Se passou boa parte dos últimos dois meses em quarentena, em tele-trabalho, tenha ou não sido colocado em lay-off, sabe do que vou falar. O Mundo já não é o mesmo. A nossa perceção dele mudou, por mais que digamos o contrário. Isto de ficar fechado em casa, de ver sempre as mesmas caras, de mudar rotinas, de trocar o ritmo alucinante em que se vivia pela difícil escolha da série que vamos ver no Netflix ou na HBO, mexe com toda a gente e tira o foco. É por isso que quando me perguntam que Liga vamos ter no fim deste mês, quando voltarem mesmo os jogos de alta competição, a minha resposta é sempre a mesma: “não sei”. Suspeito, ainda assim, que o campeão será o melhor motivador.
Podem os treinadores assegurar que as suas equipas vão voltar a tope, mas nada disso é mais do que puro pensamento positivo e esperança. “Começaremos com toda a força, para nos prepararmos da melhor forma”, anunciou Sérgio Conceição no sábado, no Porto Canal, garantindo que o seu grupo vai “defender o FC Porto até à última gota de suor”. “Estamos determinados em fazer uma ponta final ao nível da nossa competência, correspondendo da melhor forma ao que um clube com esta dimensão merece”, anunciou ontem Bruno Lage, na newsletter do Benfica, colocando igualmente o foco no esforço: “Vamos correr muito”. Os dois sabem que estão em território por mapear, tanto no plano do treino como sobretudo no aspeto mental. Porque nunca ninguém foi submetido a uma situação como esta: afastamento total da realidade de competição durante quase dois meses, sendo esse período seguido de um outro de igual duração com uma elevada intensidade competitiva e no qual se decide um campeonato.
No meio disto tudo, há questões mais fáceis de trabalhar do que outras. Umas são técnicas ou táticas e não será certamente complicado para um especialista refrescar a memória de um grupo acerca das dinâmicas, dos processos, daquilo que é o modelo de jogo de uma equipa, mesmo que o trabalho seja faseado e comece em grupos menores, devido aos riscos de contágio. Outras são fisiologia pura – e também não será difícil a um especialista ajustar as cargas físicas para evitar que os jogadores caiam como tordos com lesões musculares assim que começar a ser-lhes exigido que estiquem. O mais complicado neste processo é a parte psicológica. Porque há um ponto de equilíbrio para maximizar o rendimento de uma equipa que é algures entre o burnout e o relaxamento.
A ciência do treino já determinou que a fadiga central, o cansaço psicológico, é a mais limitadora no rendimento de um jogador – ficaram célebres há quase 20 anos os fins-de-semana de folga total que José Mourinho dava a alguns jogadores, à vez, para que eles tirassem por completo a cabeça do futebol e voltassem revigorados. Mas do que se precisa aqui é de atingir esse nível de pré-burnout partindo do relaxamento total a que a quarentena levou. E isso só lá vai com motivação, com trabalho mental em cima dos plantéis. Esse vai ser o aspeto fundamental nesta tão peculiar corrida ao título.
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