O percurso de Bruno Lage ao comando da equipa do Benfica na Liga tem sido pouco abaixo de perfeito: o treinador que há cerca de um ano substituiu Rui Vitória tornou-se na sexta-feira, com a vitória frente ao CD Aves, o mais rápido da história a atingir os 100 pontos à frente de uma mesma equipa. Fê-lo em 35 jogos, dos quais só empatou um e perdeu outro, e deixa pouca margem para melhorias no futuro da Liga: o máximo matemático em que se podem somar estes 100 pontos são 34 jogos.
Lage estreou-se na Liga como treinador principal do Benfica a 6 de Janeiro de 2019, com uma vitória por 4-2 frente ao Rio Ave – e aos 20’ perdia por 2-0, tendo consumado a reviravolta com dois bis de Seferovic e João Félix. Ganhou os nove jogos iniciais, cedendo os primeiros pontos ao décimo, um empate a duas bolas em casa com a Belenenses SAD, a 11 de Março – no qual a 25’ do fim ganhava por 2-0. Seguiram-se mais nove vitórias a encerrar a Liga anterior, na qual foi campeão, e outras duas a abrir a atual, antes da única derrota de todo este percurso: 0-2 com o FC Porto na Luz, a 24 de Agosto. Desde então, o Benfica de Lage somou mais 13 vitórias consecutivas na Liga, atingindo assim os 100 pontos, em resultado de um total de 33 vitórias, um empate e uma derrota.


O atual treinador do Benfica superou assim o anterior recordista, que era o chileno Fernando Riera, também ele no Benfica – que Riera veio depois a comandar também o Sporting e o FC Porto. Com um interregno de três anos, durante o qual voltou à América do Sul, Riera tinha obtido 102 pontos em 37 jogos, dos quais empatara três e perdera também um, nas épocas de 1962/63 e 1966/67. Riera já conhecia o campeonato português, pois tinha sido treinador do Belenenses na década de 50 – e aí precisara de 48 jogos para chegar aos 100 pontos, entre todo o campeonato de 1954/55, que perdeu na última jornada para o Benfica, e o de 1955/56, que acabou em terceiro lugar.
Quando deixou o Belenenses, Riera voltou ao seu país, para ser selecionador no Mundial de 1962, que o Chile organizou, regressando depois, mas para treinar o Benfica. Foi campeão em 1962/63, com apenas uma derrota (FC Porto, em casa, por 2-1) e dois empates (0-0 no terreno do Leixões e 1-1 em casa com o Olhanense), mas acabaria por deixar o clube, para dar o lugar ao húngaro Lajos Czeiler, uns dizem que por ser demasiado defensivo, outros que por ter perdido a final da Taça dos Campeões Europeus para o Milan de Trapattoni e Altafini. Depois de passar pela Universidad Católica e pelo Nacional de Montevideu, regressou em 1966, mais uma vez para substituir Béla Guttmann, que perdera o campeonato para o Sporting. Voltou a ser campeão – algo que Lage ainda terá de conseguir – na segunda época, durante a qual um arranque impressionante, com dez vitórias e um empate (0-0 no terreno do Varzim) lhe valeu 102 pontos em 37 jogos.
É curioso que dos 14 treinadores que conseguiram atingir os 100 pontos em 40 jogos ou menos (ver tabela abaixo), apenas cinco o tenham feito no Benfica. Além de Lage e Riera, há ainda a registar os casos do hungaro Béla Guttmann (39 jogos), do português Rui Vitória (39 jogos) e do sueco Sven-Göran Eriksson (40 jogos). Os ingleses Jimmy Hagan (1970/71 e 1971/72) e John Mortimore (1976/77 e 1977/78) já necessitaram de 41 desafios, o húngaro Lajos Baroti (1980/81 e 1981/82) e o português Jorge Jesus de 42. O atual responsável do Flamengo, aliás, tem a sua melhor marca no arranque aos comandos do Sporting, onde somou 101 pontos em 40 jogos: 86 em 2015/16 (com 27 vitórias, cinco empates e duas derrotas) e mais 15 nas primeiras seis jornadas de 2016/17, um período no qual a equipa só cedeu em Vila do Conde (1-3), frente ao Rio Ave. Jesus é, aliás, o único treinador a somar 100 pontos em 40 jogos ou menos sem ter sido campeão em nenhuma das duas épocas nas quais obteve essa série. À entrada no Benfica, por exemplo, em 2009/10 e 2010/11, precisara de 42 jogos para obter os mesmos 100 pontos, mas sempre foi campeão na primeira época.




Da tabela acima conclui-se ainda que Jesus foi o único a conseguir 100 pontos nos primeiros 40 jogos em toda a história do Sporting, superando os igualmente portugueses Fernando Vaz (que precisou de 41 entre 1959/60 e 1960/61) e Juca (que os completou em 42 partidas, em 1961/62 e 1962/63). E conclui-se ainda que a maioria dos treinadores desta lista obtiveram a marca no arranque ao serviço do FC Porto: são oito em 14. O mais rápido de todos ainda é o português Artur Jorge, que conseguiu 101 pontos em 38 jogos, entre 1984/85 e 1985/86. Escolhido por Jorge Nuno Pinto da Costa para suceder a José Maria Pedroto, quando a doença tirou a este a possibilidade de continuar a comandar a equipa, Artur Jorge conseguiu uma primeira época praticamente imaculada, com apenas três empates (dois 0-0 com o Sporting e outro frente ao FC Vizela, em Guimarães) e uma derrota (0-1 com o Boavista, no Bessa, logo à segunda jornada) em 30 jornadas. Foi campeão e, apesar do fracasso europeu – saiu da Taça das Taças logo à primeira, frente ao modesto Wrexham, que jogava na quarta divisão inglesa – manteve a confiança da direção para continuar o trabalho, atingindo os 101 pontos em mais oito jogos de 1985/86, período no qual só cedeu mais dois empates, nos campos do Salgueiros (1-1) e SC Braga (0-0).
Tal como Riera, Guttmann e Rui Vitória, também Artur Jorge foi bicampeão nas duas épocas de arranque. Dos treinadores que chegaram aos 100 pontos em menos de 40 jogos, só dois perderam um dos campeonatos envolvidos no processo. Foram os casos de Mihaly Siska, que era treinador do FC Porto em 1937/38, 1938/39 e 1939/40 (havia menos jogos por época…), fez 100 pontos em 39 jogos e perdeu o primeiro desses campeonatos para o Benfica, e, mais recentemente, de Sérgio Conceição. O atual treinador dos dragões atingiu os 100 pontos em 39 jogos, 34 deles na sua primeira época, na qual foi campeão, com 28 vitórias, quatro empates e duas derrotas. Na segunda temporada, precisou de apenas mais cinco partidas (quatro vitórias e uma derrota) para chegar ao centenário, mas acabaria por perder a Liga para o Benfica de Lage. Aliás, é sintomático que, tendo 66 das 85 edições da Liga Portuguesa decorrido no século XX (mais de 77 por cento), praticamente metade (seis em 14) dos técnicos que chegaram aos 100 pontos em 40 jogos ou menos o tenham feito no século XXI: além de Lage, foram os casos do benfiquistas Rui Vitória, do sportinguista Jorge Jesus e dos portistas Sérgio Conceição, Vítor Pereira e José Mourinho. Sinal de que a Liga portuguesa está a perder competitividade.