É raro vermos um jogo em que os dois treinadores fazem publicamente a mesma leitura do que se passou em campo, mas foi isso que aconteceu anteontem após o Benfica-FC Porto. Ora, se tanto Sérgio Conceição como Bruno Lage concordam que o que decidiu o jogo foi a forma como o FC Porto conseguiu impor uma organização defensiva superior, controlando o espaço interior, e soube depois dar perigo às saídas em transição, todos aceitaremos também que isso não é novidade nenhuma. Só que, ao contrário do que Lage disse quando deu os parabéns ao treinador adversário, possivelmente ainda com a frustração da derrota a pesar-lhe em demasia no subconsciente, a questão fundamental não é filosófica. É de ser capaz de, mantendo uma filosofia, mudar de plano prático se aquele que se trouxe para um jogo não está a resultar.
“Não me peçam para me limitar a anular o adversário e sair bem em transição”, disse Bruno Lage, deixando uma farpa a Sérgio Conceição logo depois de lhe dar os parabéns. “Dessa forma não teríamos feito o que fizemos no ano passado”. Tem razão o treinador do Benfica. Como também a tem o técnico do FC Porto na forma como delineou a estratégia para o jogo. Antes de o colocar em prática, a um treinador cabe, antes de mais, uma função: definir o modelo de jogo. E para o fazer não são irrelevantes as caraterísticas dos jogadores que tem ao dispor. Nenhum treinador define o modelo só em função dos jogadores que tem, junta-lhe sempre as suas ideias, mas é louco aquele que acha que vai impor aos seus jogadores um modelo que vai contra aquilo que eles são capazes de fazer em campo. No limite, se um treinador tem uma ideia de jogo fortemente enraizada – por exemplo, futebol apoiado, de toque, baseado na posse e na iniciativa – e chega a um clube cujo plantel está cheio de futebolistas altos e espadaúdos, tecnicamente maus mas fisicamente muito fortes, quem esteve mal foi o diretor que o contratou, porque a escolha vai necessariamente provocar uma má notícia. Ou a necessidade de remodelação do plantel ou um treinador fora da sua zona de conforto.
Chegando ao clássico de sábado, Bruno Lage tem toda a razão no que diz. Se quisesse colocar os seus jogadores a fazer o futebol que pratica esta equipa do FC Porto, provavelmente não teria ganho a última Liga. Da mesma forma que Sérgio Conceição poderia dizer que se tivesse posto o seu FC Porto a jogar o futebol deste Benfica também não teria ganho a Liga de há dois anos. A questão é que os modelos não ganham jogos: os dois treinadores já se defrontaram três vezes e não ganhou sempre o mesmo. O que esteve em causa no clássico de sábado não foi o facto de as duas equipas terem filosofias futebolísticas opostas. Foi, sim, o facto de o Benfica nunca ter sido capaz de contrariar os problemas que lhe foram apresentados, de forma prática, pelo FC Porto, naquele dia. Foi o facto de, em campo, os jogadores também não terem tido a noção do que se lhes pedia se o Plano A não estava a resultar, de que era preciso menos jogo aéreo, menos passes verticais, mais largura e velocidade na variação de flanco.
No fundo, isso deveria chegar para nos tranquilizar a todos. Porque o futebol não é – e creio que nunca será – um ambiente totalmente controlado em que à introdução de uma série de variáveis se sucede um resultado inevitável. E isso é muito bom.