As ondas de choque da eliminação das quatro equipas portuguesas da Liga Europa foram um pouco mitigadas durante o fim-de-semana com a novela em torno do treinador do Sporting, as dúvidas acerca do “gajo” que pode compor o meio-campo do Benfica ou as contas da SAD do FC Porto. De repente, já ninguém discute o real valor internacional do futebol português. E é quando isso sucede que de Inglaterra chegam duas importantes contribuições: o facto de Bruno Fernandes ter transformado a equipa do Manchester United, colocando-a em posição de apuramento para a Liga dos Campeões, e a novidade de o maior concorrente do United ser agora a armada lusa do Wolverhampton WFC, comandada por Nuno Espírito Santo, com jogadores nunca aproveitados na nossa Liga.
E se a questão-Bruno pode ser vista como um epifenómeno individual – ainda que o facto de o United não ter ainda perdido desde que ele chegou… e sem Pogba em campo, deva ser visto como mais do que isso – a do sucesso dos Wolves é um caso de estudo. Ontem, em Londres, na vitória frente ao Tottenham de José Mourinho, Espírito Santo começou o jogo com Rui Patrício, Boly, Rúben Neves, João Moutinho, Rúben Vinagre, Jiménez e Diogo Jota, chamando ainda ao relvado, no decorrer dos 90 minutos, Pedro Neto e Podence. Ou seja: nove dos 14 jogadores utilizados na vitória que recoloca a equipa como séria candidata a um lugar na Liga dos Campeões passaram pelo futebol português. E, desses nove, só dois foram estrelas de primeira grandeza por cá: Patrício e Moutinho, que os outros nunca se afirmaram de forma consolidada.
No final do jogo, Espírito Santo usou uma palavra muito interessante para descrever a sua equipa. “We were relentless”, disse. E “relentless” tanto pode ser traduzido como implacável como pode ser visto como perseverante. Quando se olha atentamente para os negócios que este Wolverhampton faz, a sala é invadida por um cheiro forte a dinheiro mal gasto. Doze milhões por Boly, 14 milhões por Jota, 38 milhões por Jiménez, 18 milhões por Pedro Neto, agora 20 milhões por Podence… Parece evidente que com esse dinheiro todo se conseguiriam jogadores mais afamados ou seguros à data a que os negócios foram feitos. No entanto, com o trabalho que depois Nuno Espírito Santo vai fazendo – a tal perseverança – o clube passa a ser mais do que um balão destinado a inflacionar o mercado. A equipa vai-se construindo e os resultados aparecem.
O Wolverhampton WFC subiu em 2018 à Premier League, acabou-a em sétimo lugar em 2019, assegurando uma posição na Liga Europa, e já é sério candidato a uma posição na Champions. O debate aqui pode até vir a ser acerca dos reais objetivos do projeto. Se de repente o tal clube-balão para operações de mercado se colocou no topo da pirâmide e começa a precisar de subsidiárias que o alimentem – os Famalicões desta vida. Mas enquanto esse momento não chega, o exemplo-Wolves devia chegar para nos fazer a todos entender que o problema do fracasso desportivo do futebol em Portugal não tem tanto a ver com escolhas como tem com perseverança. Temos todos de aprender com Nuno Espírito Santo, olhar-lhe para aquela barba milenar e entender o que significa a palavra “relentless”.
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