O empate do Benfica em Portimão, que voltou a deixar a equipa a dois pontos do FC Porto no topo da tabela da Liga, só não abriu uma crise na Luz porque ela já lá estava. Desta vez, o autocarro fez sem problemas a viagem, bem mais longa, até ao Seixal, onde os jogadores até passaram incólumes, e foram presidente e treinador quem teve de encarar uma tarja a exigir-lhes a demissão, com o sinal de euro a ocupar o lugar da conjunção: “Lage € Vieira Rua”. Logo os dois, que tinham começado o dia com uma conversa “a ver o mar”, como revelou Lage após o jogo. Aos que se questionam acerca dos motivos desse diálogo e se ele pode acabar com a demissão do treinador só posso responder de uma forma. Apesar das contradições serem permanentes neste Benfica, não acredito que, depois do que disse há semana e meia de Lage na BTV, Vieira tenha agora margem para trocar de treinador. E Lage pareceu mais decidido a continuar ontem do que na semana passada.
Claro que se, em dez jogos, uma equipa que até é campeã nacional só ganha um, há espaço para reflexão e melhoria. A questão aqui é: onde procurar essa melhoria? Ontem, por via de uma reação desesperada nas tribunas, o grego Samaris tornou-se “trending topic” no Twitter, o que pressupõe que para a maioria dos adeptos a coisa só vai lá com desespero descabelado. Com quem sente o emblema como eles – embora de preferência não atire pedras a carros em movimento nem vandalize propriedade alheia. Ora, Samaris tem méritos que – tal como Florentino, de resto – podiam até justificar a sua inclusão na equipa do Benfica, mas conforme se verá se ele jogar na próxima jornada, em Vila do Conde, nenhum deles é a forma como reage aos maus resultados. E se contra o CD Tondela me parece que Lage errou no onze e nas substituições, ontem já creio que o onze titular foi aquele que tinha de ser e que as razões do empate terão de ser encontradas no que se passou ao intervalo: a forma como Paulo Sérgio mexeu na equipa do Portimonense, a incapacidade do Benfica reencaixar posicionamentos defensivos na organização dos algarvios e sobretudo os fatores anímico e físico, que levaram a que o jogo tivesse passado a decorrer muito mais perto da baliza de Vlachodimos do que da de Gonda.
Ora tudo isso é papel do treinador, alegarão os defensores da via radical. Correto. É verdade que, tendo acertado no onze inicial – a passagem de Rafa para o meio gerou o primeiro golo encarnado, por exemplo, porque nunca Taarabt faria aquela desmarcação de rotura – Lage não foi depois capaz de manter os jogadores ligados à corrente numa segunda parte que o Benfica abordou numa ótica de gestão. Ainda por cima quase sempre sem bola, porque os bons posicionamentos defensivos que na primeira parte secavam quase sempre a saída de jogo algarvia antes da linha de meio-campo revelaram-se insuficientes para o Portimonense mais largo do segundo tempo. Sucede que numa equipa de alto rendimento, o papel de um treinador não se resume a isso. Seria muito idiota que para se ser treinador de alto nível bastasse saber articular um onze e reagir ao que o jogo nos diz fazendo substituições. Muitos de nós estariam assim capacitados para a função. Ou até que bastasse saber trabalhar uma equipa nos treinos durante a semana, imaginando e executando exercícios que não matem a cabeça dos jogadores e os façam crescer competitivamente. Ou entender que depois de uma paragem tão longa e retoma acelerada da competição, é preciso rodar mais o onze do que em condições normais, evitando que a queda de rendimento possa ser atribuível a fatores de ordem física.
Não é. Lage é treinador do Benfica porque é o braço executivo da política desportiva do clube para o futebol. O treinador corporiza uma política, que neste caso é a de “valorizar a ganhar”, de forma a permitir que o clube continue ativo no mercado de exportação e alimente o cash-flow permanente entre o Seixal e os cofres da SAD. É por isso que o símbolo dos euros aparece na tarja do Seixal a questionar treinador e presidente. E é claro que não é preciso estar muito atento para entender que a parte do “valorizar” depende mais de outros – dos próprios jogadores e de Jorge Mendes – e que a parte do “ganhar” anda pelas ruas da amargura nos tempos mais recentes. Ainda assim, só há uma forma de Lage deixar de ser treinador do Benfica antes do fim da época: é o próprio estar farto da pressão e resolver ir embora. E não acredito que isso aconteça nem que o Benfica encontre melhor opção assim de um dia para o outro. O futuro de Lage definir-se-á no final da época. E, mesmo havendo eleições no Outono e uma oposição mais assanhada do que de costume, obrigando Vieira a um calculismo pouco habitual, não estou nada convencido de que esse futuro não passe pela continuidade, mesmo que o Benfica acabe por não ganhar a Liga.
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