Dizia Carlos Carvalhal depois da derrota do Rio Ave frente ao Marítimo que vivemos “na era do frame”. O treinador vila-condense repetiu um argumento já utilizado por António Folha, técnico do Portimonense, na véspera, porque ambos viram golos anulados por menos de dez centímetros e, ainda que ambos tenham razão para se sentirem frustrados e expressarem o argumento, prefiro ser mais abrangente e reforçar que vivemos na era do detalhe minucioso. É que, cada vez mais, no futebol o que garante as vitórias são os detalhes. E esses detalhes valem milhões, conforme se viu nas vitórias sofridas de Benfica e FC Porto neste fim-de-semana.
A inteligência de quem esteve em campo, como foi o caso de Folha e Carvalhal, voltou a superar a vontade dos criadores de tendências, que na maioria das vezes mais não querem do que ganhos políticos ou notoriedade fácil. Uma imagem tem 24 frames por segundo e, tal como dizia Folha, quando se trabalha com margens tão pequenas, escolhendo um frame atrás o atacante está em jogo, escolhendo um frame à frente já está fora-de-jogo, porque ele e o defesa estão em movimentos contrários. Não digo isto para insinuar que os operadores do VAR fazem a escolha do frame de forma propositada para beneficiar este ou aquele, porque acredito que mais de 90 por cento dos profissionais são honestos – só sei que, querendo, podem fazê-lo e que, mesmo não querendo, essa acaba por ser uma escolha que influencia o decorrer de um jogo.
E a questão não se resolve acabando com o VAR, descredibilizando-o ou criando margens de tolerância de dez ou 20 centímetros, como já ouvi sugerido, porque aí não só se continuaria a colocar a questão do frame, como haveria na mesma discussão se depois um golo fosse anulado por um fora-de-jogo mínimo acima dessa margem ou, pior, se fosse validado porque o autor estava off-side mas por menos do que a margem estipulada como aceitável nos gabinetes. Além da melhoria na tecnologia, que inevitavelmente aparecerá, para resolver isto é fazer como em tudo o resto no futebol de alto nível. Apostar na formação, na especialização e no crescimento da competência de quem tem de executar em segundos o que depois nós levamos semanas a discutir. E isto não é válido só para questões de arbitragem: alarga-se à atividade de quem chuta a bola.
Não fossem as incessantes discussões acerca de frames e intensidades das cargas, hoje até poderíamos estar a debater a forma clínica como Benfica e FC Porto ganharam jogos em que foram inferiores aos adversários, respetivamente o Vitória SC e o Sporting. Ganharam porque foram mais fortes nos detalhes, na definição (e por definição não entendo apenas finalização, mas também a criação de condições para que essa mesma finalização seja bem sucedida, pois não é a mesma coisa chutar dez vezes de fora da área ou chutar as mesmas dez vezes em boa posição e sem opositores a pressionar). Em Guimarães, mesmo rematando metade das vezes (seis para doze), o Benfica teve o mesmo total de remates enquadrados com a baliza vitoriana do que a equipa minhota em relação à moldura guardada por Vlachodimos (4-4). Em Alvalade, o desequilíbrio foi ainda mais evidente: o Sporting só acertou uma vez na baliza de Marchesin em 15 tentativas (e essa deu golo), ao passo que o FC Porto enquadrou sete dos seus dez remates com as redes de Maximiano.
Estes detalhes também ganham jogos. Aliás, ainda acho que são fundamentalmente estes os detalhes que ganham jogos.