É sempre possível reconverter um jogador, transformar um problema numa solução. Que o digam Seferovic e Marega, por exemplo, que era de quem devíamos estar a falar em semana de clássico, que no entanto tem sido consumida com detalhes sórdidos do processo Bas Dost. O suíço e o maliano já estiveram para ser dispensados – o segundo foi mesmo e voltou ao Dragão – e são hoje as forças principais dos ataques com que Bruno Lage e Sérgio Conceição se preparam para enfrentar o jogo grande de sábado. Por uma razão: nos processos que os evolveram, ao contrário do que se passa agora com o Sporting, Bas Dost e os empresários do holandês, não houve preocupação excessiva de todas as partes em salvar a face. Sobretudo quando chega às duas partes, a preocupação com a imagem pública é o pior inimigo da gestão do conflito. E, mais até do que o dinheiro, é isso que deixa Bas Dost e o Sporting com um problema que nem os especialistas mais afamados em diplomacia terão facilidade em resolver.
Vamos ser claros. Seferovic esteve para ser dispensado no início da época passada e só o não foi porque o Benfica tinha dúvidas acerca da condição de Jonas. Mas para o sabermos temos de fazer contas de cabeça e basear tudo numa grande quantidade de rumores que circulavam por aí, porque nunca o clube assumiu, assim, com todas as letras, que o suíço que acabou por ser o melhor marcador da Liga era o quarto ponta-de-lança de uma hierarquia onde nem sequer constava João Félix, atrás de Jonas, Ferreyra e Castillo, e que a ideia era despachá-lo, porque a equipa jogava em 4x2x3x1. O silêncio oficial, porém, permitiu a toda a gente salvar face e não inviabilizou que Seferovic fosse solução e não problema. Ora, foi precisamente o comunicado emitido pelo Sporting no sábado à tarde, assumindo um “princípio de acordo com o Eintracht” para a ida de Bas Dost para Frankfurt, que veio desencadear todo este processo. Eu já o estranhara aqui, sobretudo por vir em sentido inverso ao dito por Marcel Keizer horas antes, mas lançam-se agora mais dúvidas acerca das reais motivações de tão esclarecedora comunicação.
O caso de Marega teve mais “low profile”. O maliano fez meio ano muito mau no Dragão, depois de chegar no Marítimo, em Janeiro de 2016, mas tinha a seu favor as expectativas baixas e, por isso mesmo, nunca motivou nenhuma necessidade de explicação pública que levasse à perda de face. Ao fim de seis meses, Marega foi despachado para Guimarães, num empréstimo pelo qual ninguém teve sequer vontade de perguntar, porque o maliano valia o mesmo em termos de interesse do público que o coreano Suk, por exemplo. E, depois de o terem visto chegar ao mesmo tempo do Vitória FC e sair ao mesmo tempo, para a Turquia, quantos de vós sabem onde está Suk hoje? Ora, mais uma vez, é o interesse do público que torna diferente o que se passa com Bas Dost. É que Marega tinha feito um golo em seis meses com as cores do FC Porto e o holandês foi o mais prolífico goleador que o Sporting teve desde Jardel. O que também torna mais difícil gerir as coisas sem que alguém perca face pelo meio do processo.
O caso Bas Dost começou verdadeiramente quando o jogador levou com uma fivela na testa e viu nisso razão suficiente para deixar o clube. Quem não veria? Continuou quando, para o segurar, Sousa Cintra lhe ofereceu – a ele e aos seus empresários – valores que dificilmente o Sporting poderia pagar a não ser que entrasse numa espiral de sucesso incontrolável. Teve um terceiro episódio quando, por razões estratégicas, Marcel Keizer deixou de conseguir tirar do jogador o rendimento que dele se esperava. Tudo somado, originou um cocktail de difícil resolução, mais ainda se ninguém quiser ceder. Percebe-se agora, à luz dos acontecimentos, que quando o Sporting veio – de forma aparentemente extemporânea – comunicar que já havia o tal “princípio de acordo” com o Eintracht, o que temia não era uma multa qualquer da CMVM, mas sim que o jogador e os seus empresários recuassem ou fizessem mais e mais exigências. E isso transportou o caso para toda uma nova realidade. Neste momento, aquilo que está em causa já não é a perda de face de Sousa Cintra, por ter feito um negócio mais do que duvidoso, ou de Keizer, por não ser capaz de tirar rendimento de um jogador que tinha brilhado com todos os seus antecessores. O que está em causa é a perda de face de Bas Dost, que mesmo em silêncio tem “falado” pelos comunicados dos seus agentes, e de Frederico Varandas, que ou consuma um negócio que nunca será bom, pelos valores envolvidos, ou fica com um empecilho de seis milhões de euros por ano em mãos.
O caso Bas Dost tem saídas, mas nenhuma delas é boa. Ou o jogador abdica do dinheiro que está a exigir e vai mesmo embora por valores que, mesmo assim, são muito baixos para o que o Sporting esperaria receber por ele. Ou o Sporting abdica dos princípios e paga mesmo os tais valores extra que alega que a empresa que gere a carreira de Dost está agora a exigir para ele voltar à Alemanha – e aí a transferência fica ainda mais barata. Ou se monta aqui um espetáculo de “pazes feitas” em que o jogador fica em Alvalade e a fava acaba por sair a Gunther Neuhaus, o proprietário da Think Forward, que sairia do palco e assumiria o odioso da questão. Suspeito que, a ser esta a solução escolhida, não vá ficar barata.