A pandemia da Covid-19 e a interrupção de todas as competições que a quarentena forçou veio frustrar as ambições de equipas como a Académica, representante nacional na Liga dos Campeões, mas também de Benfica e FC Paços de Ferreira, que já tinham iniciado o trajeto na Liga Europa. Ausente da representação nacional, porque resolveu mudar de nome, estava o campeão de 2019, imaginem, o União da Madeira. E não: ainda não enlouqueci. Refiro-me ao campeonato português da Liga de Futebol Amador de Moscovo, uma das muitas que aquela organização patrocina e nas quais, só na capital russa, jogam mais de 350 equipas, todas representando clubes famosos na Europa.
“Temos várias divisões com clubes ingleses, várias com clubes espanhóis, norte-americanos, alemães, italianos, russos, portugueses, franceses, holandeses, belgas, eslovacos e depois temos a Liga dos Campeões e a Liga Europa, nas quais os melhores de cada uma destas Ligas competem entre si”, explicou-me Nikita Gil, gestor e diretor de entretenimento da AFL em toda a Rússia, que contactei depois de ter visto numa página mundialmente famosa de Instagram, a 433, alguns vídeos de clubes portugueses a jogar. Todos os resultados das mais diversas Ligas da AFL podem ser consultados numa app própria, na qual há fichas de jogo, marcadores de golos, fotos de todos os jogos e até resumos em vídeo, com todos os golos – daí que alguns golos mais fantásticos ou alguns falhanços estrondosos tenham chegado à 433. “Conhece o Vasily Utkin? É o mais famoso dos comentadores de futebol na Rússia. E no ano passado foi ele que comentou a nossa final da Liga dos Campeões, entre a AS Roma e o FC Porto”, conta Gil.


Não comecem já a embandeirar em arco os adeptos portistas. O FC Porto não ganhou. O jogo acabou empatado a duas bolas, mas depois os romanos impuseram-se por 3-2 no desempate por grandes penalidades. “Mas há uns anos o Vitória SC ganhou a Liga dos Campeões. E em 2015 eu já fui campeão do Mundo, como treinador de Portugal”, explica ainda Gil, de certa forma divertido com o interesse que a sua história estava a provocar. Este ano, quem estava a representar Portugal na Liga dos Campeões era a Académica, que até foi terceira no último campeonato de Portugal, mas que no primeiro jogo de fase de grupos venceu o Milan por 5-3. Igualmente na Champions está o último campeão português, o União da Madeira, que após o final da última época resolveu mudar de nome e se transformou no Norwich Resurs, passando a competir na Premier League. Confusos? Pois fiquem a saber que a Académica também já jogou na Bundesliga, quando ainda se chamava FC Kaiserslautern. O melhor é explicar-vos como a coisa funciona.
Quando um grupo de amigos resolve juntar-se e formar uma equipa, a organização avalia-lhes o potencial e encaminha-os para uma das suas muitas Ligas. Mas a intervenção dos organizadores não se fica por aí. Dentro dos vários países, por exemplo, não deixam que uma equipa fraca fique com o nome e a imagem de um clube grande. “Foi por isso que a equipa do Sporting foi extinta, por exemplo. Eram muito fracos e não os podíamos deixar com o nome de uma grande equipa, como o Sporting”, conta Gil. Curioso é ver o processo do outro lado, o dos jogadores, porque na classificação da última Liga Portuguesa não havia Sporting mas havia Benfica, FC Porto, SC Braga, Vitória SC, mas também FC Infesta ou Pedras Salgadas. “Porque é que escolhemos a Académica?”, conta-me Aleksandr Khamraev, fundador e atual capitão dos estudantes. “Claro que toda a gente quer os nomes dos grandes clubes, mas nem sempre isso é possível. Na Rússia também ninguém conhece o Pedras ou o Infesta. Só o Benfica, o Sporting e o FC Porto. Escolhemos pelo emblema e pelo som, porque os nomes portugueses soam invulgares ao ouvido dos russos. E é claro que olhámos para a história do clube. Tudo influi”, explica.


Aliás, a escolha do Pedras Salgadas obedeceu à mesma lógica, segundo me explica Gil: “O fundador dessa equipa é um amigo meu, que gostou muito do som do nome”. “Pedras Salgadas!”, exclama a seguir, fazendo sibilar muito os S. E sabe o que significa? “Salted Rocks”, respondeu-me imediatamente. Mas vamos à origem destes torneios. “Os organizadores tiveram esta ideia para cativar os jogadores há uns dez anos, ainda nos campos das escolas. Depois passaram a utilizar campos semi-profissionais, já com boas infra-estruturas”, recorda Khamraev, que nunca teve qualquer contacto com a verdadeira Académica. “Não, nunca. Mas somos nós que compramos os equipamentos, com os emblemas reais e tudo”, explica. Essa é uma das despesas a juntar às normais, de inscrição e pagamento por jogo. “Cada jogador paga o equivalente a quatro euros por jogo”, conta Gil. E isso não inibiu a AFL de ter as tais 350 equipas só na zona de Moscovo. “Mas ao todo já temos cerca de mil equipas inscritas, porque a AFL não está apenas em Moscovo. Temos Ligas em mais duas dezenas de cidades russas, tal como as temos já na Bielorrússia, na Ucrânia, no Usbequistão e na Arménia”, revela Gil.


Além disso, algumas equipas podem recorrer a jogadores profissionais ou, sobretudo, ex-profissionais. A única objeção é que não podem ter sido jogadores de I Liga na Rússia, para não desequilibrarem muito as partidas. A preocupação com o modelo da competição, aliás, levou a AFL a extinguir a Liga portuguesa. “O futebol português não é assim tão popular na Rússia e não conseguíamos ter mais de uma divisão, o que nos impedia de ter subidas e descidas. Optámos então por deixar as equipas portuguesas jogar noutros campeonatos”, conta Gil. A Académica seguiu para a Liga espanhola, onde, na primeira jornada, a 7 de Março, ganhou por 4-2 ao FC Barcelona. O União da Madeira, campeão português de 2019, mudou-se para a Premier League, com o nome Norwich Resurs e, a 28 de Fevereiro, venceu o Everton por 7-1. O FC Paços de Ferreira, que ficou em segundo no campeonato de 2019, está a jogar na Liga francesa, onde também figuram o Benfica, o SC Braga, o FC Porto ou o FC Infesta. E tudo isto, tal como o palmarés das últimas épocas – permitindo, por exemplo, verificar que o Atlético foi campeão português de 2018 –, as fotos e os vídeos de todos os jogos estão na app Footbalista, construída pela organização como um fator de agregação de jogadores. Afinal, quem é que não gosta de mostrar aos amigos aquele golaço que fez no jogo da semana passada?


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