Começam a soar os alarmes no Manchester United, um clube que teima em não voltar à glória após a retirada de Sir Alex Ferguson. Desde a criação do novo formato da Liga Inglesa (1992/93) nunca os red devils tinham somado tão poucos pontos (nove) nas primeiras sete jornadas. A ocupar atualmente a 12.ª posição da tabela classificativa, o conjunto de Old Trafford está pontualmente mais perto do último lugar (Watford FC, que tem três pontos) do que da liderança (o Liverpool FC, que soma 24). Entre as causas apontadas para esta tragédia estão o treinador, Ole Gunnar Solskjaer, uma praga de lesões, a falta de entrosamento entre juventude e experiência… ou simplesmente a falta de qualidade do plantel.
“Por quanto mais tempo é que vai ser permitido a Solskjaer continuar até que seja colocado um ponto final a esta experiência”, questionava o portal Goal.com no início desta semana. Esse é um ponto recorrente em toda a imprensa desportiva inglesa, que dá como cada vez mais perto do fim o tempo do norueguês no clube. Com a derrota por 1-0 diante do Newcastle United, no fim de semana, a temporada do Manchester United está resumida a três vitórias, cinco empates e três derrotas… números muito abaixo daquilo que é esperado de um emblema deste gabarito. Para além disso, são agora onze os compromissos consecutivos fora de portas em que os red devils não conseguem vencer. O último triunfo como visitante aconteceu em março, contra o Paris Saint-Germain (3-1).
O Independent deu-se ao trabalho de elaborar um ranking dos clubes da Premier League em maior crise e quem lidera, sem espanto, é o Manchester United. “A última vez que o United fez uma transferência bem-sucedida foi com De Gea, em 2011. A última vez que o United nomeou um treinador bem-sucedido foi com Ferguson, em 1986. As probabilidades nas apostas são mais próximas da descida de divisão do que do título. É um clube a andar à deriva rumo a mais uma década de mediocridade, como a que o Liverpool FC passou tanto tempo, e vai ser preciso uma revisão total para corrigi-la”, escreveu a publicação durante esta semana.
Desde 2012/13 – última temporada antes da retirada de Alex Ferguson – que os red devils não conquistam o campeonato. Nenhum dos treinadores que se seguiram conseguiram convencer… entre eles José Mourinho. No entanto, Solskjaer considera que a “revolução” que está a ser efetuada no clube precisa de tempo para chegar a bom porto. “Vai demorar o tempo que tiver de demorar. É um trajeto que começámos e a cultura está a chegar onde se pretende. Atribuímos a nós próprios um desafio gigante de chegar aos quatro primeiros no campeonato. Se trabalhares apenas em dias de sol, nunca irás chegar ao teu destino”, referiu recentemente o técnico norueguês, a recorrer a frases embelezadas de forma a tentar recuperar a esperança dos adeptos do clube.
Solskjaer, o epicentro dos problemas
Ole Gunnar Solskjaer é o homem no meio de todo este turbilhão de crise que tem sido o começo de época do Manchester United. Quando os resultados não surgem, primordialmente em clubes grandes, o treinador é sempre um dos primeiros visados e o norueguês não foge à regra. Parece estar cada vez mais a aproximar-se o fim de linha para o técnico ao leme dos red devils, cargo que ocupa desde meio da época passada, quando sucedeu a José Mourinho.


Foi a 22 de dezembro que Solskjaer pegou no Manchester United e logo com um triunfo diante do Cardiff City. Quando o norueguês chegou, o clube estava na sexta posição da Liga Inglesa, com 17 jornadas disputadas. O começo foi inspirador: oito triunfos consecutivos, sendo que a primeira derrota apareceu apenas ao 12.º encontro realizado. Ainda assim, a turma de Old Trafford acabou o campeonato precisamente no sexto lugar e sem títulos conquistados. Por isso mesmo, Solskjaer entrou em 2019/20 já com contestação, que não mais parou desde então.
Ainda assim, o treinador não atira a toalha ao chão. “Vocês conhecem a minha carreira? Tem sido preenchida por altos mas muitos baixos também, tanto em jogador como treinador. No Molde e no Cardiff, passei por momentos complicados. Eu faço aquilo em que acredito e, no fim, tem acabado por resultar. Se tiveres tempo para fazer aquilo que pretendes, vai correr bem. Este é um período com algumas linhas ténues contra nós, mas vamos conseguir alcançar os objetivos”, salientou Solskjaer após o desaire com o Newcastle United no fim de semana.
Foi precisamente no Manchester United que Solskjaer começou a carreira de treinador, nas reservas do clube. Em 2011, assumiu o comando técnico do Molde, onde ganhou dois campeonatos e uma taça, com uma passagem de mais de um ano no Cardiff City pelo meio.
A praga de lesões e a juventude sem complemento
Os resultados e exibições estão aquém do esperado… mas é impossível desconectar a má época do Manchester United da praga de lesões que a equipa tem sentido. De facto, quando olhamos para os clubes da Liga Inglesa, só o Norwich City teve jogadores de fora mais tempo por lesão (367 dias) do que os red devils (183 dias) nas sete primeiras jornadas. Para além disso, também o Norwich e o Newcastle foram os únicos com maior número de lesões no plantel (23 e 16, respetivamente) do que o Manchester United (12), segundo dados recolhidos pelo Daily Mail.
São estes os jogadores que já estiveram lesionados nesta época: Bailly (154 dias de fora até agora com uma lesão no joelho); Shaw (37 dias com lesão na coxa); Wan-Bissaka (dez dias com problemas nas costas); Dalot (44 dias com lesão na coxa); Fosu-Mensah (começou a temporada já lesionado após cirurgia ao ligamento cruzado); Pogba (22 dias com lesão no tornozelo); Rashford (oito dias com lesão na anca); e Martial (56 dias até agora com lesão na coxa).


Muita da imprensa inglesa justifica esta praga de lesões com a intensidade que Solskjaer pretende nos treinos. O próprio treinador considerou que os índices físicos dos jogadores estavam abaixo do que deviam quando José Mourinho treinava o clube, antes de ele assumir as rédeas. “Há variadíssimas razões para os jogadores se lesionarem, é algo que estamos a analisar. Estamos a trabalhar em melhorar todos os departamentos do clube. Se vais sobreviver no futebol moderno, tens de estar em forma. Tens de estar mais em forma do que estavam quando eu cheguei. Estamos a trabalhar nisso e vamos lá chegar”, atestou Solskjaer.
Não é por acaso que o técnico salientou o facto de o clube estar a trabalhar na melhoria de todos os departamentos, pois a imprensa fala num reforço de peso para a equipa médica dos red devils. Tim Williamson, fisioterapeuta do Celtic, tem sido cada vez mais ligado a uma ida para Manchester, de forma a melhorar a situação clínica do clube, que tem sido um dos principais pontos de foco do complicado arranque da época. No entanto, não é o único fator e também tem sido destacada a falta de entrosamento entre a juventude e a experiência no plantel.
O atual Manchester United tem uma média de idades cifrada nos 25,4 anos e vários jovens na equipa em busca de despontarem para a ribalta. A juntar a isso, o clube tem também jogadores com alguma veterania, como são os casos de Ashley Young, Romero, Matic, Mata… mas há quem pense que isso não é suficiente para ajudar à explosão da juventude. “Em 1996, quando Beckham, os irmãos Neville, Scholes, Butt e Giggs chegaram à equipa foram complementados pelo talento e experiência de Cantona, Ince, Keane, Irwin, Schmeichel, Steve Bruce, Pallister, entre outros. Greenwood, Chong, Angel Gomes, Tuanzebe e Wan-Bissaka, por comparação, não têm tanta sorte”, podia ler-se recentemente na Fox Sports.
Solskjaer também já deixou o seu parecer no que diz respeito aos jogadores mais jovens e considera haver uma falta de confiança geral a afetar o rendimento. “A responsabilidade é minha. Tenho de pôr ordem na cabeça deles [jogadores]. Os jovens jogadores com pouca confiança precisam de alguma ajuda da parte de jogadores experientes e da equipa técnica. Eles são humanos e querem fazer as coisas bem. Precisam de ver os resultados do seu trabalho árduo e não estamos a conseguir esses mesmos resultados. Isso vai afetá-los”, considerou o treinador.
A distante glória dos tempos de ‘Fergie’
“Saudade… saudade”. Uma expressão bem conhecida do povo português e que serve para definir perfeitamente aquilo que os adeptos do Manchester United vivenciam neste preciso momento. Certamente que muitos deles recordam os tempos áureos do clube com Sir Alex Ferguson no comando técnico e com títulos atrás de títulos, até mesmo quando o plantel aparentava não ter tanta qualidade como o dos rivais. Vamos apenas passar rapidamente pelo palmarés de ‘Fergie’ no United: 13 campeonatos, duas Champions, duas Supertaças Europeias, um Campeonato do Mundo de Clubes, uma Taça Intercontinental, duas Taças das Taças, cinco Taças de Inglaterra, quatro Taças da Liga Inglesas e dez Supertaças de Inglaterra. Coisa pouca, certo?


Ao todo, foram 26 anos de Alex Ferguson como o homem do leme nos red devils. Para que se perceba bem o impacto que teve no clube, quando Ferguson chegou a Manchester a equipa tinha sete troféus de campeão inglês, muito atrás dos 16 do rival Liverpool FC. Em 2011, com 25 anos de United, o técnico tornou o clube no mais titulado de Inglaterra com 19 campeonatos, acima do Liverpool (18).
No entanto, os primeiros tempos de Sir Alex em Manchester não foram, de todo, fáceis. Ferguson pegou no clube em 1986 e a travessia no deserto sem conquistas prosseguiu até 1989, ano em que conquistou a Taça de Inglaterra, o seu primeiro troféu no Teatro dos Sonhos. Foi na temporada de 1992/93 que venceu a Liga Inglesa pela primeira vez e parece ter-lhe tomado um gosto especial e duradouro. Por isso mesmo pode questionar-se: visto que Ferguson também não teve um começo proveitoso, será que devia dar-se mais tempo a Solskjaer e deixar o trabalho falar por algum tempo? É que desde a retirada de Ferguson, em 2012, que o Manchester United parece ter entrado numa espiral negativa e se transforma, cada vez mais, num ‘cemitério’ para treinadores… José Mourinho já passou por isso.
Mourinho ainda fez sonhar…
Depois das passagens de David Moyes, Ryan Giggs (interino) e Louis van Gaal, nenhuma delas bem conseguida, há cerca de três anos foi hora de José Mourinho ter a oportunidade de voltar a ser especial em Inglaterra, desta vez fora do Chelsea. Foi em 2016 que o treinador português assumiu o comando técnico do clube e foi inicialmente visto por muitos como um salvador. A primeira época de Mou nos red devils teve um sabor agridoce, pois envolveu conquista de troféus mas também um trajeto desapontante no campeonato.
Ao sexto lugar na Liga Inglesa, Mourinho conseguiu contrapor as conquistas da Liga Europa (competição em que o clube estava inserido devido ao quinto lugar na temporada anterior), Taça da Liga e Supertaça Inglesa. Assim sendo, o ano até nem foi o melhor em termos internos, mas a glória europeia deu aos adeptos a esperança de que tudo poderia correr às mil maravilhas na época seguinte. Assim pensavam… mas não foi nada disso que aconteceu. Sim, o Manchester United ficou na segunda posição do campeonato em 2017/18, é um facto. Mas olhem bem para a tabela… ficou a 19 pontos de distância do rival City. Na Champions não passou dos oitavos de final e não conseguiu vencer títulos.


Ainda assim, os responsáveis do clube continuaram a aposta no português, que entrou em 2018/19 como técnico do United. Mas em dezembro Mourinho foi despedido e deixou a equipa no sexto posto da Liga Inglesa, com 17 jornadas e em segundo no respetivo grupo na Champions. Para a memória ficou também o atrito sempre visível e muito abordado entre o treinador e Pogba, com ambos a darem sinais de problemas ao longo dos tempos.
Ora, qual a razão para Mourinho ter sido mais um dos treinadores na era pós-Ferguson que não resultou no United? Luís Campos, amigo do treinador, e diretor desportivo do Lille OSC considera que tal se deve à cultura do clube e explicou. “Falo com José todas as semanas, por vezes todos os dias, e, na minha opinião, ele sentiu dificuldades no United devido à cultura do clube. Que respeito, claro. Se o treinador está sozinho torna-se um alvo fácil e precisa de ajuda. No futebol todos precisam de ajuda. Não podes jogar sozinho. Não é fácil compreender que um clube como o Manchester United passe por este tipo de dificuldades, mas se elas existem é porque há um problema. E, na minha opinião, o problema é sensibilidade. É importante trabalhar em conjunto. Desporto e economia. Se estes dois fatores não estiverem juntos, acredito que se caminha para o desastre”, referiu recentemente Luís Campos em declarações à Sky Sports.
O que dizem as figuras do clube
Há um dado comum no que diz respeito àquilo que ex-jogadores ou figuras do Manchester United pensam sobre o momento que o clube vive: é de crise e parece difícil vir a sair dela. Roy Keane, que fez quase toda a carreira nos red devils, é o porta voz do descontentamento e deixou duras críticas às metas que a equipa tem definidas para esta temporada. “Deus me ajude se no balneário, quando eu jogava no clube, alguém se referisse ao quarto lugar como um feito positivo. Seria absolutamente linchado”, confidenciou Keane na Fox Sports. De recordar que Solskjaer já assumiu que as duas primeiras posições do campeonato não são para o United, pelo que a luta se faz pelas restantes posições cimeiras.
Mas Keane não se fica por aí e na hora de apontar culpas há mais nomes falados para além do treinador… ou seja, os jogadores. “Foram estes jogadores que atiraram José Mourinho para debaixo do autocarro. Vão fazer o mesmo ao Ole [Solskjaer]. As pessoas nunca mudam a sua personalidade”, considerou o ex-futebolista.
Quem também não fica calado no momento de criticar aquilo que Solskjaer tem feito no Manchester United é Michael Owen, que ainda jogou três épocas nos red devils. “Solskjaer enfraqueceu a equipa conscientemente. Livrar-se de pessoas como Lukaku, Ander Herrera, Darmian, Alexis, Smalling… Ele sabe que poderia melhorar o plantel com esses jogadores, mas acho que entendeu que é preciso recuar para depois avançar. Este United é uma equipa de meio da tabela, não estarão nos seis primeiros esta temporada. Este deve ser o pior plantel do United em décadas. Desde antes do Alex Ferguson ser o treinador”, atestou o antigo internacional inglês.


Owen abordou o facto de o Manchester United ter deixado sair vários jogadores neste verão e, com as vendas de Lukaku, Alexis, Smalling, Ander Herrera, Darmian e Valencia, até ter poupado mais de um milhão de euros por semana em salários e recebido cerca de 83 milhões de euros em transferências. No entanto, a qualidade paga-se e a saída destes jogadores com a falta de investimento noutros setores (as aquisições de Maguire, Bissaka e Daniel James parecem curtas…) afigura-se como um dos fatores chave para a crise atual que se vive em Old Trafford.
Até há mesmo quem compare este Manchester United ao Liverpool que passou uma autêntica travessia no deserto de títulos e mesmo tendo conquistado a Liga dos Campeões em 2018/19, não vence o campeonato desde 1990. Berbatov não quer ver o ex-clube nessa situação, mas teme que seja mesmo isso que está a acontecer. “Espero que o United não acabe como o Liverpool e tenha de esperar pelo menos 29 anos pelo título. Seis anos é um longo tempo de espera para um clube como o United. Quando entras nesta espiral, vais começar lentamente a perder o ADN. Claro que o Liverpool está a jogar melhor agora, mas levou muito tempo a chegar ao ponto em que está. O United tem de encontrar essa fórmula vencedora o mais rápido possível”, destacou o búlgaro.
Soluções: mercado e o clássico inglês
Então como é que se regressa à fórmula vencedora de que Berbatov falava acima? Pois bem, tanto a imprensa inglesa como o próprio treinador do Manchester United acreditam ter as soluções para os problemas dos red devils. A começar por aquilo que se escreve na comunicação social do país, o United está no mercado em busca de um avançado que preencha a vaga deixada em branco com a saída de Lukaku. Os nomes visados para o ataque do clube são Callum Wilson (AFC Bournemouth), Mandzukic (Juventus), Jadon Sancho (Borussia Dortmund), James Maddison (Leicester City) e Moussa Dembélé (Olympique Lyon).


A solução encontrada por Solskjaer está bem mais perto do que o mercado de transferências de janeiro. O treinador considera que o próximo jogo do clube pode tornar-se como o início do movimento para o regresso aos bons resultados. Ora, pela frente dos red devils vai estar o Liverpool FC, que é simplesmente o campeão europeu em título e lidera o campeonato só com triunfos. As duas equipas defrontam-se a 20 de outubro para a Liga Inglesa, em pleno Teatro dos Sonhos.
Solskjaer descreveu mesmo como “perfeito” o duelo com o Liverpool surgir a seguir à derrota perante o Newcastle. “É um jogo perfeito para nós. A pausa internacional também aparece num momento perfeito, porque os jogadores precisam de tempo para colocar a cabeça no sítio. Preparámo-nos desde o primeiro dia da pré-época e mantemos os mesmo princípios”, afirmou o treinador após o desaire no passado fim de semana. Pois bem, o compromisso com o Liverpool poderá mesmo ditar a sentença para Solskjaer no Manchester United, disso parece haver cada vez menos dúvidas.