“Olê, olê, olê, Mister! Mister! Mister!” Os gritos das bancadas do mítico Maracanã com lotação esgotada após a goleada frente ao Palmeiras (3-0) foram a banda sonora da lua-de-mel entre os adeptos do Flamengo e o treinador português Jorge Jesus, pouco mais de dois meses após a chegada do treinador à Gávea.
Pode parecer tempo insuficiente para se estabelecer uma relação tão intensa, mas com a “nação rubro-negra” é assim: amor ou ódio à primeira vista. Para se ter uma ideia, segundo levantamento do site Globoesporte.com, desde 2001 já sentaram no banco de suplentes do Flamengo 56 treinadores antes da chegada de Jesus.
Destes, apenas quatro resistiram por mais de um ano, justamente o tempo de contrato do português com os cariocas. Era preciso, portanto, ao treinador número 57 deste século mostrar trabalho o quanto antes e foi justamente isto que Jesus fez até agora.
Quando Jesus assumiu o comando do clube, em 20 de Junho, o Flamengo era o terceiro na Liga Brasileira, oito pontos atrás do primeiro, o atual campeão brasileiro Palmeiras. A referida vitória contra os paulistas no último domingo colocou o “Mengão” no topo da tabela, ao lado do Santos FC, o que custou o emprego do amigo Luiz Felipe Scolari.
“O trabalho dele é bem interessante”, avalia o comentador da Globo, Roger Flores. “Jesus deu intensidade aos treinamentos e mudou o posicionamento de jogadores importantes na equipa”, ressalta o ex-médio do Benfica.
Roger lembra ainda que o treinador precisou demonstrar toda a experiência e conhecimento logo nos primeiros dias de trabalho. “Jesus chegou num momento delicado. Foi desclassificado na Copa do Brasil – com dois empates – mas soube dar a volta por cima na Taça Libertadores da América”, observa.
A Libertadores, por sinal, é uma obsessão dos flamenguistas. Há adepto prometendo até tatuar o rosto do treinador no caso de uma conquista.


E Jesus sabe disto. Nas quartas-de-final contra o Internacional, ele chegou a reeditar uma imagem história ao ajoelhar-se após uma oportunidade de golo perdida.
No fim, contudo, o Flamengo conseguiu alcançar a meia-final da competição, após 35 anos, e agora decide a vaga na final frente ao Grêmio, em Outubro, sonhando em medir forças com o campeão europeu, o Liverpool, no Catar, em Dezembro, no Mundial de clubes. Uma oportunidade para Jesus colocar no currículo uma conquista continental e mundial.
Lateral do Flamengo campeão do mundo em 1981 – justamente contra o Liverpool – o “Maestro” Júnior, hoje comentador da Globo, também reconhece o trabalho de Jesus no bom momento da equipa. “Ele conseguiu dar ao Flamengo uma ideia de jogo compatível com o que o adepto espera, jogando sempre para frente”, afirma.
Júnior ressalta ainda a opção do treinador por valorizar a posse de bola e a qualidade do passe, o que fez crescer o futebol de alguns jogadores, como o uruguaio Arrascaeta. “Jesus também acertou na indicação do espanhol Pablo Marí, que deu equilíbrio à defesa”, completa.
O que Júnior chama da “ideia de jogo” impressa por Jesus ao Flamengo está a render elogios. A imprensa já apelidou de “carrossel português” a forma solidária de jogo da equipa, com os jogadores a guardarem pouco as posições. Um trabalho que não tem só a assinatura do treinador, mas de uma equipa técnica quase toda com sotaque lusitano.


Junto com Jorge Jesus, aportaram na Gávea os auxiliares-técnicos João de Deus e Tiago Oliveira, os preparadores-físicos Mário Monteiro e Márcio Sampaio e os analistas de desempenho Gil Henriques e Rodrigo Araújo. O único brasileiro é o “mental coach” Evandro Mota, mas que já havia trabalhado com o “míster” no futebol português.
Com “tecnologia portuguesa”, o Flamengo soma 36 pontos, um ponto abaixo da melhor performance rubro-negra numa metade de campeonato (2018), isto desde que a competição começou a ser disputada no sistema com duas voltas, em 2003. Com dois jogos ainda a cumprir na primeira volta, há chances de Jesus quebrar esta marca.


Um destes jogos, na 19ª jornada, será contra o Santos FC, justamente a equipa que divide a liderança do Brasileirão com o Flamengo. Coincidentemente – ou não – o clube da Vila Belmiro também tem no comando um treinador “gringo”, o argentino Jorge Sampaoli.
“Qualquer estrangeiro que faça sucesso no futebol brasileiro abre uma porta para que se aprenda algo valioso de uma escola diferente, como novas culturas de jogo e desenhos tácticos diferentes”, aponta Roger. Júnior concorda e acredita que até o treinador da Seleção Brasileira, Tite, pode aprender com os bons exemplos vindos “de fora”.
Para os comentadores, o bom desempenho “internacional” no clube de maior torcida do Brasil, porém, ainda não é suficiente para que a Seleção Brasileira se aproxime de ter pela primeira vez um estrangeiro no comando, assim como Portugal o teve, por exemplo, com Luiz Felipe Scolari.
“Acredito que os adeptos não aceitariam”, resume Roger. “É uma questão cultural”, reforça Júnior. “Se fosse um nome como Guardiola ou Klopp, talvez, mas qualquer outro sem o mesmo estatuto não seria bem aceite”, completa o “Maestro”, dando a entender que há milagres que Jesus não é capaz de fazer.
Pelo menos, ainda não.
Confira algumas imagens da aventura de Jesus no Flamengo