Anda aí outra vez um grande burburinho, sobretudo a reboque da resistência à novidade que tem sido a introdução do VAR em Inglaterra esta época. Casos como os da anulação do golo do benfiquista Seferovic à Belenenses SAD ou do livre sobre o sportinguista Luís Phellype, que foi transformado em penalti e depois em falta atacante anterior, no Portimonense-Sporting, movem as consciências no sentido de proclamar que, afinal, isto do VAR é tudo uma cambada de picuinhas que, ainda por cima, vão contra o espírito do jogo e lhe estragam a emoção forçando as celebrações ao ralenti, pois obrigam os autores de golos a ficar num compasso de espera para saberem se podem ou não festejar. A esses só tenho uma coisa a dizer: deixem-se de tretas e lembrem-se do que era o futebol antes do VAR.
É claro que o VAR pode ser melhorado, nomeadamente com a divulgação pública e imediata, de preferência em direto, da comunicação entre os árbitros, como se faz com o TMO no rugby. Claro que será melhorado com a prática, não só em termos de rapidez de análise como de capacidade para evitar erros como foi a validação de um dos golos do Portimonense em Tondela, obtido a partir de uma posição de fora-de-jogo por Iury Castilho – e foi esse o verdadeiro erro de arbitragem nesta Liga, curiosamente quase nada falado por quem quer acabar com os desmandos do vídeo-árbitro. Claro que o espaço à subjetividade da interpretação em faltas de contacto (quem o promove?) ou de mão na bola (quem a promove também?) leva a exageros que tenho dificuldade em aceitar, como é o caso das novas regras para as faltas de mão. Mas tudo isso faz parte das dores de crescimento de um processo que não deve ser posto em causa só porque se anulou um golo a Cristiano Ronaldo e ele só estava uns míseros centímetros à frente de Bruno Alves no momento em que a bola lhe é passada. A questão é que não há jogadores muito fora-de-jogo e outros só um pouco fora-de-jogo – há em jogo e fora-de-jogo.

Os mais razoáveis entre os críticos preferem debater o protocolo. Se no caso do lance do golo de Ronaldo ao Parma ninguém contesta que havia espaço para o VAR avaliar a posição do atacante português, uma vez que ele parte dali para marcar, a questão é diferente nos casos do golo anulado a Seferovic ou do penalti que os leões consideram que deviam ter tido em Portimão. Até quando deve a análise da jogada reverter? Creio que a fórmula correta é a que está em uso: até ao início da ação na qual se faz o golo, isto é, até ao momento em que tiver havido uma interrupção de jogo ou em que quem sofre golo tem a posse de bola consolidada. Claro que discutir isto não é a mesma coisa que debater um golo com a mão, mas continua a ser pouco razoável, sobretudo se nos lembrarmos de onde viemos, de onde estávamos ainda há bem pouco tempo, quando muitos de vós se entretinham a clamar que o golo do adversário não devia ter sido validado porque o lançamento lateral do qual ele saiu tinha sido mal assinalado.
O VAR foi criado para evitar situações escandalosas, como o golo mal anulado a Herrera num FC Porto-Benfica de 2017/18, o golo mal validado a Maicon num Benfica-FC Porto de 2011/12 ou o penalti de mão e consequente expulsão de Pedro Silva no Benfica-Sporting da final da Taça da Liga de 2008/09. Lembro os três casos para conseguir arregimentar adeptos dos três grandes, que poderia também vir aqui recordar a forma como Henry dominou com a mão a bola que, aos 90’, Gallas meteu na baliza da Irlanda, decretando irreversivelmente o apuramento francês e a eliminação irlandesa da fase final do Mundial de 2010. Esse tipo de decisões, ainda por cima com toda a gente a ver em casa que eram erradas, é que descredibiliza o futebol e vai contra o espírito do jogo. Tudo o resto são detalhes de quem não tem muito mais com que se entreter.