Se há coisa que o sucesso e a estabilidade permitem é traçar metas e definir estratégias de longo prazo para as atingir. Aparte os problemas com a justiça, que a entrevista de ontem à TVI não fez desaparecer, tenha sido porque eles não desaparecem assim ou por falta de vontade de quem conduziu a conversa, é nesse ponto que se encontram Luís Filipe Vieira e o Benfica. É nos títulos que a equipa de futebol tem obtido, por oposição aos que não conseguia antes do virar da década, que o clube alavanca a sua estratégia de criação e valorização de marca, que depois lhe serve para tudo, desde o mercado ao sonho de voltar a ser grande na Europa. Por já ter sido confrontado com tempos em que tinha tanta ou mais urgência do que os que agora procuram morder-lhe os calcanhares, Vieira adotou a paciência do chinês e nela julga encontrar a legitimidade para dizer que discorda de José Eduardo Moniz na questão da limitação de mandatos. Vieira não se vê como um cacique, mas sim como alguém que domina o tempo. É esse o seu segredo.
Há uma diferença gigantesca entre o ambiente vivido internamente por Luís Filipe Vieira no Benfica e aquele que vive, por exemplo, Frederico Varandas no Sporting, ou até aquele que vivia Pinto da Costa no FC Porto antes do balão de oxigénio que foi a conquista da Liga de 2017/18. Essa diferença são os títulos e a tranquilidade que eles permitem. O presidente do Benfica pode até alegar que foi sempre assim que pensou, que sempre definiu metas a longo prazo, mas se o fez foi durante muito tempo um dos únicos a pensar assim no clube. Foram as conquistas no futebol que legitimaram a ideia segundo a qual a estratégia deve ser definida para o futuro mais ou menos longínquo. É o caso, por exemplo, da parceria com Jorge Mendes – que não vem de agora. Terá os seus efeitos perniciosos, como aparentemente parecem ser os milhões gastos em De Tomás ou em Vinicius, que de outra forma poderiam ser conseguidos a preços bem mais em conta, mas nem isso é novidade, porque já tinha acontecido com Jiménez, por exemplo. Também o mexicano chegou à Luz com preço revisto em alta, depois de fracassar no Atlético de Madrid. E também ele acabou por sair ainda mais valorizado para o Wolverhampton, no final da aventura.
O negócio Jiménez foi a exponenciação do que Vieira explicou acerca de Cádiz – mesmo que se pague acima do valor de mercado, este está tão distorcido que se contrata só para fazer dinheiro, porque há a noção de que, seja por uma questão de marca ou de se poder entrar no “carrossel” operado por Jorge Mendes, o facto de se assinar pelo Benfica vai valorizar o jogador. E até isso encontra uma base no longo prazo. Quando os jogadores da formação começaram a sair tabelados a 15 milhões (e pode hoje dizer-se que uns os justificaram, mas outros não…), o que se estava a fazer era a criar marca. Quando, mesmo antes de os seus pupilos mostrarem serviço como estão a mostrar atualmente, o Benfica ganhava prémios internacionais para a formação de futebolistas, o que se estava a fazer era a criar marca. E o valor de uma marca, já se sabe, só se percebe no longo prazo, o mesmo longo prazo de que Vieira agora fala para poder voltar a ser competitivo internacionalmente e poder sonhar com uma final da Champions.
Independentemente de achar que Bruno Lage errou – e acho… – quando desvalorizou a equipa que escolheu para defrontar o RB Leipzig, preferindo colocar os melhores nos jogos com o Gil Vicente e o Moreirense, entendo que não foi esse jogo a pôr em causa a estratégia internacional do Benfica. Essa, claramente, está a ser definida a longo prazo, com a aposta em jogadores da casa, os contratos de longa duração, a hipervalorização dos seus ativos no mercado (caso João Félix) e a presença nos locais devidos em termos globais (permanência na direção executiva da ECA, através da entrada de Miguel Moreira para a vaga de Domingos Soares Oliveira). A questão é que o Benfica – ou qualquer outra equipa portuguesa – não vai chegar a uma final da Champions enquanto o seu ‘core’ for da dimensão da Liga portuguesa, com as receitas da Liga portuguesa e os problemas de expansão internacional que enfrenta a Liga portuguesa. O Ajax, que vive um problema semelhante em termos de contexto, ficou a meio do caminho com uma equipa de sonho, rapidamente desmembrada pelo sucesso. O sonho internacional de Vieira só pode ser atingido, no momento que vive o futebol europeu, quando o contexto mudar e as melhores equipas portuguesas partilharem tudo, de receitas a ambientes, com as melhores da Europa. E isso não só não é para já como talvez seja para lá do tempo que Vieira domina.