Jorge Silas abdicou ontem, ao intervalo do desafio do Sporting com o Lask Linz, de um sistema que sempre foi o seu preferido e que até parece indicado para os jogadores de que dispõe e, sobretudo, de uma ideia de jogo que é a dele. Tudo porque os três pontos da vitória frente ao Lask Linz faziam muita falta, até para ganhar tempo, para poder vir a consolidar esse mesmo sistema e essa mesma ideia de jogo num futuro próximo e, claramente, a equipa ainda não está preparada para os assumir. Nas suas primeiras declarações, o novo treinador do Sporting já disse que é “o mais maluco de todos”, mas não é maluco a ponto de se suicidar frente a mais de 30 mil dos adeptos que ele quer que venham a ser o seu principal suporte.
O que se viu do Sporting no jogo de ontem foi uma loja dos horrores com final feliz. Não me lembro de ver uma equipa portuguesa tão perdida em campo nas competições europeias como os leões no arranque da partida com uns austríacos que, se fossem tão competentes a finalizar como a criar jogo e problemas ao adversário, bem poderiam ter saído de Lisboa com uma goleada. Porquê? Porque, tal como já escrevi e disse, não se muda de sistema e, ainda menos, de ideia de jogo, sem ter essas duas vertentes muito bem trabalhadas. Silas achou que isso já seria possível, talvez por excesso de loucura ou crença, talvez por menosprezar um adversário que vem de um futebol que renasce na Europa, mas assim que se apercebeu da sorte que estava a ter em ir para o intervalo a perder apenas por 1-0 voltou à fórmula inicial e guardou posicionamentos e ideia para o laboratório de Alcochete, onde agora terá tempo (ainda que sem jogadores) para aperfeiçoar ambos.
O que é que esteve em causa? Acima de tudo, posicionamentos. Jogar com o 3x4x2x1 que, como já defendi, é o sistema que mais protagonismo pode dar aos dois melhores jogadores do Sporting, Bruno Fernandes e Vietto (a propósito, o que fazia o argentino no banco, ontem?), exige aos jogadores toda uma nova lógica posicional no fornecimento de linhas de passe para os diversos momentos de organização ofensiva. E jogar apoiado desde trás exige ainda mais, para evitar que a bola siga de um lado ao outro do campo e seja depois entregue ao opositor por falta de opções do portador, deixando a equipa exposta a transições para as quais não tem resposta. O que se viu do Sporting nesse momento, que o Lask Linz procurou sempre explorar com uma pressão alta e coordenada, foi uma equipa dispersa, com o central do meio a ver a tentativa de fazer “campo grande” (dar linha de passe atrás) cortada por um adversário e o ala a falhar na opção de vir dentro criar manobra de diversão com um dos médios. Foi por isso que Mathieu, que até pode estar a ficar mais velho mas não desaprendeu a passar a bola, entregou duas bolas de golo aos austríacos – que numa delas fizeram mesmo o 1-0.
Foi com base na constatação de que a equipa ainda não apreendeu o que o sistema e, repito, sobretudo, a ideia de jogo exigem, que Silas mudou para o 4x3x3 e permitiu que os jogadores voltassem a sair com chuto longo na direção do avançado e ataque à segunda bola de seguida – assim nasceu, por exemplo, o segundo golo leonino, marcado por Bruno Fernandes após um chutão de Renan que Luís Phellype amorteceu. Precisou, ainda assim, de muita sorte e de uma dose de aproveitamento letal para somar três pontos e para se manter bem posicionado na luta pela qualificação para a fase seguinte da Liga Europa. O treinador do Sporting pode ser maluco auto-proclamado mas não é suicida. E terá percebido ontem que até uma boa ideia, como é a que ele quer impor, precisa de tempo e de contraditório.