Bozhidar Kraev largou o frio dinamarquês para se tornar numa das figuras em destaque da Liga Portuguesa. A jovem coqueluche do futebol búlgaro tem deixado excelentes indicações em campo com a camisola do Gil Vicente e até marcou o golo que resultou no triunfo diante do FC Porto, logo na jornada de abertura (2-1). Numa altura em que começa a ouvir-se especular acerca do interesse de equipas maiores, curioso é que o médio ofensivo de 22 anos tenha chegado a Portugal por empréstimo de um clube tão modesto como o Midtjylland, onde nem conseguiu impor-se. As explicações estão mais à frente.
Apontado como a grande esperança futebolística da Bulgária, Kraev deu os primeiros passos no desporto rei apenas com seis anos, no clube da terra (Vratsa). Aos onze, rumou a Espanha para treinar numa academia, situada em Vilafranca e gerida por Hristo Stoichkov, em parceria com o FC Barcelona. Desde então que a antiga glória dos Balcãs só tem elogios para o miúdo. “Tem uma facilidade incrível de drible em velocidade, mas o que mais me impressiona é a faceta dele de nunca ser egoísta e preferir passar a bola a um companheiro melhor posicionado”, referiu em tempos Stoichkov sobre Kraev, em declarações à comunicação social espanhola. O antigo internacional búlgaro até apelidou carinhosamente Kraev de “Chicharito”, embora a estatura elevada (1,83m) do médio faça com que não seja fácil perceber a razão para lhe chamarem “Ervilhinha”.
Na altura, 70 golos em 60 jogos pela academia valeram a Kraev o interesse do próprio FC Barcelona. Na imprensa búlgara chegou mesmo a ser falada a ida para La Masía, que só não terá acontecido devido a uma mudança de política nas camadas jovens dos catalães.
Para os mais distraídos, a chegada de Kraev ao futebol português até pode ter sido uma surpresa. Alguns poderiam mesmo não conhecer o nome do jogador búlgaro… mas desde cedo que ele esteve destinado a voos altos na carreira. Até os portugueses que já passaram pela Bulgária reconhecem isso mesmo. David Simão jogou no CSKA Sofia em 2016/17 e recordou-nos que já na altura se falava em Kraev como “o craque de futuro do país”, num país que recentemente nem tem sido grande ‘fábrica’ de talentos.
Para que se perceba a esperança de toda uma nação em Kraev, basta recuar uns anos. O médio já teve alguns dos tubarões europeus interessados nele, com a Juventus e o Manchester City em plano de destaque. Em 2014, pouco tempo após assinar o primeiro contrato profissional, com o Levski Sofia, foi chamado para testes na Vecchia Signora. Não foi sido bem-sucedido, mas realizou também um período experimental nos citizens no ano seguinte. O jovem acabou por não conseguir convencer nenhum dos clubes, mas se tal tivesse acontecido provavelmente também não tinha chegado ao futebol português. É que em 2017, o Midtjylland decidiu contratá-lo a troco de 500 mil euros, após três temporadas nas quais fez 25 golos em 94 partidas com a camisola do Levski.
A explicação para não ter resultado na Dinamarca
A passagem pela Dinamarca, contudo, não correu às mil maravilhas a Kraev, de forma que Portugal lhe surgiu como a oportunidade perfeita para mostrar todo o potencial que lhe reconhecem.
Mas se Kraev tem estado assim tão bem neste começo de temporada no Gil Vicente, quais as razões para não ter conseguido singrar na Escandinávia? Em duas épocas, o médio realizou 37 encontros pela equipa, apenas seis deles como titular. Esta situação tem por base uma série de fatores. Assim identificam jornalistas e especialistas dinamarqueses que acompanham o dia-a-dia do Midtjylland. Primeiro, a contratação de Kraev foi assumida pelo clube como uma aposta para o futuro e não para ter impacto imediato. “Os responsáveis do Midtjylland deixaram claro que era um projeto de jogador que precisava de tempo para se adaptar e evoluir. Não foi adquirido para titular desde logo, mas para ser uma estrela no futuro, com o devido tempo”, contou-nos Jørn Just Kristensen, editor de desporto no jornal dinamarquês Herning Folkeblad.

Para além disso, o sistema tático implementado no Midtjylland não ajudou em nada à evolução de Kraev. “37 jogos em duas temporadas é pouco satisfatório. A segunda época não trouxe a melhoria que eu esperava. A razão foi a forte competitividade no plantel e também o sistema. O treinador – Jess Thorup, nessa altura – alterou a formação para um 3x4x3. Isso significou que o Kraev apenas poderia jogar como ala esquerdo. No centro do meio-campo, o Jakob Poulsen ficava com a parte criativa. No ataque jogava o Paul Onuachu. Para as alas, o Kraev nunca passou de um substituto de Wikheim e Mabil”, referiu Jørn, recusando culpar a adaptação. “Ele sempre pareceu muito comprometido com as tarefas, sempre a sorrir nos treinos e até a aprender um pouco de dinamarquês”, prosseguiu.
Quem vive as emoções do Midtjylland de perto corrobora as explicações dadas acima. Patrick Arff é um dos responsáveis pelo Sort Snak – podcast com algum renome no país e ligado ao clube – e deu conta dos motivos para a falta de aproveitamento de Kraev por lá. “Quando ele foi contratado, a equipa estava a jogar em 4x2x3x1, mas pouco depois de ter chegado o sistema foi alterado para um 3x4x3, o que não funcionou a favor dele. No entanto, ele também não estava a superiorizar-se aos concorrentes diretos por um lugar na equipa e foi por isso que não jogou mais. Diria que é uma combinação de vários fatores. Por vezes, ele não parecia ser uma peça adequada na equipa”, considerou.
Presença em Portugal a prazo… para singrar na casa-mãe
Cedido pelo Midtjylland ao conjunto de Barcelos até ao final da época, existe cada vez mais uma certeza sobre o futuro do médio ofensivo de 22 anos: a vida de empréstimos não deverá prosseguir. Assim acreditam os especialistas em futebol na Dinamarca acima referidos, que olham para Kraev como tendo o potencial para singrar na casa-mãe, ou seja, no Midtjylland. Existe a esperança de que o búlgaro repita o trajeto já feito por Mabil, avançado australiano de 24 anos que esteve por empréstimo no FC Paços de Ferreira em 2017/18 e voltou ao clube escandinavo para ser atualmente uma das figuras em destaque.

“Penso que o Midtjylland ainda tem a esperança que ele regresse e se torne num titular do clube. O Mabil mostrou-lhe como se faz. Tenho a certeza de que o clube está muito satisfeito com o sucesso do Kraev no Gil Vicente. A Liga Portuguesa é um sítio muito bom para ele aprender e evoluir – basicamente, é também um campeonato bem melhor do que o dinamarquês. O Midtjylland joga agora novamente em 4x2x3x1, com o brasileiro Evander a médio ofensivo. O Evander é uma estrela em ascensão e não vai ficar muito tempo na Dinamarca. Está destinado a clubes maiores e o Kraev poderá vir a ser o dono dessa posição, caso continue a evoluir”, apontou Jørn Just Kristensen.
Há quem pense exatamente da mesma forma e compare o Midtjylland a um dos tubarões europeus, devido à política de empréstimos. “Penso que o Kraev poderá voltar, ainda mais depois da chegada do novo técnico e do regresso do 4x2x3x1. Na Dinamarca, apelida-se o Midtjylland de Chelsea, pois o clube envia vários jogadores jovens em cedências e depois fá-los voltar para o plantel. No verão passado, o Mabil regressou do FC Paços de Ferreira e tornou-se num dos destaques. O mesmo aconteceu neste verão com o Mikael Anderson”, identificou Patrick Arff.
‘Dez’ à antiga, com faro de golo e técnica à mistura
Já com dez internacionalizações pela seleção da Bulgária, Kraev tem apresentado desde cedo uma apetência relativa para o golo. Em seis partidas com a camisola do Gil Vicente neste início de época, já fez dois remates certeiros e cruciais, um deles a dar o triunfo sobre o FC Porto (2-1) na primeira jornada do campeonato e outro na vitória perante o CD Aves (3-2) para a Taça da Liga. Com chegada assídua à área contrária, Kraev é visto por muitos como um “dez” à moda antiga, um médio ofensivo caracterizado pela visão de jogo e pela velocidade no pensamento e não tanto nas pernas em corrida.
“Ele tem um bom ‘timing’ de chegada à área adversária. Muitas vezes a chegar precisamente no momento certo. Tem também um remate potente e colocado. Além disso, destaca-se pela qualidade técnica e visão para colocar o esférico nos colegas também. Na minha opinião, ele não é um ala, no sentido em que não é um jogador com rápido drible. Deve jogar como médio ofensivo, ou até mesmo segundo avançado”, considerou Jørn Just Kristensen.
Patrick Arff reconheceu igualmente os índices de finalização e técnicos de Kraev, mas exaltou ainda o caráter trabalhador dentro das quatro linhas. “É um médio goleador, que trabalha muito em prol da equipa. É bom a encontrar a posição certa dentro ou à entrada da área e é um finalizador. Não é o jogador mais rápido, mas tem qualidade na mudança de direção de forma a colocar-se perto da baliza”.
O próprio jogador reconhece as características acima referidas como as principais armas do arsenal que apresenta em campo. “Sou um jogador criativo, com muita elegância. Faço o último passe… marco golos”, tinha referido Kraev, num tom espanhol (graças à passagem por Vilafranca, cidade catalã), quando foi apresentado como reforço do galo de Barcelos, em julho.
Herança de Iordanov, Balakov, Kostadinov e Mladenov
Kraev carrega o fardo de representar a Bulgária no futebol português, algo que já foi feito anteriormente por alguns nomes que deixaram marca no nosso país. Um dos primeiros nomes a surgir quando se pensa em búlgaros em Portugal é o de Iordanov. Ao todo, foram nove anos ao serviço do Sporting, com a conquista de um campeonato, uma Taça de Portugal e uma Supertaça, pautados por 70 golos em 222 jogos. Por falar em Sporting, Balakov foi outra das figuras de destaque, com cinco temporadas nos leões e uma Taça de Portugal no palmarés. Kostadinov levou o currículo bem mais preenchido com a passagem por Portugal, pois com a camisola do FC Porto ganhou três campeonatos, duas Taças e quatro Supertaças, isto tudo em pouco mais de quatro épocas. Ao referir estes ex-futebolistas, é necessário também recordar Mladenov, ex-avançado que passou por Belenenses, Vitória FC, Estoril Praia e Olhanense e conta com a façanha de ser o búlgaro com mais minutos (14.718) no principal escalão português.
Para além de Kraev, os outros 45 jogadores com nacionalidade da Bulgária que passaram por Portugal foram: Mladenov, Iordanov, Balakov, Voynov, Radi, Kostadinov, Petrov, Iliev, Yulian, Kostov, Slavkov, Michailov, Mihtarski, Getov, Spassov, Bukovac, Danov, Bezinski, Tanev, Bibishkov, Sadakov, Stoilov, Dragolov, Nedialko Mladenov, Chilikov, Grancharov, Zrdavkov, Gospodinov, Kostadin Kostadinov, Velinov, Bakalov, Kachmerov, Edward, Stivan Petkov, Stanchev, Timnev, Nikolov, Nakov, Demirev, Petkov, Bojinov, Guentchev, Angelov, Simeonov e Lúcio Wágner.