Borislav Mihaylov, antigo guarda-redes do Belenenses, demitiu-se das funções de presidente da Federação Búlgara de Futebol na sequência de uma exigência feita pelo primeiro-ministro do país, Boyko Borissov, no… Facebook. Em causa estava o comportamento intolerável dos adeptos búlgaros durante o jogo com Inglaterra, que os ingleses venceram por 6-0: imitaram gritos simiescos e fizeram saudações nazis. O radicalismo e o racismo são problemas que têm aumentado no futebol, como espelho das sociedades em que vivemos, e isso devia levar-nos todos a pensar no papel que desempenhamos (ou não) para os combater e na razão principal para esse crescimento do intolerável: o facto de lhes darmos palco, seja nos media ou nesse mundo incontrolável que são as redes sociais.
No fundo, Mihaylov não foi forçado a demitir-se por causa do comportamento de uma fação de idiotas, mas sim por ter falado de forma excessivamente confiante e negacionista antes de os problemas ocorrerem. É fácil vir agora dizer que a Federação Búlgara devia fazer qualquer coisa. “Exijo que Borislav Mihaylov se demita imediatamente. É inaceitável que a Bulgária, um dos países mais tolerantes do Mundo, onde pessoas de deferentes etnias e religiões vivem em paz, seja associada a racismo e xenofobia”, escreveu Borissov no Facebook. Podíamos ter parado na parte em que o primeiro-ministro carateriza o país como “um dos mais tolerantes do Mundo”. Viu-se nas bancadas do Vassil Levski que isso não chega. Como não chega em Inglaterra, que pode ser vista como “um dos países mais tolerantes do Mundo”, mas onde Sterling, Rashford ou Barkley, autores de cinco dos seis golos ingleses em Sofia, são sujeitos a insultos raciais quase todas as semanas.
O problema, vamos a ver, não é do futebol – embora o futebol tenha responsabilidades na forma de o atacar. Mas o problema extravasa claramente o futebol e entra no domínio social, como se vê diariamente nos milhões de comentários presentes em cada timeline de Facebook ou Twitter. E ninguém pede a demissão do presidente do Facebook por causa disso. Aliás, a questão do Facebook é ideal para se perceber o que deve ser feito neste domínio. Ainda que a necessidade do lucro o leve a usar inteligência artificial ainda não devidamente evoluída na triagem, o Facebook quer reduzir a componente de atrasadice mental que por lá anda e, por isso mesmo, baixou significativamente o alcance do post que fiz, por exemplo, com a questão à volta de Bernardo Silva e Mendy. Como também me baixou o alcance do post a divulgar o artigo sobre os salários das mulheres-futebolistas. Os temas (racismo, igualdade de género…) eram delicados, portanto mais valia ter cuidado. Sucede que não defendo o racismo nem a desigualdade de género, pelo que este tipo de ação preventiva equivale a não deixar entrar num estádio um tipo de cabeça rapada só porque se admite que ele possa ser racista – mas depois deixam-se entrar cabeludos que vão imitar macacos sempre que um jogador negro tocar na bola, da mesma forma que no Facebook não se inibem comentários a posts onde só se espalha a intolerância face à diferença.
É preciso, por isso, distinguir dois planos de ação. Primeiro, a identificação das causas; depois, a criação de formas de erradicar este tipo de comportamentos. E em ambos os planos não são só as organizações futebolísticas a ter a responsabilidade – porque, já o disse, os idiotas andam no futebol porque sabem que lhes será dado palco, mas eles existem muito para lá das bancadas dos estádios. Sim, as multas a federações e clubes são ridículas, a ponto de ficar mais barato pagá-las do que pôr em ação medidas para erradicar estes comportamentos. Mas, mesmo que agora a Bulgária seja banida do Europeu 2020 (onde só lhe falta um jogo, de qualquer modo, pois vai ser eliminada) ou até afastada da qualificação do Mundial 2022, o que é que isso vai fazer aos idiotas do país? Vão deixar de ser racistas numa discussão de trânsito? Vão deixar de ser nazis se forem confrontados com questões como as da emigração ou dos refugiados? Claro que não. E é quando penso que isso é muito mais importante do que os gritos simiescos surgidos num estádio de futebol que me lembro do extraordinário “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick. A sugestão e posterior falha total do “Tratamento Ludovico” a que foram sujeitos os delinquentes do filme é a prova acabada de que há décadas os homens procuram compreender toda a complexidade de uma questão que se agrava, mas que ainda não encontraram forma de a combater. Porque isto não vai lá com demissões.