O Belenenses tem-se multiplicado em comunicações nas redes sociais para explicar ao Mundo que não vai jogar hoje com o Benfica. Que a sua equipa de futebol compete na I Divisão distrital da AF Lisboa e não na Liga e que quem vai hoje defrontar os campeões nacionais é a Belenenses, SAD, uma denominação que dá pouco jeito em títulos de jornal, comentários de televisão ou relatos de rádio – já imaginaram um relatador a gritar em plenos pulmões “Goooooolo da Belenenses, SAD!”, com a pausa a que a vírgula obriga? Discutir aqui quem tem razão, se o clube se a SAD, com todas as possibilidades de recurso e contra-recurso a que isso levaria, conduzir-nos-á a uma querela interminável, na qual uma solução judicial será sempre prejudicial para todas as partes: clube, SAD e futebol português em geral. Porque, tal como na disputa bíblica resolvida pelo Rei Salomão, importa mais olhar para o futuro do que atribuir culpas pelo passado.
Quando há um divórcio, pode até ser importante perceber quem fez mais para manter a família unida e quem esteve na origem do fracasso do matrimónio, mas o fundamental mesmo é atribuir a guarda das crianças e assegurar que os dois adultos têm possibilidades de criar um novo lar, provavelmente fazendo cedências no que aos filhos e aos bens comuns diz respeito. É isso que Patrick Morais de Carvalho, presidente do clube, e Rui Pedro Soares, líder da Codecity, detentora da maioria do capital da SAD, têm de ter em conta no dia em que as entidades responsáveis pelo desporto e pelo futebol em Portugal os chamarem para acabar de vez com este impasse e seguir em frente. Se esse dia alguma vez chegar, como já devia ter chegado há muito.
A comparação com um divórcio entre marido e mulher faz mais sentido do que possa parecer à primeira vista, porque tal como nesses casos, ambos têm feito figuras muito tristes, que em nada os dignificam. A SAD persiste em, mais do que a herança, querer manter o passado, a glória histórica e até os adeptos que fazem parte do património do clube, ao mesmo tempo que o clube insiste em proibir a equipa da SAD de manter o “nome de família” e chegou mesmo a fechar as portas das Salésias a um jogo de miúdos entre as duas fações, quando manda o bom-senso que, tal como nos divórcios, os miúdos devam ser os últimos a sofrer como o desenlace.
A realidade atual é, ainda assim, desafiadora. A equipa da SAD joga na Liga principal, recebendo os adversários em estádios casuísticos – na época passada fez casa do Jamor e depois do Bonfim –, sem raízes e quase sem adeptos, tal como um ex-cônjuge que vai dormindo em hotéis e não é capaz de manter uma relação duradoura. Ao mesmo tempo, a equipa do clube joga várias divisões abaixo – subiu de escalão neste Verão –, no Restelo, a casa de família, tendo mantido os amigos mas não aquilo que verdadeiramente entretinha boa parte deles, que era o acesso à “high life”. Esta é, no entanto, uma realidade aceite pelas duas partes. Neste momento nem a SAD exige jogar no Restelo e manter aqueles adeptos mais empedernidos que estão do outro lado – e mesmo que o exigisse devia saber que os afetos não se compram nem se decidem em tribunal – nem o clube exige a vaga na I Divisão que a Codecity garantiu no dia em que comprou a maioria do capital da SAD. Tudo parece resumir-se a uma questão de designação, portanto.
O que falta é encontrar uma solução que dignifique as duas partes. Falta o clube perceber que tem de fazer o seu caminho ascensional – ou não… – até provar que merece regressar à I Liga. E falta a SAD entender que precisa de uma base e de um nome que lhe permita – ou não… – criar raízes e angariar adeptos, mesmo que, à boa maneira das “franchises” do desporto norte-americano, para tal tenha de mudar de cidade e radicar-se numa zona onde se goste de futebol mas não haja concorrência. Pensem só na falta que fazia ao futebol português de topo uma equipa no interior centro. E perguntem a vocês mesmos se, radicando-se ali, jogaria com menos que os 1107 espectadores que estiveram na estreia da equipa em casa nesta época ou que os 942 que dela se despediram na última partida da Liga anterior.
Texto adaptado de um original escrito a 20 de Fevereiro de 2019