Com o maior registo de defesas até ao momento na Liga portuguesa, bem como o segundo maior em saídas dos postes, e ainda um dos maiores, entre os guarda redes, em termos de passes concretizados, Hervé Kouakou Koffi tem sido um dos guardiões mais ativos no início de época nacional. Contratado por empréstimo ao Lille OSC neste verão, o burquinês tem sido uma das revelações da época em Portugal. Pelo Belenenses SAD, Koffi vai contrariando a norma, não só a nível nacional, como europeu: tanto em Portugal como no resto do continente continuam a ser poucos os guarda-redes africanos com espaço ao mais alto nível. E, para quem acredita nestas coisas, Koffi trouxe com ele uma maldição.
Desde o início da temporada que, entre as principais ligas do futebol europeu e mundial, só na portuguesa e na francesa os guarda redes africanos tiveram espaço para se mostrar. Quer na liga inglesa, quer na espanhola, italiana ou alemã, em nenhuma delas um guarda redes africano registou qualquer minuto esta temporada. Em França, são dois os guarda redes africanos com minutos regulares na competição: Alexandre Oukidja, em Metz, com todos os minutos disputados até ao momento, e Edouard Mendy, do Stade Rennes, que participou em dois dos quatro jogos já disputados. Algo habitual no país, já que são mais ainda os guarda redes com ascendência africana a atuar regularmente na Ligue 1. Mandanda, em Marselha ou Alban Lafont, em Nantes, só esta temporada, por exemplo.
Algo recorrente, diga-se. Na temporada passada, nenhum guardião africano registou minutos na liga alemã (ainda que Yvon Mvogo tenha ascendência camaronesa) ou na liga inglesa. Em Itália, foi na SPAL que aconteceu a única exceção, com Alfred Gomis a ser utilizado em 20 encontros, enquanto em Espanha Yassine Bono participou em 32 jogos do despromovido Girona. Já em França, tanto Brice Samba como Edouard Mendy, em Caen e Reims, foram titulares absolutos nas respetivas equipas, enquanto Abdoulaye Diallo (Rennes) e Seydou Sy (AS Mónaco) também tiveram alguns minutos.
Os guarda redes africanos utilizados nas cinco maiores ligas europeias nas últimas cinco épocas:
NOME | ÉPOCA | CLUBE | LIGA | MINUTOS |
Brice Samba | 2018/19 | SM Caen | Liga Francesa | 3420 |
Edouard Mendy | 2018/19 | Stade Reims | Liga Francesa | 3420 |
Yassine Bounou | 2018/19 | Girona FC | Liga Espanhola | 2862 |
Alfred Gomis | 2018/19 | SPAL | Liga Italiana | 1723 |
Abdoulaye Diallo | 2018/19 | Stade Rennes | Liga Francesa | 495 |
Seydou Sy | 2018/19 | AS Mónaco | Liga Francesa | 225 |
Vincent Enyeama | 2017/18 | Lille OSC | Liga Francesa | 2855 |
Yassine Bounou | 2017/18 | Girona FC | Liga Espanhola | 2655 |
Mamadou Samassa | 2017/18 | ES Troyes | Liga Francesa | 1890 |
Hervé Koffi | 2017/18 | Lille OSC | Liga Francesa | 360 |
Brice Samba | 2017/18 | SM Caen | Liga Francesa | 315 |
Abdoulaye Diallo | 2017/18 | Stade Rennes | Liga Francesa | 270 |
Seydou Sy | 2017/18 | AS Mónaco | Liga Francesa | 255 |
Francis Uzoho | 2017/18 | Deportivo | Liga Espanhola | 180 |
Raïs M’Bolhi | 2017/18 | Stade Rennes | Liga Francesa | 90 |
Carlos Kameni | 2016/17 | Málaga CF | Liga Espanhola | 3150 |
Vincent Enyeama | 2016/17 | Lille OSC | Liga Francesa | 2855 |
N’Dy Assembé | 2016/17 | AS Nancy | Liga Francesa | 2046 |
Seydou Sy | 2016/17 | AS Mónaco | Liga Francesa | 45 |
Vincent Enyeama | 2015/16 | Lille OSC | Liga Francesa | 3130 |
Carlos Kameni | 2015/16 | Málaga CF | Liga Espanhola | 2467 |
Kossi Agassa | 2015/16 | Stade Reims | Liga Francesa | 903 |
Abdoulaye Diallo | 2015/16 | Stade Rennes | Liga Francesa | 630 |
Stéphane Goda | 2015/16 | GFC Ajaccio | Liga Francesa | 221 |
Mamadou Samassa | 2015/16 | EA Guingamp | Liga Francesa | 90 |
Carlos Kameni | 2014/15 | Málaga CF | Liga Espanhola | 3420 |
Vincent Enyeama | 2014/15 | Lille OSC | Liga Francesa | 3420 |
Anthony M’Fa | 2014/15 | FC Metz | Liga Francesa | 1440 |
Kossi Agassa | 2014/15 | Stade Reims | Liga Francesa | 1440 |
Mamadou Samassa | 2014/15 | EA Guingamp | Liga Francesa | 730 |
Titular nos quatro jogos já disputados esta temporada pelo Belenenses SAD, Hervé Koffi tem sido uma das boas surpresas da Liga em 2019. Internacional pelo Burkina Faso em 25 ocasiões, foi uma prestação de luxo pelo seu país, na CAN de 2017, que lhe permitiu chegar à Europa. Koffi ajudou os burquineses a alcançar o terceiro lugar na competição, segunda melhor classificação de sempre do país, a ponto de Paulo Duarte ter dito um dia preferi-lo a qualquer outro conterrâneo, mesmo que tivesse somente uma perna. E comparou-o mais tarde a Helton. “O meu guarda-redes, o Koffi, é um Helton com 20 anos. Um miúdo com uma qualidade imensa, mesmo sabendo-se que o treino específico no seu clube não é o ideal. Tem enorme agilidade, é muito rápido e possui uma enorme confiança. Tenho a certeza de que vai chegar muito longe e jogar num grande clube”, afirmou o antigo selecionador do Burkina Faso.
Contratado, então, pelo Lille ao ASEC Mimosas, Koffi nunca se impôs na equipa francesa. Em temporada de estreia, no Lille, não foi além de quatro jogos na Liga, um na Taça e outro na Taça da Liga, surgindo praticamente sempre sentado no banco como suplente de Mike Magnan, titular indiscutível da equipa orientada primeiro por Marcelo Bielsa e, depois, por Christophe Galtier. Uma temporada complicada para os Dogues, que se refletiu no próprio registo de Koffi com o clube: não venceu nenhum dos jogos em que participou pelo Lille.
Koffi parece trazer consigo algum tipo de maldição. Depois de uma temporada em que alinhou somente pela equipa secundária do Lille, também em nenhum dos quatro jogos por ele disputados em Portugal esta temporada o Belenenses SAD venceu. Ao nível de clubes, Koffi não sabe o que é vencer um jogo desde 2016/17, altura em que representava o histórico ASEC Mimosas, clube que deu ao Mundo do futebol nomes como Zokora, Eboué, Kalou ou os irmãos Touré, Kolo e Yaya. O guardião chegou lá como melhor guarda redes do futebol burquinês, campeão pelo RC Bobo, ainda com 19 anos. Nada disto, porém, invalida as boas indicações que vai deixando, aos 22 anos, na Liga portuguesa.
“O guarda-redes do Belenenses foi o melhor em campo e isso, só por si, ditou o resultado final. Fomos competentes, fizemos muita coisa boa, tivemos muitas oportunidades. Umas vezes, a perspicácia devia ter sido melhor no último terço – [era preciso] simplificar o processo porque não há muito tempo para pensar – e noutras vezes o guarda-redes apresentou-se a grande nível”, afirmou António Folha, treinador do Portimonense, equipa que empatou com o Belenenses SAD na estreia de Koffi na Liga.
O guarda-redes impressionou, também, a página Última Barreira, conhecida pela análise feita ao trabalho dos guarda redes.
“Koffi fez um jogo em que o maior destaque vai além das defesas que fez na baliza (pois também as teve), tal a qualidade em questões mais abertas no espaço como cruzamentos ou distribuição curta e longa com os pés. Num modelo de jogo de Silas que explora muito a capacidade com os pés do seu GR, soube marcar ritmos, acelerar quando devia ou aliviar quando era mais pressionado para evitar criar problemas na equipa. E no ar… fez uma exibição digna de figurar nos livros em como se deve ter a coragem, audácia e capacidade motora (deslocamento e depois no momento de agarrar) para garantir segurança à sua equipa e controlar ele mesmo os lances. E isto foi algo vincado na sua exibição: controlar os lances e não ser controlado. E isso é muito importante e mostra logo ao que vem o guardião. As defesas que fez foram de qualidade, mas a sua presença no jogo e importância em quase todos os momentos do mesmo, foi acima da média, em especial para alguém que se estreava na primeira liga. Irá certamente ser curioso acompanhar como irá evoluir neste modelo de jogo que valoriza o guardião e o trabalho que o treinador específico, Pedro Alves, irá fazer com o jovem guarda-redes. Mas promete…”, escreveu o portal.
Em 2019/20, Hervé Koffi tem sido um dos guarda redes em maior destaque na Liga portuguesa. Com 18 defesas efetuadas, o guardião do Belenenses SAD é quem mais defendeu na competição até agora. Mais três do que as registadas por Cláudio Ramos (CD Tondela) e mais quatro do que Rafael Defendi (FC Famalicão) e Agustín Marchesín (FC Porto). Mas Koffi não é apenas um guarda redes reativo. O burquinês tem demonstrado uma grande habilidade para leitura antecipada dos lances ofensivos adversários, já que é o segundo guarda redes com mais saídas dos postes (15) registadas até agora. Só Mateus Pasinato, do Moreirense, com 18 saídas dos postes, supera o guardião do Belenenses SAD.
Koffi vai impressionando ainda a crítica com a sua qualidade em responder a estímulos mais ofensivos. Entre os guarda redes da Liga é o sexto com mais passes concretizados (117), somente atrás de Rafael Defendi (FC Famalicão), Renan Ribeiro (Sporting), Ricardo Ferreira (Portimonense), Pawel Kieszek (Rio Ave) e Cláudio Ramos (CD Tondela), tendo falhado apenas um passe curto nos quatro jogos já disputados. Só Vlachodimos (Benfica), com 80%, Agustín Marchesín (FC Porto), com 76,7%, Matheus (SC Braga), com 76,5%, Pawel Kieszek (Rio Ave), com 76,5%, Giorgi Makaridze (Vitória FC), com 75,7% e Renan Ribeiro (Sporting), com 65,1% registam por esta altura uma taxa de acerto de passe superior à de Koffi, 63,2%.
Para o portal Goal Point, Koffi foi mesmo o melhor guardião da liga durante o mês de agosto. “É ele o estreante nestas lides. O Belenenses “pescou” vários jogadores no Lille à luz de uma parceria com o clube francês, mas o guarda-redes do Burkina Faso – destacado por nós na CAN 2017 – foi o único a garantir a titularidade nas primeiras jornadas. A média de quatro defesas por jogo não é superada por nenhum outro guardião, e ainda conseguiu dez saídas aéreas, todas elas eficazes”.
Uma das melhores intervenções de Koffi até ao momento na Liga:
Koffi a controlar o espaço. Leitura e antecipação:
Reação e atenção:
Um mercado por explorar e não é de agora
Koffi não é caso único, mas anda lá perto. Ao longo da história, têm sido poucos os guarda redes africanos com presença regular na primeira divisão do futebol português. Se, esta temporada, ainda nenhum outro guardião africano foi utilizado na liga portuguesa, na temporada passada, dos 45 guarda redes utilizados na competição, apenas dois deles eram africanos. Mais do que isso, tanto Ohoulo Framelin (Nacional) e Dele Alampasu (Feirense) alinharam somente em 90 minutos da competição. Em 2017/18 nem um guarda redes africano foi utilizado na liga portuguesa, enquanto em 2016/17, Thierry Graça (Estoril Praia) e Mamadou Ba (Boavista) – também utilizado em 110 minutos em 2014/15 -, foram utilizados, também, em apenas 90 minutos da liga. Já em 2015/16, Ricardo Campos, internacional moçambicano nascido em Portugal, alinhou 90 minutos pelo União na competição.
Com a titularidade nos quatro jogos já disputados em 2019/20, Hervé Koffi soma quase tantas participações e minutos de competição na liga portuguesa sozinho como todos os guarda redes africanos que participaram na competição ao longo das últimas cinco temporadas, em conjunto. Algo que não muda muito se acrescentarmos mais cinco anos à pesquisa. Para ver um guardião africano ser aposta regular na liga portuguesa é mesmo preciso recuar até à temporada 2009/10, faz no final desta época uma década, altura em que Carlos, internacional angolano, participou em 28 encontros do Rio Ave, tendo sido nessa temporada o oitavo guarda redes com mais minutos registados na liga portuguesa.
Em toda a história da Liga Portuguesa não foram muitos os guardiões africanos que se conseguiram impor na competição. Entre os cinquenta guarda redes com mais minutos na história da mesma, só Pedro Benje marca presença. O guardião angolano, que passou pela liga portuguesa entre as temporadas 1964/65 e 1976/77 ao serviço de clubes como o Benfica, Varzim, Sanjoanense, Farense e Leixões, com 17723 minutos na competição, é o 46º guarda redes com mais minutos na história da liga portuguesa. Só Willian Andem, com 13359 minutos, 76º guarda redes mais utilizado na história da liga portuguesa, lhe chega perto. Isto, claro, se descontarmos Nilson, brasileiro de nascença, naturalizado mais tarde burquinês mas sem que alguma vez tenha acabado por ser internacional pelo país africano. Peter Rufai, talvez o mais mediático de todos os guarda redes africanos que passaram por Portugal, surge somente como o 185º guarda redes mais utilizado na história da primeira divisão do futebol português.
Entre os cem guarda redes com mais minutos na história da primeira divisão portuguesa, apenas dois deles são africanos. Uma tendência que não mudou nos tempos mais recentes e que faz, por isso, Koffi, um caso estranho de sucesso. Há uma década que um guardião africano não tinha tamanha preponderância numa equipa da primeira divisão portuguesa. Na segunda? Hugo Marques (Farense) participou em todos os minutos dos algarvios esta temporada, enquanto Mouhamed Mbaye (FC Porto B) em metade deles.
Os guarda redes africanos na história da liga portuguesa:
NOME | NACIONALIDADE | MINUTOS | TEMPORADAS | CLUBES |
Pedro Benje | Angola | 17723 | 14 | Benfica, Varzim, Sanjoanense, Farense e Leixões |
Nilson | Burfina Faso | 15300 | 7 | Vitória SC e Moreirense |
William Andem | Camarões | 13359 | 9 | Boavista |
Nélson | Angola | 9119 | 10 | Rio Ave e Marítimo |
Carlos Fernandes | Angola | 6118 | 4 | Boavista e Rio Ave |
João Ricardo | Angola | 5709 | 6 | Salgueiros e Moreirense |
Peter Rufai | Nigéria | 5624 | 4 | Farense e Gil Vicente |
Fernando | Angola | 2464 | 4 | Santa Clara |
António Brassard | Moçambique | 2161 | 3 | Académica |
Eduardo Barbosa | Cabo Verde | 1935 | 1 | Atlético CP |
Khadim | Camarões | 1606 | 7 | Boavista |
Tozé | Angola | 1376 | 2 | FC Famalicão |
Khalid Fouhami | Marrocos | 540 | 1 | Académica |
Jorge Silva | Moçambique | 385 | 2 | Académica e Torreense |
Ernesto | Cabo Verde | 360 | 3 | FC Alverca |
Hervé Koffi | Burkina Faso | 360 | 1 | Belenenses SAD |
Valery Douglas | Camarões | 275 | 3 | Nacional e Feirense |
Jonas Mendes | Guiné-Bissau | 225 | 2 | Beira-Mar |
Mamadou Ba | Senegal | 200 | 3 | Boavista |
Torres | Angola | 180 | 1 | Torreense |
Eshele Botende | RD Congo | 136 | 1 | Marítimo |
Ohoulo Framelin | Camarões | 90 | 2 | Nacional |
Dele Alampasu | Nigéria | 90 | 2 | Feirense |
Thierry Graça | Cabo Verde | 90 | 2 | Estoril Praia |
Ricardo Campos | Moçambique | 90 | 1 | União Madeira |
Kadú | Angola | 8 | 2 | FC Porto |