mas nem por isso é menos perigoso. Mais uma vez, lá está: o Bayern faz golos porque o seu volume ofensivo é impressionante, o PSG fá-los um pouco por isso, mas principalmente porque tem individualidades de absoluta elite.
Sintomático do caráter dominador e avassalador do Bayern Munique é também o seu registo disciplinar. O conjunto alemão chega à final da prova tendo recebido somente nove cartões amarelos e nenhum vermelho, algo bem elucidativo da organização da equipa de Flick. Afinal, se a equipa raramente se desposiciona e quase sempre tem a bola com ela, dificilmente vai ver cartões amarelos já que nem sequer é obrigada a recorrer à falta. Só nove equipas registaram médias de faltas por jogo inferiores e dessas só SSC Nápoles, Juventus ou Real Madrid, ultrapassaram a fase de grupos, sendo que o registo disciplinar do Bayern apenas é superado por Leverkusen, Benfica e Salzburgo que, lá está, também não foram longe na competição.
Não é uma das características mais evidentes ou proclamadas de cada um dos conjuntos, mas ajuda a explicar porque ambos estão onde estão e chegaram onde chegaram. Bayern e PSG foram duas das melhores organizações defensivas da Liga dos Campeões e duas das equipas que menos remates permitiram aos adversários, em média. No que ao Bayern Munique diz respeito, apenas o Manchester City permitiu menos remates em média por jogo, sendo o PSG o nono melhor registo da competição a este respeito.
Das equipas que estiveram presentes na fase de grupos da Liga dos Campeões, só mesmo o City e o Bayer Leverkusen acumularam menor índice de golos sofridos esperados do que o Bayern Munique e o Leverkusen nem sequer passou a fase de grupos da competição – os bávaros sofreram oito golos em 7,41 xGA). Nesse aspeto, o PSG não fica perto do registo do Bayern (5 golos sofridos em 11,63 xGA no caso dos franceses), mas foi claramente mais eficaz muito por culpa de um Keylor Navas de alto nível. Mesmo permitindo mais oportunidades de golo claras ao adversário, o conjunto francês sofreu menos golos, algo pouco abonatório para a carreira de Manuel Neuer na competição. Talvez por aí passe parte da esperança gaulesa na conquista da competição. Os problemas sentidos pelo Bayern no controlo da profundidade defensiva demonstrados frente ao Lyon será outra.
O Bayern Munique é, curiosamente, o conjunto da Liga dos Campeões que esta temporada mais golos de cabeça e de fora da área marcou. O problema? O PSG não mostrou ser uma equipa fraca nesse sentido, tendo sofrido apenas um golo em cada uma dessas categorias. Ainda assim, há um dado animador para o lado francês: é que onde o Bayern mostrou dificuldades, o PSG é exímio, já que o conjunto francês terminou a Liga dos Campeões como líder absoluto em passes de rotura. Ou seja, nenhuma equipa explorou tanto o espaço defensivo concedido pelo adversário como o PSG. O que é natural, quando se tem uma frente de ataque com Neymar, Mbappé e Di María.
Ainda assim a organização defensiva dos dois conjuntos é também evidente quando olhamos para os golos sofridos em situações de organização defensiva. Estarão na final duas das equipas com menos golos sofridos em situações de bola corrida: só SSC Nápoles e Juventus ultrapassaram a fase de grupos e sofreram menos golos do que PSG e Bayern Munique neste tipo de situações de jogo, sendo que nem PSG ou Bayern sofreram golos na Liga dos Campeões em situações claras de contra-ataque, ou bola parada – o Bayern tem um golo sofrido de grande penalidade.
Interessante é também verificar que estes são dois dos conjuntos da Liga dos Campeões que esta temporada mais canalizaram os seus ataques pelo corredor central e menos dependem dos corredores laterais para atacar. No caso do PSG, só mesmo o FC Barcelona registou uma maior percentagem das suas ações ofensivas no corredor central, ainda que o conjunto francês tenha atração para atacar pelo corredor esquerdo, com o direito a ter muito pouco impacto na forma sua de jogar. O conjunto francês teve 31% das suas ações ofensivas a acontecer no corredor central, 40% sobre o corredor esquerdo e apenas 29% no corredor direito. Além de ser a segunda equipa que mais depende do corredor central, o PSG foi a quinta que mais dependeu do corredor esquerdo, mas somente a 32ª no que ao corredor direito diz respeito.
Já o Bayern Munique protagonizou 29% das suas ações ofensivas pelo corredor central, a sexta maior dependência na competição, mas somente a 27ª no que ao corredor esquerdo diz respeito (34%) e 17ª em relação ao corredor direito (37%). O mesmo é dizer que se a teoria se fizer sentir, o relvado da Luz será um relvado inclinado para um dos lados do terreno. Essa importância do corredor central em ambos os conjuntos vê-se também na percentagem de remates feita por cada equipa nesse corredor do campo. Ambas as equipas são Top-10 da competição em % de remates efetuados no corredor central, com 67 e 68%. E ainda que o PSG dedique muito do seu processo ofensivo ao corredor esquerdo, é curioso que apenas 18% dos seus remates tenham origem nessa zona do terreno.
Sem surpresa, nenhum dos dois conjuntos está entre as equipas da competição que remataram mais, em percentagem dos remates totais, a partir de situações nascidas dos corredores laterais. Já diz a sabedoria popular: equipa de topo desequilibra pelo centro do terreno. No caso de PSG e Bayern isso é evidente já que apenas Tottenham e Dínamo Zagreb se intrometem entre elas no que à percentagem de remates na pequena área diz respeito. Ou seja, PSG e Bayern são duas quatro equipas que terminaram a Liga dos Campeões com maior percentagem de remates efetuados muito perto da baliza e, naturalmente, com isso, criaram mais oportunidades claras de golo como, aliás, já vimos ser realidade.
Tanto, que nem PSG ou Bayern estão entre as quinze equipas cuja percentagem de remates dentro da grande área face ao total de remates tentados é a mais alta da competição. Mais ainda essa tentativa de fazer chegar a bola bem perto da baliza adversária se vê olhando à percentagem de remates de fora da área que, no caso de PSG e Bayern, é mesmo das mais baixas da Liga dos Campeões. Praticamente nenhuma equipa rematou menos de fora da área, em perspetiva do total de remates, do que PSG e Bayern ainda que, como tenhamos visto, o Bayern seja particularmente eficaz nesse aspeto tendo marcado seis golos de fora da área na competição.
No Bayern – não tanto no caso do PSG – essa necessidade de levar a bola bem perto da baliza adversária fica ainda mais espelhada quando olhamos para indicadores como o número de toques na bola dados na área adversária já que nenhum clube na Liga dos Campeões chega perto dos registos do conjunto bávaro. São praticamente 31 por jogo, enquanto o PSG surge somente na vigésima posição com 17.6 – ainda que existam vários clubes pelo meio que não chegaram à fase de grupos. Sem surpresa, o Bayern é também a equipa da Liga dos Campeões que mais passes efetuou para os últimos 20 metros do campo, quer em termos absolutos, quer em média por jogo.
Nem sempre o futebol é justo, mas 2019/20 termina com uma final da Liga dos Campeões entre duas equipas que justificaram bem a sua presença. Principalmente o Bayern, mas tanto os alemães como o PSG mostraram ao longo da temporada terem sido duas das equipas mais fortes ao longo da competição. E se o Bayern já o era, 2019/20 pode muito bem ser interpretada como a época em que o PSG se assumiu definitivamente como um gigante europeu. Ganhe, ou não, a competição.
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