Chegou um novo ao rei ao castelo. João Henriques é o treinador do Vitória SC e chega a Guimarães como uma paixão antiga e na sequência de toda a confusão gerada pela curta permanência de Tiago Mendes. Ao técnico ribatejano cabe a missão de recolocar os minhotos na rota europeia e era precisamente um desafio com esta dimensão que já tinha admitido procurar quando deixou o Santa Clara. Esta é claramente a ‘cadeira de sonho’ atual para João Henriques, que não poupou em ambição nas primeiras palavras após a chegada ao D. Afonso Henriques. É precisamente através do discurso e das ideias bem definidas que consegue agregar todo um plantel em busca de objetivos, como nos conta quem já foi orientado por este treinador de 47 anos, que subiu a pulso desde as camadas jovens e escalões distritais até à elite do desporto rei português.
Com “a confiança de um conquistador”. Foi assim que João Henriques disse pegar neste desafio, em alusão ao próprio apelido, igual o do primeiro rei de Portugal, que partiu de Guimarães para alargar o território nacional e ganhar o cognome de “conquistador”. “Vamos lutar em todos os jogos pela vitória, independentemente do local e do adversário. O céu é o limite. Não olhamos para classificações, olhamos para jogos. Vamos fazer as contas no final. A nossa exigência é alta. Os nossos adeptos são exigentes. Nós, estrutura, também somos. Qualquer jogo que não dê três pontos não é bom, porque é isso que queremos para qualquer um deles”, referiu ainda o treinador durante a apresentação, num discurso onde a ambição não falta.
João Henriques vem de duas temporadas seguidas em que fez história no Santa Clara. O nono lugar alcançado em 2019/20 foi a melhor classificação de sempre do emblema açoriano no principal escalão do futebol português. Acima de tudo, o que ficou da obra do técnico no Santa Clara foi a estabilização na Liga Portuguesa de um clube acabado de subir. Já há duas épocas João Henriques tinha levado a equipa à décima posição, logo no ano de regresso à elite portuguesa. Os açorianos ganharam, assim, a aposta no timoneiro, cuja primeira experiência no campeonato até não tinha terminado da melhor forma: em 2017/18 assumiu o comando do FC Paços de Ferreira à 17ª jornada e não conseguiu evitar a descida de divisão.
Curiosamente, a vida de João Henriques poderia ser bem diferente neste momento. Há cerca de cinco anos até esteve perto de treinar os juniores do Sporting, situação que acabou por não acontecer devido a falta de acordo. Quem nos confirmou esta possibilidade foi Paulo Leitão, com quem João Henriques já coincidiu várias vezes ao longo da carreira. “Quando voltei a ser diretor técnico do Sporting [2014/15], ainda durante a presidência do Bruno de Carvalho, o João foi um dos nomes que pensei envolver no Sporting para agarrar nos Sub-19. Mas ele não chegou a acordo com o clube”, contou-nos Paulo Leitão.
Foi em Fátima, em 2001/02, que Paulo Leitão conheceu João Henriques. O agora treinador do Vitória SC foi recomendado a Paulo Leitão, então treinador do CD Fátima (estava na Segunda Divisão B), e passou a integrar a equipa técnica. João Henriques acompanhou Paulo Leitão na temporada seguinte para o UD Rio Maior, da terceira divisão. E foi precisamente no emblema da AF Santarém que se deu a primeira grande prova de confiança no trabalho de Henriques. “No Rio Maior eu próprio só saí, após ter sido convidado para renovar, com a garantia de que fosse o próprio João a assumir a equipa como treinador principal na época seguinte. Senão, permaneceria, mesmo contra a minha própria vontade”, confidenciou-nos Paulo Leitão.
Também foi como adjunto que começou a primeira aventura de João Henriques no segundo escalão. Já em 2017/18 integrava a equipa técnica de Daniel Kenedy no Leixões e foi convidado para ser treinador principal logo após três jornadas. Um convite que não surpreendeu, de todo, os jogadores do conjunto de Matosinhos. “Já era ele que orientava os treinos todos. Sentimos um pouco que era alguém capaz de pegar na equipa. Era muito organizado. A juntar a isso, tinha um discurso muito fluído, limpo e ideias definidas. Conseguiu arrastar o grupo todo para o lado dele”, destacou-nos Bruno China, cuja última época como futebolista foi precisamente essa e que em 2019/20 orientou os Sub-23 do Leixões.

A faceta estratega de João Henriques valeu-lhe fãs no balneário desde logo. “Nessa altura, ele era sobretudo um grande estratega”, apontou-nos Bruno China. O segredo é não estar apenas um passo à frente dos adversários e antecipar o que poderão fazer, como também se adaptar às circunstâncias. “O João sabia as limitações da nossa equipa, mas também sabia estudar as outras equipas e encontrar os pontos fortes e fracos deles. Assim, variávamos a forma de jogar consonante o adversário”, explicou-nos Bruno China.
Aventura árabe e experiência contra juventude
Quando chegou ao Leixões já João Henriques vinha com ‘pedigree’ estrangeiro. É aqui que Paulo Leitão entra novamente na vida do treinador. Na sequência de um protocolo estabelecido entre o Sporting e o Al-Ahli Jeddah (Arábia Saudita), João Henriques foi um dos técnicos convidados para rumar a terras sauditas, em 2012/13. Paulo Leitão coordenava o projeto e João Henriques ficou a cargo dos Sub-15 do clube. Esta não foi a última vez em que se encontraram. “Estivemos os dois integrados numa equipa técnica liderada pelo José Vasques nos Emirados Árabes Unidos. O José treinava a equipa B do Al-Wahda – a equipa principal era orientada pelo José Peseiro, que fez o convite ao Vasques”, contou-nos Paulo Leitão. Peseiro que é visto por João Henriques como uma referência do panorama dos treinadores nacionais. “Tive a oportunidade de ver e estar por dentro do trabalho do José Peseiro, uma referência dos treinadores portugueses. Aprendi muito com aquela cultura. Se hoje sou menos impulsivo nas minhas reações devo a essa experiência”, partilhou João Henriques, sobre a experiência nos Emirados, em entrevista ao semanário regional O Mirante.
A carreira de João Henriques foi sobretudo construída passo a passo, de baixo para cima. Tal foi o trabalho que deu chegar até onde está que o próprio técnico fez questão de frisar isso mesmo há um par de meses. O técnico criticou a aposta em grande escala que se faz em jovens técnicos em Portugal, apenas porque foram jogadores, em vez de optarem pela experiência e por provas dadas. “Atualmente, vemos treinadores sem experiência absolutamente nenhuma a terem oportunidades que eu ainda não as tive. Eu precisei de 20 anos para chegar aos campeonatos profissionais e há outros que precisam de dois dias”, lamentou em entrevista ao portal Bola na Rede, em setembro.
É curioso que João Henriques chega a Guimarães apenas com três jornadas disputadas e precisamente para suceder a alguém que estava na primeira experiência como treinador e com passado como futebolista. Ainda nessa entrevista no mês passado, João Henriques dizia que muitos dirigentes do futebol português procuram “o treinador que está na moda” e que em caso de insucesso nos resultados “reparam que não era aquilo que queriam”. “Os resultados vão mandar sempre, mas, se houver uma boa escolha, as pessoas também têm mais confiança e foi isso que aconteceu no Santa Clara. Quando me contactaram foi pelo meu perfil, forma de jogar e forma de estar e, depois, acreditaram que a escolha deles foi a correta, porque não houve sempre bons momentos. Faz-me muita confusão que, como aconteceu esta época [2019/20], passem dois, três, quatro ou cinco treinadores por um clube e não têm nada a ver nas suas ideias. Faz-me uma confusão tremenda. Não há um projeto. Não há uma ideia. Não há nada”, salientou ainda.

Este lado frontal de João Henriques é também um dos motivos pelos quais consegue captar a atenção de um plantel para que todos remem na mesma direção. Para além disso, junta-lhe também um papel de líder que sabe estar perto do balneário, mas também manter a distância profissional. “Um dos grandes segredos foi a relação que construiu com o grupo, os jogadores começaram a acreditar nele. Tenta estar perto dos jogadores, brinca quando tem de brincar, mas é bastante profissional”, diz-nos Bruno China, que no momento já previa um futuro risonho ao treinador. “Comentávamos que ele podia chegar a patamares diferentes da Segunda Liga. Acredito que durante estes anos já tenha evoluído em outros aspetos e se as coisas continuarem a correr assim pode chegar ainda mais longe.”
O próprio João Henriques chegou a confidenciar que vê a sua relação com o plantel em muito semelhante à que tem com as filhas. “Comparo muito a relação com os jogadores com a que tenho com as minhas filhas. Às vezes precisam mais do mimo e do carinho, mas há alturas em que tenho de levantar a voz para as colocar no caminho certo. Claro que também erro, e sou o primeiro a assumir, mas as hierarquias têm sempre de ser respeitadas”, disse em entrevista ao semanário O Mirante, em agosto. Agora em Guimarães, João Henriques tem pela frente um novo plantel para moldar e colocar no caminho de ambição europeia que tanto o clube como o treinador já manifestaram ter. A estreia no comando dos vimaranenses está marcada para segunda-feira com a deslocação ao Bessa para defrontar o Boavista.
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