A contratação de Augusto Inácio como treinador do Avaí, equipa que foi despromovida à Série B do campeonato brasileiro e que não ganha um jogo desde Setembro, mostra que o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo abriu mais um mercado para os treinadores portugueses. Tal como sucedeu na Europa depois da vitória do FC Porto de José Mourinho na Taça UEFA de 2003 e na Liga dos Campeões de 2004, o treinador português vai ser moda no Brasil, mas tal como também aconteceu na altura, enganam-se aqueles que acham que lhes basta contratar um português para ganhar. E não é só porque o sucesso de Jesus é, sobretudo, da sua forma particular de trabalhar. É porque o Brasil é um lugar peculiar para se ser treinador, um lugar onde é preciso ser “pop”.
Paulo Bento, por exemplo, não aguentou mais de uns meses aos comandos do Cruzeiro, em 2016, sendo demitido à 16ª jornada, após uma derrota em casa com o Sport Recife, que deixava a equipa mineira na 19ª e penúltima posição do campeonato. Veio Mano Menezes e a equipa mineira salvou-se da despromoção, que acabaria por experimentar este ano pela primeira vez na história. Mas Bento seria, provavelmente, um dos mais desaconselhados treinadores para ter sucesso num Mundo à parte como é o do futebol brasileiro. Além da indiscutível competência no treino de campo, todo o trajeto do ex-selecionador nacional foi montado em cima de valores como a estabilidade e a continuidade do trabalho ou a aposta nas bases – e disso foi exemplo a sua passagem de mais de quatro anos pelo Sporting, com taças ganhas e segundos lugares conquistados. Apesar de ter sido jogador – e dos bons… – Bento, como quase todos os que, da sua geração, chegaram ao topo da carreira de treinador em Portugal, é mais treinador de saber académico do que de manha de rua, de mobilização em torno da conversa motivacional.
Não se trata aqui de arrogar que Portugal – ou a Europa – está acima do Brasil. Não há acima e abaixo. Há a constatação de realidades que são diferentes, para o bem e para o mal. O jogador português já sai sobretudo das academias, enquanto que o brasileiro ainda passa horas a jogar na calçada, nos baldios, muitas vezes a chutar a bola descalço e com pedras a fazer de balizas. O português já vê os clubes forçarem-no a estudar, fazendo depender a convocatória para os jogos das notas da escola, algo que deve ser impensável na esmagadora maioria dos clubes brasileiros. Como resultado, a um português que atinja determinado nível como futebolista falta-lhe em criatividade o que lhe sobra em noção de coletivo, mas também não tem grande tolerância para acreditar em treinadores feitos na chamada “universidade da vida”. É por isso que, com raras exceções, os treinadores mais velhos vão tendo dificuldades para encontrar trabalho por cá – e creio não estar a incorrer em nenhuma inconfidência se revelar que disso se queixava, há uns meses, em conversa privada, Toni, que até foi campeão nacional como jogador e treinador, tem 73 anos e não trabalha em Portugal há quase duas décadas. Quando se trata de treinadores, este país não é para velhos.
O Brasil é diferente. É o país de Scolari, o treinador das bandeiras nas janelas, da Nossa Senhora do Caravaggio e das canções de Roberto Leal no autocarro. De Carlos Alberto Silva, que até foi campeão no FC Porto, mas de quem ainda hoje há quem se ria ao recordar que ele queria reunir a equipa nas folgas em torno de “um churrasquinho”. O Brasil é um país dos treinadores “pop”. E não é um país: é um continente, que não muda por causa de um homem. Jesus, aliás, não mudou o futebol brasileiro: adaptou-se bem a ele, porque também tem essa dimensão. Acredita nessa forma de mobilização e até se sujeita ao gozo dos intelectuais quando chama para trabalhar com ele o “consultor motivacional” Evandro Mota – que está na equipa técnica do Flamengo, como já esteve nas do Benfica e do Sporting. Inácio também possui essa faceta mais popular. Substitui a Amadora pelo Alto do Pina como origem, mas se quiser também consegue falar como o povo que discute bola nas tascas.
É claro que isso, por si só, não chega. Os resultados nunca dependem dessa forma de ser “pintarolas”: é preciso juntar-lhe a competência técnica que Jesus tem para dar e vender. Mas, para já, ainda é cedo para se achar que os treinadores portugueses vão ter no futebol brasileiro a influência que os brasileiros tiveram em Portugal a seguir à chegada de Otto Glória e à introdução que ele fez do profissionalismo nos nossos grupos de trabalho. O futebol brasileiro não muda assim. Ou, pelo menos, não muda a essa velocidade.