O FC Porto de Mourinho, especialmente o de 2002/03, aquele que ganhou a Taça UEFA, foi uma das equipas mais entusiasmantes que alguma vez vi jogar. Sempre que ouço ou leio que o Special One é um treinador de futebol aborrecido, esgotado por infindáveis conflitos e mind games, apetece-me passar o vídeo de um FC Porto-Lazio, na primavera de 2003, que foi um dos mais impressionantes recitais que alguma vez vi num relvado. Já foi há uma eternidade? É certo. Como é certo que o futebol de Mourinho mudou com as circunstâncias que teve de enfrentar. E é por isso que gostava mesmo de o ver, mais uma vez, numa equipa hegemónica, como pode ser o caso se acabar por substuituir Nico Kovac à frente do Bayern Munique. É a oportunidade que não pode perder.
Mourinho já fez 56 anos, já não é o jovem lobo que apareceu primeiro a auxiliar Bobby Robson ou Louis van Gaal e depois tanto como treinador revolucionário do Benfica como da UD Leiria. Mas é também isso. É isso, como é o homem que, numa manifestação de personalidade e de conhecimento, transformou um FC Porto moribundo, a caminho do terceiro campeonato seguido perdido após o tetra, numa máquina avassaladora de juventude e pressing. Foi com ele que Portugal começou a ouvir falar de pressão alta, foi com ele que se percebeu por cá que o jogo é uno e que a forma como se ataca depende da forma como se defende – e vice-versa. É isso, como é ainda o homem que, aliado aos milhões de Abramovich e à capacidade de abrir portas de Jorge Mendes, fez do Chelsea a maior potência do futebol inglês na segunda metade da primeira década deste século, sagrando-se bicampeão da Premier League após meio século de jejum.
O futebol do Chelsea já não era tão apaixonante como o do FC Porto, já se baseava mais na segurança atrás, mas, lá está, as circunstâncias eram diferentes, os adversários eram também muito fortes e aquela era a forma de os bater. Foi isso que Mourinho provou quando levou o Inter a ganhar a Liga dos Campeões de 2010. Ficou até célebre a tirada acerca da forma como travou o FC Barcelona, nas meias-finais, usando dois laterais de cada lado, para permitir que os originais se preocupassem com as movimentações de Messi: “Não metemos um autocarro à frente da baliza. Metemos um Airbus 340 com as asas abertas”. Mas, mais uma vez, estava a responder às circunstâncias. Como foi isso que fez em Madrid, onde no entanto foi apenas uma vez campeão em três anos. A noção de que não podia combater o futebol de “tiki-taka” do FC Barcelona a não ser pelo contraste levou o treinador português a transformar-se numa espécie de nemesis de Pep Guardiola, a encarnar o lado antipático e defensivo do futebol face à poesia e à aura criada em torno do catalão. E isso condicionou-lhe a carreira daí para a frente.
Desde Madrid, Mourinho deixou de valer por si e passou a confrontar-se sempre com alguém. Com Guardiola e o Barça em Espanha. Com ele próprio, o da primeira passagem, quando voltou ao Chelsea. Com o fantasma de Alex Ferguson, que até simpatizava com ele como rival mas não o queria em Old Trafford, quando assinou pelo Manchester United. Sem treinar há praticamente um ano, depois do que, diga-se o que se disser, terá de ser considerado um fracasso no United, José Mourinho começa a ser cogitado por alguns dos maiores clubes da Europa. Em Inglaterra, fala-se de um jantar com Raul Sanllehi, diretor de futebol do Arsenal, e na possibilidade de o português substituir Unai Emery, que tem o clube londrino em quinto na Premier League, a 14 pontos do Liverpool FC. Na Alemanha, fala-se na hipótese de ser ele o substituto de Nico Kovac, demitido do Bayern após a derrota por 5-1 em Frankfurt, que deixou a potência bávara em quarto lugar da Bundesliga, ainda que apenas a quatro pontos do Borussia M’Gladbach.
São dois grandes clubes e em qualquer dos dois Mourinho teria hipótese de marcar encontro com a história. Em Londres, poderia tornar-se o primeiro treinador a ganhar campeonato ou Taça com três clubes ingleses diferentes. Na Alemanha teria a possibilidade de ser o primeiro campeão em quatro dos cinco maiores campeonatos nacionais da Europa. Pessoalmente, eu gostaria mais de o ver no Bayern, porque essa seria a forma mais rápida de podermos voltar a ter o Mourinho que valia por si mesmo, o Mourinho dos tempos da inocência. E esta pode ser uma das últimas oportunidades de o Special One recuperar essa imagem.