O futebol português entrou este ano mais cedo do que o habitual na fase de loucura esquizofrénica que costuma chegar lá mais para a ponta final do Inverno. Anda toda a gente tão assanhada com as arbitragens que quase parece normal vermos adeptos da mesma cor à pancada uns com os outros nas bancadas, presidentes apertarem pescoços a sócios mais insolentes nas contestações feitas em Assembleia Geral ou capitães de equipa partirem portas a pontapé e queixarem-se daquilo que os colegas correm. E que o esbracejar acompanhado de gritaria a condizer de Sérgio Conceição para Nakajima em pleno relvado de Portimão, em direto na TV, quase parece coisa de copinho de leite. Não é. E o que é grave é que isto não tem remédio.
Podia vir para aqui agora dizer que alguém devia meter não nisto. A Liga, a Federação, o Governo, a Santa Casa da Misericórdia ou os capacetes azuis (será que não teriam de mudar de cor para não serem considerados parciais?) da ONU. Mas isto não vai lá assim. Nem assim nem com aquilo que fica sempre bem defender, que é a “mudança das mentalidades”. Só que as mentalidades não mudam assim. Para se viver neste meio, provavelmente, tem de se pensar como Silas e proclamar que se é “o mais maluco de todos”. Ou, como dizia Bruno de Carvalho, citando o tio-avô Pinheiro de Azevedo, que “para se ter sucesso, a primeira coisa a fazer é criar fama de maluco”. Nesse aspeto, no contexto do futebol português, são homens à frente do seu tempo – a questão é que não acredito que seja assim que se ganha.
Recebo com alguma frequência mensagens de alguns de vós a gabar-me a paciência por ainda continuar neste caminho, apesar das resmas de insultos que também me chegam a uma cadência diária. Não me queixo, porque sei que faz parte. E, mais, porque sei que não é coisa do futebol, como se viu ainda recentemente na polémica à volta do último vídeoclip de Valete. A violência, seja ela física ou sobretudo verbal, passou a fazer parte da sociedade com a naturalidade que escolhemos conferir-lhe ao abrirmos as portas (aliás, até lhas escancarámos, por via dos algoritmos e da Reality TV, ao mesmo tempo que não deixamos mais que uma fresta aos moderados) não só àqueles que Umberto Eco definia como os “tolos da aldeia”, mas a todos os que são de alguma forma excessivos. E depois espantamo-nos com os Trumps, os Bolsonaros, os Putins…
Não, isto não é coisa do futebol. Se no Sporting já há varandistas a criticarem suspeitos de serem brunistas com oferta (e concretização) de pancada. Se no Benfica já se vê o presidente insultar e ameaçar agredir sócios que o contestam com termos que ele acha menos próprios. Se não passa uma simples semana sem que todos gritem aos quatro ventos que a Liga é uma farsa, porque está tudo comprado – pelos outros, claro, que os nossos são sempre modelos de virtudes. Se todas as semanas acontece isso e muito mais é porque, fruto da tal pluralização dos meios de propagação da mensagem, já poucos acreditam na sociedade e na sua capacidade para se auto-regular. Isto não vai para bom. E não vão ser a Liga, ou a Federação ou a Santa Casa da Misericórdia a parar seja o que for. É disso que tenho medo.