Foi com apenas 27 anos, no final da temporada 2017/18, que Miguel Calisto decidiu pendurar as chuteiras. Trocou os relvados pelo banco, depois de uma temporada menos conseguida, em que percebeu que “já não tinha margem de progressão” como jogador. Dois anos volvidos, o jovem ribatejano, natural de Pontével, acaba de celebrar a primeira promoção da carreira, fazendo o clube da terra regressar à 1.ª Divisão Distrital de Santarém. “Tem sido um bom início de carreira, mas as dificuldades vão surgir e a maior delas vai ser já na próxima época”, afirma o jovem técnico.
O jovem ribatejano, que nos primeiros anos de sénior chegou a atuar na antiga 3.ª Divisão Nacional, ao serviço do Sport Lisboa e Cartaxo, ainda hesitou perante o peso da inexperiência, mas acabou por decidir lançar-se mais cedo do que o habitual como treinador. “O maior medo que tive inicialmente foi o da liderança, sobretudo com os jogadores mais velhos. Mas consegui ganhar o respeito de todos e isso refletiu-se na forma como o clube evoluiu”, explica Calisto.
A subida surgiu após deliberação da Associação de Futebol de Santarém, na sequência da interrupção de todas as provas devido à pandemia da Covid-19. Embora não tenha sido conseguida no campo, a verdade é que o GD Pontével liderava destacado a série sul da 2.ª divisão distrital e estava muito perto de garantir o apuramento para a fase de promoção. Isto depois de uma temporada em que apenas foi derrotado por uma ocasião nos 17 jogos disputados no campeonato, além da eliminação nos oitavos-de-final da Taça do Ribatejo.
Retirada precoce
Após três épocas no Cartaxo e outras tantas no clube da terra, o médio criativo rumou ao Empregados do Comércio, equipa de Santarém que disputava a 1.ª Divisão Distrital, no auge da carreira de futebolista. A experiência durou igualmente três temporadas, numa altura em que, em simultâneo, dava os primeiros passos nos bancos. Após terminar a licenciatura em treino desportivo, o jovem pontevelense começou por fazer o estágio nos Sub-11 da Académica de Santarém, orientando a equipa de Sub-12 na temporada seguinte. Até que tudo se proporcionou para um final precoce da carreira de futebolista e um início antecipado da carreira de treinador.
“Tinha tido uma época um pouco desgastante enquanto jogador, onde aconteceram coisas que para mim não faziam sentido no futebol. Acabámos por descer de divisão. Na minha cabeça comecei a pensar que, apesar de gostar muito de jogar futebol, se tinha a oportunidade de começar já a carreira de treinador por que não aproveitar e começar mais cedo para aprender e evoluir. Por mais que gostasse de jogar futebol já não estava a ter o rendimento que queria, nem que pensava que poderia vir a dar”, confessa. Foi então que se uniram as vontades e surgiu um convite inesperado da pequena vila no concelho do Cartaxo de onde é natural. “Em conversa com um amigo surgiu a possibilidade de assumir o comando do GD Pontével. Já estava inclinado para deixar de jogar, já sabia que ia deixar o Empregados do Comércio e assim que surgiu a possibilidade de treinar o GD Pontével fiquei logo entusiasmado. Como era bastante novo não sabia como as coisas iam ser no início, mas acabei por apostar de vez na carreira de treinador”, recorda Miguel Calisto.
Em 2018/19 Miguel Calisto estreou-se no futebol sénior com um 4.º lugar. Depois de alguns ajustes no plantel, o GD Pontével surgiu ainda mais forte em 2019/20, estando lançado para a promoção quando a Covid-19 fez parar a competição. “O plantel já era bom, mas havia muitas lesões. Também cometi o erro de aceitar as opiniões de outras pessoas em relação a jogadores que não podiam ir aos treinos todos, mas que acabaram por ficar no plantel. Esta época saíram alguns jogadores que achava que não estavam enquadrados no grupo e estabeleci o objetivo de ter muitos jogadores para treinar, de forma a promover competitividade em todas as posições. Assim ninguém tinha a titularidade como garantida”, frisa.
“Uma das coisas que consegui incutir esta época foi a mudança de mentalidade dos jogadores. Consegui que eles percebessem que com foco e esforço colhem frutos mais tarde. Até começámos a temporada com um empate, mas depois surgiram as vitórias, chegámos ao primeiro lugar e eles começaram a perceber isso mesmo. Conseguimos criar um grupo muito unido e com muita amizade”, sublinha o jovem treinador. Apesar de a prova ter sido cancelada, semanas mais tarde saiu a deliberação da AF Santarém, que veio dar a oportunidade ao jovem técnico de se estrear no principal escalão distrital ainda antes dos 30 anos. “Vamos para um campeonato muito mais competitivo e difícil, com deslocações mais longas e com um plantel em que nenhum jogador recebe. O desafio, agora, vai ser mantê-los motivados, confiantes e a vir aos treinos”, assegura.
O jovem técnico admite já ter sido abordado por outros clubes, mas prefere continuar em Pontével, onde, por agora, se sente “bem e a evoluir”, mesmo que a ambição passe por chegar a patamares superiores. “Embora não queira alimentar expectativas demasiado elevadas, sinto que quero chegar mais longe e que o futuro não vai passar pelo GD Pontével. No entanto, neste momento, quero é aprender para depois estar preparado para dar o salto” confessa Calisto, que já renovou com o clube da terra para a próxima temporada. “Estou perto de casa, tenho o apoio das pessoas, tenho os jogadores e a direção comigo. Além disso, vendo que estou a evoluir e que posso ajudar o clube também a evoluir, não faz sentido abandonar agora que as coisas estão a correr bem. Vamos continuar juntos enquanto assim for. Tenho algum receio de ver como vai ser no próximo ano. No entanto, sinto que no geral estou a fazer um bom trabalho, embora as minhas ideias ainda não estejam bem delineadas no jogo da equipa. Sei que não posso exigir aos jogadores coisas que não conseguem fazer, por isso a minha ideia passa por perceber o que eles têm de melhor e adaptar-me eu aos jogadores que tenho, em vez de ser ao contrário”, explica.
Fintar a Covid-19
Como criativo que foi enquanto jogador, Miguel Calisto não teve dificuldade em inovar durante este período de pandemia, lançando um projeto de treino pessoal destinado a jogadores de futebol. “Sou professor de motricidade num jardim-de-infância e também dou aulas de padel, além de treinar o GD Pontével. Com esta situação, as três coisas pararam. Como não queria estar parado surgiu-me uma ideia de fazer algo como personal trainer direcionado só para o futebol, com treinos individualizados. Era algo que fazia antigamente com amigos meus, sem qualquer objetivo. E como me sinto à vontade com crianças, decidi avançar com a ideia”, conta-nos.
“Até agora tenho dois grupos de miúdos. Nesta altura há um pouco de medo e também é uma ideia pouco habitual. As pessoas não estão habituadas a ter de pagar para serem treinadas no futebol. Há muitas abordagens das pessoas, mas depois ficam um pouco reticentes. Vou fazer uns vídeos sobre os treinos para expor ainda mais esta atividade, que é uma forma de não parar de trabalhar naquilo que gosto”, assevera Miguel Calisto.
O colete da sorte
Com o nível 1 de treinador e o desejo de tirar o nível 2 já na próxima época, Miguel Calisto não esconde o sonho de chegar longe na carreira de treinador. “Não sei se vou conseguir chegar ao topo como treinador principal, mas gostava que daqui a 10 anos estivesse num nível competitivo já superior e muito mais evoluído. Vou esforçar-me para conseguir, nem que seja como adjunto ou noutro cargo ligado ao futebol”, promete Miguel.
Aos 29 anos, o sucesso precoce remete para inevitáveis comparações com Julian Nagelsmann. Curiosamente, Miguel Calisto elege o técnico alemão como o grande ídolo – e o sistema de jogo do RB Leipzig como o preferido. O timoneiro do GD Pontével segue a carreira de Nagelsmann desde o início e admite que tenta “beber” algumas das ideias de jogo do germânico, embora realce que seja difícil concretizá-las no futebol distrital. “Gostava de controlar o jogo com bola, mas neste nível acabo por controlar muito mais o resultado sem bola”, refere. A juntar a tudo isso, o jovem ribatejano tem, inclusivamente, um colete como imagem de marca. “Gostava de ver o Nagelsmann com o colete e acabei por ir comprar um para levar para os jogos. Foi dando sorte e continuei a usá-lo”, admite.
Calisto também revela ser admirador de Guardiola. Em termos de treinadores portugueses diz ter sido influenciado “pelo início da carreira de Mourinho”, não esquecendo “a forma como Jorge Jesus tira o máximo rendimento dos jogadores” e como as “equipas de Leonardo Jardim jogam”. O sonho? “Treinar o Benfica”, garante. “E também o Cristiano Ronaldo”, acrescenta, antes de sublinhar que, mesmo perante a precocidade de um e a longevidade de outro, “essa é uma tarefa impossível”.